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BRASIL

Tramitação da Medida Provisória 936 expõe equívocos das lideranças sindicais e de esquerda

Câmara dos Deputados aprovou, no dia 28 de maio, a MPv 936/2020, que instituiu o “Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda”

Cacau Pereira*
Agência Câmara

Em artigo publicado neste portal, no dia 4 de abril, analisamos os principais efeitos desta Medida Provisória que se encontra em vigor e representa um salto na política de desregulamentação dos direitos trabalhistas. A MPv 936, utilizando-se do momento de crise da pandemia do coronavírus, se configura num programa de redução de salários e benefícios dos trabalhadores, estabelece a possibilidade de que empresas suspendam contratos de trabalho ou diminuam jornada de trabalho e salários, por um tempo determinado, sem garantia de estabilidade no emprego para todos os trabalhadores. Busca, ainda, enfraquecer os sindicatos e a representação coletiva dos trabalhadores, ao incentivar acordos individuais, afastando os sindicatos da representação de suas categorias.

O texto votado na Câmara preservou a essência da Medida Provisória. Introduziu algumas alterações, dentre elas, a mudança no valor do salário para que ocorra o acordo individual, sem a presença do sindicato, que, mesmo tendo sido reduzido de R$ 3.135,00 para R$ 2.090,00, é um valor que afeta as camadas mais desprotegidas dos assalariados.

O acordo individual segue valendo também para quem ganha acima de R$ 12.202,12, consolidando a roupagem liberal que vem tomando conta do Direito do Trabalho em nosso país, como se este trabalhador fosse forte o suficiente para resolver individualmente as questões do seu contrato de trabalho, sem a presença do sindicato. 

Outra mudança foi a autorização ao governo para prorrogar, por decreto, os prazos de validade da legislação, se vier a ser aprovada. Outra alteração importante – e, no caso, benéfica aos trabalhadores – foi o estabelecimento da possibilidade de prorrogação dos acordos e convenções coletivas durante a pandemia (ultratividade). Esta regra, no entanto, está seriamente ameaçada de cair no Senado.

Além dessas alterações, a Câmara deu uma mãozinha aos empresários que lesam trabalhadores, mudando a forma de correção dos débitos trabalhistas, que passa a ser feita pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) mais a atualização da caderneta de poupança. Para exemplificar, pela regra anterior, a correção em 2019 ficou em 16%. Com a nova regra, seria de apenas 8,17%. Essa emenda “frankenstein” estava prevista em outra MPv, a 905, e foi ressuscitada pelo Partido Progressista (PP), agora na base de apoio do governo Bolsonaro.

Por fim, dentre outras mudanças, os bancários foram prejudicados com a inclusão de uma cláusula que prevê a compensação dos valores da 7ª e 8ª horas trabalhadas, além da jornada legal de seis horas da categoria, definida na Convenção Coletiva. 

Apesar do caráter reacionário desta MPV, que muito provavelmente será convertida em lei e pode, ainda, ser piorada no Senado Federal, a maioria dos líderes das centrais sindicais atuou, mais uma vez, de mãos estendidas ao patronato. Em nota conjunta, os representantes da CUT, Força Sindical, UGT, CTB, CSB, Nova Central, CGTB e Intersindical (CCT) saudaram as mudanças introduzidas como “vitórias importantes” na tramitação da MPV. (1)

Também foi elogiada a postura do relator, o deputado Orlando Silva, (PCdoB/SP), “que atuou dialogando com as lideranças sindicais, com a situação e oposição para fazer com que a Medida causasse menos danos para os trabalhadores”. (2)

No entanto, a principal mudança proposta pelo Relator foi derrubada pela ampla maioria dos deputados. O relatório alterava a base de cálculo do benefício pago pelo governo em caso da redução salarial. Assim, se poderia preservar a renda original para a maioria dos afetados e a diferença salarial seria garantida pelo governo. Essa modificação, favorável aos trabalhadores, tinha como contrapartida a ampliação dos prazos e da abrangência das desonerações das folhas de salários, o que era vantajoso para os empresários. A parte que interessava aos empresários foi mantida, gerando sérios impactos, principalmente na arrecadação da Previdência. A nova base do cálculo, no entanto, foi rejeitada, o que sugere uma quebra de acordo por parte dos representantes do Centrão e do presidente da Casa. Por 355 votos a 155, foi mantida a proposta original do governo e o destaque foi derrubado. Em linguagem popular, o Relator tomou e aceitou um verdadeiro “abraço de urso” na negociação que estabeleceu com as tristes figuras do Centrão e Rodrigo Maia (DEM).

