A Assembleia Popular, apesar do “espírito estatal”, apresentava uma grande debilidade que seria a base para sua derrota. Segundo Zavaleta, esta experiencia de poder operário demorou em agitar a questão do armamento dos trabalhadores, produto das vacilações dos setores que dirigiam esse organismo, como o PCB e o PRIN. O trágico fim dessa experiência “foi uma derrota significativa das bases fundamentais do sindicalismo revolucionário que, por sua vez, representava o ponto mais alto da acumulação histórica do movimento mineiro”.
O putsch [golpe] de agosto é, de certa maneira, a resposta e a saída escolhida pelas classes dominantes para ordenar a crise aberta pelo processo revolucionário boliviano, amenizar a incapacidade de governar e canali zar o movimento popular que caracteriza os últimos meses do governo torrista.
Os anos da ditadura de Hugo Banzer (1971-1978) foram marcados por um refluxo do movimento sindical, mas não representaram uma derrota histórica, tendo em vista que os mineiros voltariam a cumprir um papel de protagonismo na derrubada da ditadura militar em 1982 e nas conhecidas Jornadas de Março de 1985. A Assembleia Popular foi a mais importante experiência de independência de classe e autonomia operária que surgiu no curso das lutas sociais na Bolívia e talvez a mais importante na história da classe operária latino-americana.
O regime ditatorial de Banzer durou aproximadamente sete anos. Durante seu governo aplicou-se uma dura política econômica contra os trabalhadores, os camponeses e os setores populares. As medidas econômicas estiveram a serviço dos investimentos e empréstimos do FMI. Em 1972, o Fundo Monetário havia emprestado 24 milhões de dólares à Bolívia. Em troca, esse organismo financeiro exigia a desvalorização da moeda boliviana em 67%, o que significava um aumento significativo do custo de vida.
Atendendo às imposições do FMI, em 1974, o governo implementou uma série de decretos que eliminavam importantes subsídios estatais a produtos básicos. A inflação estava em alta. De forma dispersa e atomizada, sem suas principais lideranças sindicais, os trabalhadores voltaram às ruas contra a carestia. Os trabalhadores das fábricas de La Paz estiveram à frente das manifestações, que foram duramente reprimidas pelo exército. A entrada do movimento camponês no cenário político radicalizou os protestos, intensificando os bloqueios e as barricadas. A repressão às manifestações resultou em um banho de sangue, deixando cerca de 200 mortos.
A combinação entre as lutas de 1974 e a exaustão do modelo econômico, resultado da crise econômica internacional de 1973, abriu novas perspectivas para a retomada do movimento operário. A partir de 1975, o sindicalismo mineiro iniciou um lento processo de recuperação e fortalecimento. Nesse ano, os distritos mineiros de Siglo XX e Cataví protagonizaram a primeira greve mineira desde o golpe de 1971, com duração de 15 dias. Os trabalhadores exigiram a devolução das rádios mineiras que haviam sido fechadas pelo governo de Banzer. A greve foi dirigida pelos Comitês de Base, com forte presença dos militantes do POR, PCB e MIR.
A vitória da mobilização estimulou novos conflitos, desta vez, por melhores salários. Um novo processo de reorganização ocorria nas minas. Os dirigentes sindicais exilados começaram a voltar clandestinamente ao país. Em maio de 1976, em pleno regime militar, os mineiros organizaram um congresso, cujas reivindicações foram o aumento salarial, a anistia geral e irrestrita, restituição ao trabalho de todos os operários demitidos por causas político-sindicais, a legalização das organizações sindicais e a retirada do exército dos centros mineiros.
O Congresso Mineiro de Corocoro se realizou conforme se tinha programado e o país todo seguiu suas deliberações com atenção. Os grupos de esquerda realizaram livremente sua propaganda como se estivessem movendo-se num período de validade ilimitada das garantias constitucionais. O simples fato de ocorrer a reunião constituiu uma vitória importante sobre o governo ditatorial e imediatamente tonificou todo o movimento operário e popular.
