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BRASIL

Ser professor em Minas Gerais: “Por que não nos pagam?”

Autor anônimo

Lembro como se fosse hoje, quando há uns 15 anos atrás deixei uma empresa que acabava de me colocar no “plano de carreira” para ser professor da Rede Pública de Minas Gerais.  Saí da referida empresa para ganhar menos do que ganhava e viajar cerca de 80 km por dia entre a cidade onde morava e a escola.

Saí com o sonho de mudar o mundo com a Educação. Confiando no poder da palavra, do estudo e da boa vontade, lá fui eu. Bom, como podem imaginar, a distância entre o sonho e a realidade foi enorme. Salas lotadas, agressões verbais, famílias desestruturadas, falta de recursos, enfim… Lembro-me como se fosse hoje da tarde em que meus alunos pediam para sair mais cedo para o recreio porque naquele dia teria comida sólida.

Com o tempo aprendi a encontrar e apreciar a beleza das pequenas conquistas. No jovem que aprendia a pedir “por favor”, que compreendia que não deveria agredir seus colegas, que se encantava com um livro. Muitos não aprendem a perceber essa beleza das pequenas e lentas mudanças e ou abandonam a Educação ou mergulham no álcool e remédios controlados.

De 15 anos para cá algumas coisas mudaram, outras nem tanto. Mas de modo geral ser professor continua sendo um sacerdócio. Só com muito amor para continuar nesse árido caminho. Em Minas Gerais as coisas parecem piorar a cada ano e a cada ano esse nosso amor a Educação é colocado a prova diariamente.

Desde 2016 um professor da Rede Pública de Minas Gerais não sabe o que é ter um dia certo para receber seu quase miserável salário. Há quatro anos começamos o mês ansiosos para saber se o salário vai cair antes do vencimento dos boletos, o que geralmente não acontece. Aliás, recebemos nosso salário de forma parcelada, uma miséria no começo do mês e a outra parte da miséria no final.

Como é possível ter serenidade para criar e preparar aulas quando não temos nem a tranquilidade de receber em dia para pagar coisas básicas como moradia, alimento e transporte? Começo de mês para professor de Minas é tempo de tristeza, incerteza e ansiedade. Tudo isso há mais de quatro anos.

Muitos professores mergulham em dívidas com bancos

Com a pandemia da Covid-19 e a queda na arrecadação a situação que era ruim se tornou caótica. O governador Romeu Zema simplesmente diz que não tem data para pagar o que nos deve. Paga a Segurança, a Saúde e para a Educação é “quando der”. Muitos professores mergulham em dívidas com bancos e instituições financeiras para continuar se alimentando, morando, enfim, sobrevivendo.

O dinheiro para a quitação dos salários da Educação, sabemos que existe. Os repasses do FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) foram e estão sendo feitos em dia. Esse dinheiro é da Educação. Por que não nos pagam? O que está sendo feito com o dinheiro da Educação? É o que gostaríamos de saber do Governador Romeu Zema.

A Educação começou 2020 em greve. Ao contrário de outras categorias, o Décimo Terceiro Salário da categoria não foi pago integralmente até hoje. Os salários atrasados e parcelados. O Governador do NOVO, ao mesmo tempo que não nos paga, propõe cerca de 40% de aumento para outras categorias. Ao que parece, o Estado está quebrado apenas para a Educação.

Nesses momentos percebemos por que nosso país se encontra na calamidade política, social e moral em que se encontra. A mesma população que apoiava a greve dos caminhoneiros, que enchia a boca para dizer “somos todos caminhoneiros”, se cala frente a situação dos professores dos seus filhos. Pior, muitos nos agridem, falam que entramos em greve para emendar o Carnaval, sem ao menos procurar ver o que passamos. Bem típico de um país com tradição escravista, onde muitos agem como se os professores fossem seus serviçais que devem aceitar de bom grado qualquer migalha jogada ao chão.

Não existe nação que se desenvolveu sem colocar a Educação como prioridade. Todos governantes falam da importância da Educação. Todo pai e mãe quer seus filhos com uma formação de qualidade. Está mais do que na hora de deixarmos as palavras vazias e passarmos a valorizar a Educação de fato. Professor precisa comer, vestir, continuar estudando, comprando livros e discurso vazio não traz nada disso. Ou “somos todos pela Educação” de verdade ou seremos eternamente o país do futuro que nunca chega.

 

Professor da Rede Pública de Minas Gerais. A assinatura foi preservada, para evitar retaliações.