Congresso Nacional: “oficina do diabo”

O PSOL, corretamente, votou contra a MPv. O Deputado Edmílson Rodrigues/PA, em sua declaração, denunciou o que entendeu ser uma “violência ao processo que foi estabelecido, de conversas, de acordo, apresentado no relatório do deputado Orlando. (…) É absurdo que (…) a chamada casa do povo sirva como oficina do diabo para tirar direitos dos trabalhadores.” (3) Não cabem reparos à posição do deputado.

A posição assumida pelo restante da esquerda, em particular pelo PCdoB, no entanto, precisa ser discutida. Na polêmica entre correntes que se reivindicam socialistas e comunistas não deve existir espaço para leviandades, falsificação de posições e crítica desonesta. A atuação parlamentar exige, da parte dos representantes do povo, enfrentar-se e dialogar com as frações inimigas, estabelecer acordos pontuais, demarcar posições sempre que necessário…

O recebimento da relatoria da MPv por Orlando Silva suscitou indagações. Rodrigo Maia afirmou tratar-se de uma política da presidência da Câmara. “São muitas medidas provisórias, todos os partidos vão ter oportunidade de relatar matérias na pandemia” (4) afirmou, no mesmo dia em que indicou parlamentares de partidos diversos (PP, MDB, PT, PSD e PL) para outras relatorias.

Houve quem visse na iniciativa um incentivo de Maia ao PCdoB, partido que tem sido porta voz de uma política de frente ampla no enfrentamento ao governo Bolsonaro, o que é correto, mas que se destina, essa política, a acordos eleitorais com a direita liberal nas eleições de 2020 e 2022. O governador Flávio Dino (PCdoB/MA) tem sido um dos principais representantes desta política.

Não é um tema simples. A unidade de ação ampla é elemento fundamental na construção de uma política para enfrentar e derrotar o governo genocida de Bolsonaro. Submeter essa unidade a um acordo programático e eleitoral representa um risco e pode colocar a esquerda subserviente às frações burguesas que, por agora, estão na oposição ao governo, mas tem com ele acordos fundamentais na condução da política econômica e nos ataques aos direitos dos trabalhadores, como se demonstrou na votação da MPv 936.

Rodrigo Maia e o Centrão não são nem serão adversários consequentes do governo Bolsonaro

O PCdoB apoiou o deputado do DEM para presidente da Câmara. As ações posteriores de Rodrigo Maia deveriam já ter sido suficientes para demonstrar o erro dessa atitude. Mas nem mesmo o episódio da votação da MPv 936 parece ter tido essa capacidade.

Para o deputado Orlando Silva, o texto aprovado – que precariza a condição dos assalariados e fragiliza a ação sindical – permitiria a proteção do emprego e da renda dos trabalhadores, “o que será fundamental para a fase posterior, na retomada da atividade econômica”. E sobre um dos principais pontos da matéria – a possibilidade dos acordos individuais de redução de salários sem a presença dos sindicatos – esta foi justificada pelo deputado por já ter sido validada peloSupremo Tribunal Federal. (5)

Seria cômico se não fosse trágico, pela boca de um deputado “comunista”, a defesa de tal absurdo: o Congresso Nacional abrir mão de exercer suas prerrogativas de legislar sobre uma matéria de sua competência, que estava ao seu alcance, mas que virou moeda de troca e posterior traição no acordo fechado com as alas mais conservadoras da Câmara.

O argumento de que a correlação de forças é adversa no Congresso e na sociedade, dado o momento de isolamento social e de maiores dificuldades para a mobilização dos trabalhadores, é real. E justamente por isso deveria impulsionar as lideranças parlamentares da esquerda a um confronto aberto de projetos com as frações burguesas e da direita no parlamento. Somente com o entendimento, por parte da população, do engodo e dos graves prejuízos que a MPv enseja, seria possível criar pressão popular pela sua derrubada.

