Depois de mais de 2 meses de quarentena (embora não para todas as trabalhadoras), os movimentos sociais voltam a sair à rua em Portugal. O mote da manifestação, que acontecerá no próximo dia 6 de Junho, está lançado: Resgatar o Futuro, Não o Lucro.
Portugal tem vindo a ficar conhecido por um relativo controlo da pandemia, mas motivos de contestação não faltam: durante este período 1.5 milhões de trabalhadores entraram em lay-off (suspensão do contrato de trabalho, com o salário reduzido, pago quase na totalidade pelo estado), com uma perda média de 30% dos seus rendimentos; o sector da cultura está praticamente sem apoios do Estado, deixando 100 mil trabalhadores sem apoio; o desemprego disparou; 400 mil pessoas estão a receber assistência alimentar; há casos de refugiados a serem confinados contra a sua vontade em campos militares; enquanto isto tudo acontecia, o governo injectou 850 milhões de euros no Novo Banco e prepara-se para fazer o mesmo com a TAP (companhia aérea nacional, parcialmente privatizada).
Em Sines, importante cidade operária, já houve uma onda de mais de 600 despedimentos, o que levou a um protesto em que participaram sindicatos e os principais partidos de esquerda.
Face a tudo isto, diversos movimentos sociais estão a convocar uma manifestação em vários pontos do país para dia 6 de junho. Como refere a convocatória do protesto: “Saímos à rua porque houve quem nunca deixasse de sair. Saímos à rua porque temos a consciência que quem sustentou quarentenas, cuidou de doentes, garantiu abastecimentos e logística, foram precárias e trabalhadoras dos serviços essenciais, (…) pessoas que cuidam de nós em casa e nas ruas, seja esse trabalho remunerado ou não”.
Como fica explícito no manifesto: “É preciso resgatar as pessoas dos sectores agora arrasados, como o turismo de massas ou as energias fósseis, para sectores como os cuidados (hospitais, lares, alimentação, limpeza, entre outros), a cultura e as energias renováveis, respondendo à falta de empregos e à reconfiguração necessária da economia para o cuidado da vida”, e acrescentam: “O capitalismo, enquanto sistema económico, não resolverá a crise social nem a crise climática.”.
É de ressaltar que a urgência de uma resposta organizada a esses ataques ultrapassa as barreiras das reivindicações única e exclusivamente laborais. Quando o manifesto refere que “as pessoas dos sectores agora arrasados”, convém relembrar que estas pessoas não são um vulto, são pessoas reais com configurações reais de raça, de género, de sexualidade e nacionalidade. Em Portugal as mais afectadas são as mulheres dos sectores não especializados de limpezas e cuidados, mulheres negras e muitas delas imigrantes que acumulam neste momento tudo o que perfila a precarização laboral com os horrores do aumento da violência doméstica e ainda o terror de uma tensão social que acaba por legitimar ainda mais o comportamento racista das forças de “segurança” pública sob o argumento de combate à pandemia. Também as comunidades ciganas, que se dedicam muitas vezes ao comércio itinerante por impossibilidade de conseguirem trabalho num país extremamente hostil, e muitos deles a residir em acampamentos sem as mínimas condições como acesso a água, luz, comida e a enfrentarem despejos. Podemos falar sobre uma parte significativa de pessoas LGBTQIA+ que trabalham maioritariamente em restauração e turismo que foram obrigadas a pedir férias ou a entrar em lay-off a mando da empresa quando não houve despedimento ao abrigo de uma legislação pensada para defender os mais fortes e até mesmo daquelas que se encontram trancadas em casa com uma família conservadora, expostos e expostas a variações, muitas vezes invisibilizadas, de violência de género.
Além disso, neste período de pandemia muitas das ideias reacionárias e fascistas, que tem vindo a ganhar espaço nos últimos anos, foram novamente espalhadas por partidos de extrema-direita e alguns dos seus governos. Fomentaram o ódio aos imigrantes, ao povo cigano e ao chinês, a defesa de um estado mais securitário e a tentativa de criar cada pessoa um polícia. Não ausência de mobilizações em defesa da saúde, dos trabalhadores e do planeta, a ofensiva do neo-fascismo e das direitas ganha força. Este é portanto mais uma razão da importância da unidade dos movimentos sociais para recuperar as ruas.
Saímos à rua, mas com cuidados
Os movimentos que convocam está manifestação, apesar de considerarem que as ruas são um dos espaços mais importantes para fazer ouvir as exigências das e dos mais explorados e oprimidos, têm consciência da importância de respeitar o distanciamento social e de ter medidas de segurança. Nesse sentido, a manifestação será organizada em dois blocos. Estes blocos terão na linha da frente faixas com palavras-de-ordem, e atrás de si, os manifestantes estarão agarrados a duas linhas vermelhas de tricot, que terá uma marca a cada 2 metros, de forma a que os manifestantes cumpram o distanciamento de segurança. As imagens abaixo são bastante exemplificativas:
Um primeiro passo unitário
A convocatória da manifestação, que acontecerá em simultâneo em Lisboa, Coimbra, Porto e Braga, é subscrita por vários colectivos de luta pela justiça climática, como a Climáximo e a Greve Climática Estudantil Lisboa, mas também por associações pelo direito à habitação como a Rés do Chão, bem como outros colectivos pelos direitos laborais ou colectivos feministas, tais como os Precários Inflexíveis e A Colectiva.
Momentos complicados, de crise e ataques sociais aguardam a classe trabalhadora e o povo. Nestes tempos, só a luta e organização dos debaixo pode obrigar a que os poderosos dêem resposta. Neste sentido, esta manifestação é importante por sinalizar a necessidade de lutar, algo que é fundamental, mesmo em tempos de distanciamento social.
Este é um primeiro passo de união entre vários movimentos sociais. Um passo importante, ao qual será significativo que os sindicatos também se juntem. Será a capacidade de construir esta unidade que impedirá que sejam as trabalhadoras e as estudantes a pagar pela crise, e mais do que isso, que possamos aproveitar a crise do sistema capitalista para lutar por um mundo novo. Certamente a construção de um movimento unitário em que convirjam diversos movimentos sociais e laborais será um processo complicado. Construir processos unitários de mobilização exige dos e das activistas a capacidade de fazer cedências. Inevitavelmente haverá erros, mas o foco de quem luta deve ser o de criar a unidade que permita trazer milhares de pessoas à rua – não só no dia 6, mas em todo o período seguinte. Um novo normal de lutas revoluções depende disso, pois nenhum movimento ou partido poderá fazê-lo sozinho.
Por isso, lavamos as mãos, pomos as máscaras e saímos à rua.
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