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OPRESSÕES

A quarentena e nossos filhos

Ana Luísa Martins*, do Rio de Janeiro, RJ
Divulgação / O Menino Maluquinho

Realmente tem sido muito difícil lidar com toda a tragédia humanitária que estamos vivendo em confinamento. Obviamente o isolamento é absolutamente necessário, mas é duro. Com os filhos, mais difícil.

O trabalho doméstico se avoluma exponencial e freneticamente: cozinhar e limpar sem fim a sala, o banheiro e a cozinha, tomar banho!, escovou os dentes na hora certa?, a fralda, o desfralde, derramou tudo no sofá, no chão…abriu a geladeira e comeu o que quis, para de comer biscoito e vem comer uma fruta!, para de jogar e vai ler um livro!, para de brigar!, barulho de máquina de lavar roupa trabalhando, hora da história e de dormir! Ufa…dormiu…

A ausência da escola quebra, de certa forma, o processo de autonomia e eles ficam mais dependentes, pra tudo! Estão o dia inteiro com você, mas requerem ainda mais sua atenção. E tem o trabalho, o estudo, o jornal, a reunião, o Whatsapp, o texto pra escrever, as noticias, consumindo sem parar seu tempo e energia. Aí tem a culpa pela TV ligada o dia todo, pelas inúmeras vezes que não prestou a atenção ao que eles falaram ou fizeram. A preocupação por algum acidente doméstico, já que sua cama e o sofá se transformaram em pula-pula. Mas você é militante e também quer pensar, só que a situação estrutural do país e a pandemia impuseram que você tem que fazer tudo junto, toda hora e ao mesmo tempo, então não tem jeito, pode largar a culpa de lado.

Eu tenho dois meninos (8 e 2 anos), e por mais que o bebê seja mais “trabalhoso”, tenho achado mais difícil com o mais velho. Porque não é só o trabalho, é bem mais tedioso pra ele. Saudade dos avós, dos amigos (o que inclui deixar seu celular ser capturado por horas para conversarem, faz parte!), da escola. A necessária conversa sobre o que tá acontecendo no mundo. O Equador (que tristeza), e quem não tem casa?, o que é um vírus?, o céu tá azul poderíamos estar na praia… Acho que esse elemento é minha maior fonte de angústia, por um lado. Mas por outro lado, talvez, seja minha maior fonte de esperança. Ter um contato tão intenso com o que acontece fora do seu núcleo familiar, contraditoriamente. Estar atento e assimilando uma realidade tão dura também tem seu lado bom, forma muitas coisas dentro de uma criança. Acho que eles entendem bem o que está havendo, por isso não nos culpam, mesmo quando nos sugam sem parar.

Sei que além dessa realidade que eu descrevi aqui, tem muitas outras, com combinações ainda mais complexas. Me solidarizo imensamente com os trabalhadores da saúde, em sua maioria mulheres, que vão trabalhar com medo de voltarem contaminados pra casa ou com as professoras, que estão trabalhando mais horas que normalmente, para fazerem vingar o projeto absurdo de EAD nas escolas só pra cumprir uma carga horária fake, ou ainda aqueles que já perderam seus empregos.

Falo isso todos os dias aqui em casa e não falo da boca pra fora, acredito mesmo. Vamos passar por isso. Dias melhores virão. A hora mais alegre da casa é quando anoitece e eles pegam as panelas e correm pra janela, fazendo um barulho ardido e irritante, mas é quando sei que estamos fazendo um bom trabalho!

Um abraço forte nos meus amigos mães e pais. Estamos juntos nessa!

ps: enquanto eu escrevia esse post o pai estava jogando com o mais velho e eu estava sendo chamada à atenção inúmeras vezes pelo mais novo, pois não estava passando o carrinho pela pista exatamente do jeito que ele queria. Vi a culpa se encostando em mim, mas não. Eu queria escrever e ponto.

 

*Ana Luisa Martins é feminista, estudante de enfermagem e mãe.