Mas o PCdoB segue apostando numa política de entendimento e de frente ampla com os algozes dos trabalhadores, conforme o presidente da CTB, central sindical alinhada com aquele partido, avaliza: “Considerando a difícil correlação de força e as manobras do governo para cooptar grande parte do Centrão, conseguimos, sim, reduzir o mal maior. (…) Apostamos na grande política e protagonizamos, através do diálogo, medidas que rompem o ranço conservador do bolsonarismo”. (6)

Essa postura pavimenta o caminho para maiores e contundentes derrotas, abre mão da disputa politica da população contra os projetos da extrema direita e dos partidos fisiológicos que dominam o Congresso Nacional, semeia a ilusão de que é possível governar com as alas “moderadas” da direita e, o mais importante, não amplia nenhuma coalisão que enfrente pra valer as politicas genocidas do governo Bolsonaro.

A atuação parlamentar pode impor, particularmente em momentos de defensiva política da classe trabalhadora, a necessidade de acordos e uma política de redução de danos em votações no parlamento. Mas também exige, muitas vezes, demarcação política e denúncia implacável dos supostos representantes do povo, que legislam justamente contra os mais pobres. Na votação da MPv 936, lamentavelmente, mesmo com o rompimento dos acordos feitos com o Relator, essas lições foram abandonadas por parte da esquerda.

Em tempo: abraço de urso: aquele abraço forte que prende os braços da outra pessoa, que aperta e deixa a outra pessoa imobilizada, ás vezes até sem ar.  (7)

 

Pau que dá em Chico, dá em Francisco
(Atualização em 04/06/2020)

Na sessão de votação da MPv 936, PT e PSOL votaram, por meio de suas lideranças, a favor do destaque da Emenda 61, sob orientação da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro, filiada à CUT.
A liderança do PSOL errou, ao indicar o voto sim nessa emenda, que diz respeito à compensação dos valores da 7ª e 8ª horas extras, que ataca a jornada de seis horas dos bancários, conquista histórica da categoria.
Conforme me explicou o companheiro Sílvio Kanner, bancário, e ex-presidente da Associação dos Bancários do BASA: “a Contraf já assinou acordo prevendo que o pagamento de função aos trabalhadores bancários compensa a 7ª e 8ª horas. Para eles, ser aprovado isso, na forma de lei, é como se limpasse a jogada que fizeram na Convenção Coletiva de Trabalho”.
Juliana Donato, bancária do BB, enfatiza o erro cometido e informa que os bancários do Coletivo Sindical e Popular Travessia estão “elaborando um texto sobre a questão da jornada de seis horas. Criticamos o voto dado pelo PSOL, e vamos enviar uma carta à direção do Partido, pedindo uma autocrítica em relação à votação”.
Reconhecemos a ausência desta informação, bastante relevante, no artigo que publicamos neste Portal. As bancadas do PSOL e do PT, sob a orientação da Contraf/CUT, erraram nessa votação.

Saiba mais na matéria dos bancários do coletivo Travessia de SP

 

* Cacau Pereira é militante da Resistência/PSOL. Advogado com Especializações em Direito Público, Previdência Pública e Previdência Complementar. Mestre em Educação com estudos na área do sindicalismo docente. Colabora com o Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (IBEPS). Endereço: [email protected]

 

NOTAS

1 – http://www.mundosindical.com.br/noticias/46530,vitorias-do-movimento-sindical-na-mp-936

2 – Idem

3 – https://www.youtube.com/watch?v=pmmhr1a9s0g

4 – https://www.poder360.com.br/congresso/orlando-silva-do-pc-do-b-sera-relator-da-mp-que-permite-reduzir-salarios/

5 – https://spbancarios.com.br/05/2020/mp-936-e-aprovada-na-camara-dos-deputados

6 – https://vermelho.org.br/2020/05/30/sindicalistas-exaltam-papel-de-orlando-silva-nos-avancos-da-mp-936/

7 – https://www.qualeagiria.com.br