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BRASIL

Muito trabalho, pouco salário e nenhum direito: o racismo estrutural e a greve dos entregadores

Gabriel Santos, de Maceió, AL
Matheus Alves ( @imatheusalves ) Levante Popular da Juventude

Ato em Brasília

Hoje vemos acontecer um fato novo no Brasil, e que merece toda importância e apoio: a greve nacional dos entregadores de aplicativo. Uma parcela importante da classe trabalhadora se coloca em movimento e se organiza.

O Brasil virava o ano de 2019 com 38 milhões de trabalhadores informais: Pessoas sem carteira assinada, empregados via CNPJ, pessoas que trabalham por conta própria, domésticas, ambulantes, etc, que não têm direitos garantidos por lei.

Os trabalhadores informais de aplicativo são um dos setores mais explorados entre os trabalhadores brasileiros e ao mesmo tempo um dos que mais cresce por conta do desemprego que assola o país. Um estudo realizado pelo Núcleo de Estudos Trabalho e Sociedade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mostra que eram 5,5 milhões de entregadores em números brutos, o que representa 23% dos informais. Com a pandemia este número cresceu bastante, pois muitos, abandonados pelo governo brasileiro e demitidos por empresas, viram nos serviços de entrega uma alternativa ao desemprego ou para complementar renda.

Entre os trabalhadores informais é notável uma predominância da cor negra. Somos 64% dos desempregados, e temos 47% de nossa força de trabalho distribuída na informalidade. Entre os entregadores de aplicativo, nós negros somos maioria. De acordo com dados do Centro Superior de Educação e Tecnologia da Unicamp, o perfil destes entregadores de aplicativo é de jovens e negros. Na cidade de São Paulo, este perfil corresponde a 71% dos trabalhadores que utilizam a bicicleta como meio de trabalho.

Estes muitas vezes chegam a ter uma jornada diária de exaustivas 10 a 12 horas. O salário está longe de ser compatível com a intensidade do trabalho e as longas jornadas e muitos terminam o mês com pouco mais de um salário mínimo.

Os aplicativos de entrega se recusam a assumir vínculos de trabalho, afirmando que os entregadores são colaboradores, se negando assim a dar direitos trabalhistas enquanto se aproveita do trabalho destes para ter lucro. Esses entregadores tem péssimas condições de trabalho, sofrendo bloqueios das empresas, sem vale-alimentação, sem um salário mínimo, sem registro na carteira, férias, plano de saúde ou décimo terceiro. Sofrem ainda com o risco de roubos e acidentes, visto que a maioria das empresas coloca um valor ilusório de seguro, às vezes nem isto. Durante a pandemia os entregadores continuaram nas ruas, correndo o risco de ser contaminados, e sem ter direito a licença ao trabalho ou a auxílio caso venham a contrair o vírus.

RACISMO

O racismo estrutural que organiza e se integra a forma que o modo de produção capitalista se desenvolve e atua no Brasil, coloca a população negra a margem do mercado de trabalho tradicional. Assim os negros que sofrem o abandono de políticas públicas, convivem com o descaso e sucateamento da educação, se constituem como a parte “invisível” do mercado de trabalho, mas maioria deste.

Neste momento que passamos por uma pandemia, o covid 19 atinge mais gravemente a população negra, sendo esta a que mais morre e convive com piores indicadores de saúde. E é nesta conjuntura do Brasil ultrapassando cem mil mortes que os entregadores de aplicativo continuam nas ruas, trabalhando e com possibilidade maior de contrair covid 19, sem ter medidas de proteção concreta por parte das empresas. 

É valido apontar também que durante a pandemia as corridas ficaram mais baratas e 60% destes trabalhadores passaram a ter um salário menor no fim do mês e trabalhando mais. No período de isolamento sanitário a morte de motoboys dobrou comparado ao período anterior, mostrando que a ganância das empresas de app não leva em conta a vida dos trabalhadores.

A greve dos entregadores de aplicativos convocada hoje em todo o Brasil é um movimento importante para essa categoria e exige o mínimo: direitos trabalhistas. A garantia da construção de relação de trabalho com direitos para os trabalhadores e dever para as empresas.

Como dissemos acima, no Brasil o racismo estrutural que organiza a nossa sociedade faz com que em sua maioria sejam os trabalhadores negros que estão nesta condição de super-exploração de trabalho. É a população negra que historicamente ocupa a maior parte dos postos de trabalho sem vínculos trabalhistas, e que majoritariamente não tem os direitos garantidos via CLT. A reorganização do mundo de trabalho e as inovações feitas para se alcançar lucro, resumidas na tríade: “desemprego, precarização e informalidade”, e é a população negra que se encontra desempregada, em trabalhos precários e informais.

Hoje todos devem se somar a luta e as pautas dos trabalhadores informes e dos entregadores de aplicativo, e entender que está luta também é a luta por direitos e pela vida da população negra. Como falou Silvio Almeida em sua recente entrevista no Roda Viva, ser antirracista é ser consequente contra as políticas do neoliberalismo.