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BRASIL

Os invisíveis, os excluídos e o vírus

O sistema prisional, os moradores de rua e a pandemia

Gabriel Santos, de Maceió (AL)
Tathiana Gurgel / DPRJ / Ag. Brasil

Presos no Rio de Janeiro

Um ambiente pouco ventilado, insalubre, mal iluminado, hostil, com pessoas espremidas umas em cima das outras, sujeitas à alimentação e higiene inadequadas. Em tempos de covid-19 um lugar assim é facilmente identificado como possível ponto de propagação do vírus.

O sistema prisional brasileiro é uma máquina de moer gente, como definiu Renato Vitto, ex-diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). E diante da pandemia, uma situação catastrófica pode ocorrer nas penitenciárias brasileiras, já conhecidas pela superlotação, maus tratos e por serem parte de um modelo de segurança pública fracassado.

O risco de uma proliferação do covid-19 dentro do sistema prisional tem preocupado especialistas, Como Margareth Dalcomo, pneumologista da Fundação Oswaldo Cruz. Visto outras doenças nos presídios brasileiros. No ano passado um surto de tuberculose atingiu 10 mil pessoas em estado de privação de liberdade. Esta doença atingiu desde 2009, 35 vezes mais pessoas dentro do cárcere do que fora, e deixou 853 mortos. Mesmo na situação de privação de liberdade, o racismo institucional fundante do Estado brasileiro faz com que os casos de tuberculose nos presídios entre pessoas negras seja o dobro em comparação aos detentos brancos.

No sistema prisional feminino a situação é ainda mais desumana e cruel. É possível identificar um alto número de mulheres com obesidade, desnutrição, sífilis, HIV, diabete, hanseníase, pressão alta, hepatite e depressão. Esta última foi objeto de uma pesquisa por parte do psiquiatra Sérgio Baxter Andreoli, da Universidade Federal de São Paulo, que mostrou que nas unidades femininas do estado há 25% mais de diagnósticos psiquiátricos graves em comparação com as unidades masculinas.

Disto decorre um outro grave problema identificado pelo Relatório Temático sobre Mulher Privada de Liberdade, feito pelo Depen, que aponta que a taxa de suicídio de mulheres encarceradas é 2000% maior que de mulheres fora do sistema prisional.

A Universidade Federal do Maranhão (UFMA) mostrou ainda em 2018 que tínhamos no Brasil 42.355 mulheres em privação de liberdade, uma superlotação e déficit de mais de 17 mil vagas.

É preciso apontar também que 4 de cada 10 presídios brasileiros não disponibilizam consultórios médicos.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, em julho de 2019, o Brasil tinha 828 mil pessoas cumprindo penas, sendo que o sistema prisional do país tem capacidade para 436 mil. A política de encarceramento em massa feito pelo Estado brasileiro é uma das diversas provas disto, e destes milhares de presos, 41,5%não tiveram sequer condenação em primeira instância. É preciso apontar também que 4 de cada 10 presídios brasileiros não disponibilizam consultórios médicos.

A única medida tomada até agora para lidar com a proliferação do coronavírus nas penitenciárias foi a proibição de visitas, o que não impede a disseminação do vírus, visto que a população carcerária não é estática, por conta do fluxo de entrada constante, assim como existem aqueles que cumprem pena em regime semi-aberto, e aqueles que têm nas penitenciárias seu local de trabalho.

Para muitos, a proibição de visitas, além de inconstitucional, piora as condições de insalubridade das penitenciárias, pois os parentes e visitas levam materiais de higiene, medicamentos regulares e alimentos que não são disponibilizados pelo estado.

Na segunda feira, 16, o Instituto Anjos da Liberdade entrou com um pedido de Habeas Corpus coletivo em favor de todos os presos do Rio de Janeiro com mais de 50 anos, portadores de doenças crônicas, gestantes, em regime aberto ou semiaberto ou provisórios que não fossem acusados de crime hediondo. Buscando assim uma diminuição da população carcerária e a propagação do vírus entre estas pessoas. Com o mesmo objetivo, a Pastoral Carcerária havia lançado dias antes,  no dia 13, uma carta aberta para a população falando sobre o risco do vírus se espalhar nas prisões brasileiras.

Outro que buscou ações jurídicas foi o Instituto de Defesa do Direito da Defesa (IDDD), que com um pedido no STF, pedindo a liberdade condicional para os idosos encarcerados, e busca a conversão de pena para “regime domiciliar” para aqueles que estão no grupo de risco, no que tange a presos provisórios buscar medidas alternativas.

O fato é que milhares de corpos (maioria negros) amontoados e privados de liberdade no sistema prisional pronto para serem moídos ou recrutados para facções, estão abandonados à própria sorte diante da pandemia do covid-19 que, diante das péssimas condições das penitenciárias brasileiras, se espalhará rápida e drasticamente. O que, não necessariamente seja um problema ou algo ruim para o governo fascista de Bolsonaro e para muitos governadores.

Nas ruas

Além dos excluídos e colocados à margem da sociedade, existe uma outra parcela da população que também é extremamente vulnerável ao coronavírus. São os invisíveis de nossas cidades. Aqueles que deitam debaixo da luz da lua e tem estrelas como teto, e em cima de caixas de papelão, tendo o asfalto como cama. É esta população de invisíveis que cresce cada vez mais nas grandes cidades e centros urbanos, na luz do dia e a noite, e nós buscamos desviar o olhar de forma sutil como se a presença destes invisíveis fosse o incomodo, e o destoante do ambiente, não realmente sua condição social que fruto cada vez mais da decadência do modo de produção capitalista.

Só em São Paulo, de acordo com o Movimento População de Rua, eles são 32 mil. Um crescimento de quase 65% em quatro anos, se usarmos o dado inicial da prefeitura. Com seus passos lentos, eles se contrastam com o ritmo frenético da capital paulista. Deitados nas calçadas, são invisíveis diante dos gigantescos prédios e centenas de pessoas que cruzam as avenidas. E é esta população que vive em situação de rua que pode ser fortemente atingida pela pandemia.

As vidas importam mais que os lucros, todas elas.

O número de idosos nesta situação é de 7 mil, só em São Paulo. Não se tem um dado nacional para buscar fazer análise. Tendo visto as últimas ações de prefeituras e governos Brasil afora no trato com a população em situação de rua, é de se esperar primeiro o completo descaso e abandono por parte do poder público. Com poucas ou nenhuma iniciativa de políticas públicas para evitar a proliferação do covid 19 nesta parcela da população. Em seguida, virão as internações compulsórias e utilização da força repressora do Estado para lidar com os problemas que surjam.

A pandemia do coronavírus está deixando em completo desnudo toda a irracionalidade da forma que nos organizamos social e economicamente. Neste momento em que cada vez mais tocamos nas necessidades coletivas e em saídas coletivas em cima das individuais, é preciso olhar e pensar naqueles que estão excluídos da margem social e aqueles que são invisíveis. As vidas importam mais que os lucros, todas elas.