Um mês depois de realizado o congresso mineiro, os bolivianos receberam a notícia do assassinato do ex-presidente Juan José Torres em Buenos Aires. A morte do ex-presidente foi orquestrada pela Operação Condor. Esse fato teve uma repercussão imediata na população boliviana, “a morte deste caudilho popular foi imediatamente relacionada à Banzer e agudizou uma situação por si só tensa”. No distrito mineiro de Siglo XX houve uma grande manifestação em memória de Juan José Torres. O regime voltou a reprimir e perseguir violentamente os dirigentes sindicais. Os cargos da FSTMB que haviam sido recuperados pelos trabalhadores mineiros, voltaram a ser indicados pelos militares. Frente ao recrudescimento da repressão, os mineiros de Siglo XX decretaram a greve por tempo indeterminado. No entanto, “[…] a retenção de alimentos e a presença das tropas desgastaram a resistência nas minas menores, onde pela falta de coordenação ou liderança nacional, os mineiros começaram a retornar ao trabalho após duas semanas. Em Siglo XX se manteve a greve por 25 dias como uma prova desigual de força.
O exército ocupou todos os centros mineiros, e a repressão deixou dois trabalhadores mortos. Apesar de derrotada, a mobilização dos mineiros foi uma clara demonstração de força e recuperação parcial do sindicalismo. Na segunda metade de 1977, houve uma retomada das lutas e da organização de base dos trabalhadores mineiros, “se estava operando um imperceptível processo molecular de concentração de forças nas camadas mais profundas do movimento operário, indispensável para tornar possível uma nova arremetida”.
A combinação de três grandes fatores acelerou a crise do regime militar: a exaustão econômica do país, a pressão do imperialismo norte-americano por liberdades democráticas durante o governo Carter e a retomada das ações do movimento operário organizado. A greve de fome iniciada por quatro mulheres, esposas de sindicalistas mineiros presos e perseguidos, sob a liderança de Domitila Chungara, precipitou o colapso da ditadura. A greve de fome ganhou apoio popular e rapidamente se estendeu por todo o país, alcançando mais de 1500 grevistas. As quatro mulheres instalaram-se no Arcebispado de La Paz, apresentando as seguintes reivindicações: anistia geral e irrestrita; readmissão dos trabalhadores demitidos por questões políticas; funcionamento das organizações sindicais; e retirada do exército dos centros mineiros. O governo, pressionado pelas mobilizações, recorreu à repressão, com a intervenção militar nos piquetes de greve em 17 de janeiro de 1978.
No entanto, a medida desesperada da ditadura potencializou ainda mais o movimento. As imagens de militares reprimindo pessoas débeis, enfraquecidas pela fome, era uma demonstração de extrema fragilidade do regime, “esta greve de fome foi o fator decisivo para pôr fim ao banzerato e assentar as bases da mobilização que se deu ao longo do período seguinte”. O regime tinha perdido sua legitimidade. Apesar de seguir no poder, Banzer foi obrigado a atender todas as reivindicações dos grevistas, exceto a de retirar o exército das minas. O regime buscava sobreviver até às eleições presidenciais, programadas para julho de 1978. O processo eleitoral estava completamente “viciado” e deu a vitória ao candidato presidencial apoiado por Hugo Banzer.
Entretanto, uma Comissão Internacional de Observadores publicou um documento com provas contundentes de que a eleição de 1978 havia sido fraudulenta. Frente à incerteza política sobre o resultado eleitoral e sem o respaldo de Hugo Banzer, Juan Pereda decidiu recorrer aos quartéis. Com o pretexto de “combater o comunismo internacional”, Pereda buscou perpetuar o regime militar instaurado por Banzer em agosto de 1971, “no entanto, nem as condições externas, nem as internas eram propícias para um continuísmo”. O departamento de Estado norte-americano “incitou Pereda a tomar medidas imediatas para reestabelecer um processo genuíno de desenvolvimento democrático”.
A FSTMB realizou uma paralização de 48 horas contra a fraude eleitoral. A UDP convocou a população a organizar um massivo protesto em 24 de novembro de 1978, exigindo novas eleições no primeiro semestre de 1979. Diante da pressão popular, um setor do exército, dirigido pelo general David Padilla, líder de um grupo que buscava “institucionalizar a democracia”, aproveitou a mobilização de 24 de novembro e destituiu Juan Pereda. O novo golpe preventivo teve o respaldo das forças “progressistas” e de esquerda. O objetivo de Padilha era convocar as eleições para julho de 1979, recuperar o prestígio das Forças Armadas e evitar que os militares fossem julgados por seus crimes anteriores.
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