Ao contrário do negacionismo assassino que tem marcado a postura de Bolsonaro diante do avanço da pandemia do Coronavírus (COVID 19) no país nos últimos 28 dias, como ficou mais uma vez evidente no pronunciamento nacional veiculado ontem, o governador de São Paulo, João Dória, que foi um entusiasta apoiador do presidente neofascista desde o primeiro turno das eleições de 2018 (adotando inclusive a alcunha BolsoDória para expressar a proximidade com o presidente neofascista), começa a parecer para a população como um governante razoável e responsável, diante das respostas apresentadas pelo seu governo frente ao acelerado crescimento dos casos de contágio e mortes que tem o Estado de São Paulo como um dos epicentros da crise sanitária no país.
No entanto, para além das aparências diante dos holofotes das entrevistas coletivas quase diárias do governador de SP, Dória está longe de poder ser elogiado pelas ações adotadas até agora diante desta crise sanitária, que, de acordo com a ONU, corre o risco de se tornar mundialmente uma “pandemia de proporções apocalípticas”. Além dos elogios à MP da Morte (MP 927), que Bolsonaro apresentou na última segunda, e sua insistência em não parar os setores não essenciais da produção no estado, quando olhamos para suas movimentações e medidas no terreno do combate ao COVID 19 na educação pública, Dória se demonstra igualmente irresponsável e pouco preocupado com a vida da população trabalhadora de São Paulo.
Primeiramente, a própria suspensão das atividades nas escolas se transformou numa luta política contra o governo Dória na semana passada. O governador anunciou no dia 13 a suspensão das atividades, devido à aglomeração que são os espaços escolares, mas só a partir do último dia 23, sob o argumento de que este prazo era necessário para que as famílias se preparassem para a suspensão. Na prática, essa medida, na forma como foi anunciada, seguiria expondo estudantes, profissionais da educação e suas famílias à uma exposição perigosa de contágio pelo COVID 19 e poderia ter sido substituída pela decretação da suspensão de todas atividades produtivas e de circulação não essenciais, garantindo licença remunerada e estabilidade no emprego para as mães e pais de estudantes da rede estadual. Mas as coisas não aconteceram como pretendia o governador e seu secretário da Educação, porque a categoria e suas entidades se mobilizaram e foram obrigando o governo a recuar e liberar profissionais com comorbidades e, na prática, desde o último dia 18 as escolas já estavam sem estudantes e, na maioria dos casos, sem professoras e professores.
Cabe ressaltar que, desde 29 de fevereiro, o Sindicato dos Professores e Professoras da Rede Estadual de Ensino (APEOESP) tentou sem sucesso debater com a Secretaria de Educação (SEDUC) propostas e medidas diante da eminência da propagação da pandemia da COVID 19. No último dia 18 a entidade mais uma vez tentou estabelecer uma conversação com o Secretário da Educação, Rossieli Soares, mas foi recebida por um assessor da SEDUC na qual apresentou algumas medidas que deveriam ser adotadas pela gestão Dória sob o ponto de vista da categoria e das comunidades escolares.
Uma das preocupações que desde o primeiro momento foi levantada pelos professores e professoras, através da APEOESP, diante da necessária suspensão das atividades escolares, foi a garantia da segurança alimentar de estudantes da rede e suas famílias. São Paulo possuía, de acordo com dados de pesquisa do IBGE divulgados em 2018, 1,392 milhão de pessoas em situação de pobreza extrema (crescimento de 23, 9% entre os anos de 2016 e 2017) e algo em torno de outras 4, 4 milhões de pessoas em situação de pobreza, uma situação que deve ter se agravado com o aumento da desigualdade social e do desemprego registrado nos últimos anos. Esta realidade implica em que muitos estudantes dependem da alimentação escolar para ter sua única refeição no dia e a suspensão das atividades, num quadro de pandemia, poderia deixar essas crianças, adolescentes e jovens ainda mais suscetíveis ao contágio devido ab falta de alimentação que debilita a imunidade. Por isso no documento entregue à SEDUC, no último 18, foi apresentada a proposta de distribuição de cestas básicas para todos estudantes matriculados na rede e suas famílias.
Somente após uma semana João Dória apresentou uma proposta para responder ao tema, o Programa “Merenda em Casa”, que de acordo com o governo “vai ofertar a alimentação para 700 mil estudantes matriculados na rede estadual de São Paulo”. De acordo com o governo esse programa significará o investimento “de R$ 40,5 milhões por mês” com a distribuição de “R$ 55 por estudante” e “será disponibilizado às famílias para a compra de alimentos a partir de abril” e durante o período em que as aulas estiverem suspensas. O programa atenderá “as famílias que recebem o Bolsa Família, bem como aqueles que vivem em condição de extrema pobreza, de acordo com o Cadastro Único do Governo Federal.”
Um primeiro problema da proposta do governador é o público a ser atendido pelo programa, que de acordo com os próprios dados apresentado no site governamental, atenderá pouco mais de 20% dos quase 3,5 milhões de estudantes da rede. O segundo problema é o valor de R$ 55 destinado às famílias. De acordo com pesquisa publicada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), publicado em fevereiro passado, em São Paulo o preço médio de uma cesta básica seria R$ 519,76 (a mais cara do Brasil), ou seja, a proposta de Dória significa pouco mais de 10% do valor médio que uma família gasta ao mês para ter garantida sua segurança alimentar.
Dória quer parecer diferente de Bolsonaro. No entanto, as aparências enganam se não forem acompanhadas de ações condizentes com as mesmas. É necessário garantir a segurança alimentar das famílias do conjunto de estudantes da rede estadual o que significa garantir os recursos do estado para atender a essa necessidade. Custe o que custar! São Paulo, que tanto se intitula a locomotiva econômica do país, tem recursos para garantir o fornecimento das cestas básicas no valor e quantidades adequadas para atender a essa necessidade primordial para salvar vidas, que é o direito a se alimentar. Essa medida custaria quase R$ 1,9 bi por mês aos cofres do estado. Um valor bastante inferior às isenções e benefícios fiscais de R$ 23 bi com que a gestão Dória presenteou seus amigos empresários apenas neste ano. É hora de colocar a vida acima dos lucros!
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