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MUNDO

O MNR e a revolução nacional de 1952

1ª parte da série ‘Golpes de Estado na Bolívia (1952-2019): uma perspectiva histórica’

Joallan Rocha, Salvador (BA)

A Revolução Nacional de 1952 foi o acontecimento político mais importante da história boliviana no século XX. No período anterior à insurreição popular de abril de 1952, a situação política no país era de profunda instabilidade e crise. Nas eleições gerais de 1951[2], Víctor Paz Estensoro, principal líder do MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário) obteve a vitória eleitoral sobre o candidato da oli­garquia mineira que representava os interesses dos grandes Barões do Estanho. A vitória eleitoral do MNR revelava uma profunda crise de hegemonia e fratura entre as classes dominantes, cuja principal fração estava representada pelos grandes proprietários das minas.

Segundo Zavaleta, se a oligarquia tivesse confiança no funcionamento de sua própria demo­cracia e, em particular, em seu controle sobre o exército, teria sido viá­vel entregar o poder ao vencedor e, contudo, bloquear juridicamente seu programa ou condicioná-lo, e inclusive, isto já é uma pura hipótese, apoiar o MNR em suas relações com os aliados perigosos, que eram os mineiros […]. Preferiu, contudo, o caminho mais rotineiro de não reco­nhecer as eleições, entregar o poder a uma nova junta militar e, enfim, suprimir todas as alternativas democráticas. Com isso se completaram as condições subjetivas para que, menos de um ano depois, existisse a insur­reição de massas de 9 de abril de 1952[3].

A oligarquia mineira e os militares não reconheceram os resultados das eleições e impediram que o MNR assumisse a presidência. O golpe de Estado anulou as eleições e entregou o poder a uma junta militar. Em 9 de abril de 1952, a polícia e um setor do exército, em acordo com o MNR, tentaram um contragolpe, que foi imediatamente derrotado. O MNR apostava nas do exército para assumir a presidência. No entanto, o frustrado “contragolpe” abriu o caminho para uma profunda revolução política e social protagonizada pelos operários, campo­neses e setores das classes médias urbanas, “o que os dirigentes do MNR con­ceberam como um contragolpe de Estado havia se convertido, graças à ação espontânea das massas, em uma insurreição popular, a primeira triunfante na América Latina[4]. Com a derrota e destruição do exército, formaram-se as milícias operárias[5], que respaldaram a entrega da presidência ao principal diri­gente do MNR, Victor Paz Estensoro.

[…] A polícia, ao ver-se derrotada pelos militares, entregou algumas armas aos trabalhadores fabris e ao povo de La Paz. Por sua vez, os mineiros de Oruro e Potosí, que já haviam tomado os regimentos, começaram a marchar até La Paz. Os mineiros de Milluni capturam um trem militar que transportava armamentos. Em La Paz, os trabalhadores derrotam sete regimentos e tomam suas armas […]. Em 12 de abril, os militares que continuavam resistindo às milícias rendem-se[6].

O novo governo do MNR era a expressão de um fenômeno social e político que surgiu na América Latina a partir dos anos 30, o nacionalismo populista[7]. Segundo Zavaleta, o MNR era “o partido que histori­camente representava os conteúdos da revolução burguesa na Bolívia[8] e encarnava uma ideologia que se dirigia ao “povo” e à “nação”, abstraindo o sujeito de sua condição de classe. O nacionalismo revolucionário foi o nome que assumiu o populismo boliviano, “e o populismo expressa o conceito de que as classes interiores ao nacionalismo revolucionário são iguais em poder e direitos[9]. O bloco gover­nante, dirigido pelo MNR, refletia as características próprias desse partido e as circunstâncias derivadas do triunfo da classe operária e dos setores populares.

A articulação dessa unidade contraditória entre uma fração pequeno­-burguesa, a classe operária e o campesinato na gestação do novo Estado capitalista não escapa à marca democrática que lhe imprimiu a inter­venção insurrecional das massas populares: a complexidade da situação constitutiva do bloco reside em que a pequena-burguesia “movimentista” não pôde senão compartilhar o poder político com um movimento operá­rio que mantém o predomínio material da força, que provém do monopó­lio das armas conquistadas em combate e de sua crescente organização sindical, política e militar[10].

Quando o MNR surgiu em 1941, era majoritaria­mente formado por estratos da classe média e setores da pequena burguesia urbana. Seu programa estabelecia três objetivos centrais: a defesa dos “inte­resses nacionais”, a criação de uma “consciência nacional” e a realização de uma “revolução nacional”. Para Liborio Justo, esse partido “era a expressão desesperada da pequena-burguesia que aspirava um projeto nacionalista[11].

A partir de 1952, o nacionalismo revolucionário ocupa o centro do poder estatal boliviano e torna-se, como veremos, uma das condições organiza­das do exercício do poder […], dito de outro modo, o nacionalismo revolu­cionário aparece como um discurso de todas as classes sociais embora, a rigor, instrumentaliza notavelmente os interesses das classes dominantes […]. O nacionalismo revolucionário é a ideologia do poder na Bolívia […], seria a ideologia das classes dominantes que almejam articular hegemo­nicamente seu discurso sobre o resto da sociedade[12].

Para Rene Zavaleta, a situação na Bolívia após a Revolução de 12 de abril esteve caracterizada pela dualidade de poderes: de um lado, as organizações populares e operárias dirigidas pela recém-fundada, COB[13]; do outro, o débil governo do MNR, que exercia uma influência majoritária no seio da classe operária mineira, e seus militantes estavam à frente das principais organizações sindicais do país.

[…] nesse momento, de fato, a classe operária dominava o país objetiva­mente; seu predomínio era um ato material e a coerção estatal lhe per­tencia como um monopólio. Ao não existir o exército, um inclinava-se a se perguntar por que se acatava a ficção do poder burguês, que não tinha outro suporte que àquele que a COB voluntariamente lhe prestava. Por que, em suma, não se tomava o poder de uma maneira direta, posto que já o possuía de fato?[14].

No seio da classe ope­rária, havia uma hegemonia da ideologia burguesa, por intermédio do Nacionalismo Revolucionário, “[…] a burguesia não tinha um exército, mas sua hegemonia ideológica estava intacta através da influência do partido pequeno-burguês (MNR). A ideologia burguesa dominava tanto no polo burguês como no polo proletário[15]. Como expressão do aprofundamento dos conflitos sociais no período pós-revolucionário, em 16 de abril, fundou-se a Central Operária Boli­viana (COB), que agrupou as milícias operárias, as organizações sindicais e os camponeses do país em uma única central sindical.

A Central Operária Boliviana (COB) nasceu sob o impacto do aconteci­mento mais importante da história social boliviana desde a fundação da República em 1825: a Revolução de abril de 1952. Esta última, por sua vez, foi o resultado da combinação de fatos históricos imediatos, a Guerra do Chaco e as lutas sociais entre os anos de 1946-1952 […]. Os dias prévios à fundação da COB haviam sido marcados pela euforia da vitória […] Presença massiva de trabalhadores armados nas ruas e manifestações permanentes e multitudinárias, animadas pela esperança de realizar os projetos nacionais e com a vontade de construir a pátria nova. O fato polí­tico mais importante nesses dias foi a conformação do co-governo entre o MNR e representantes operários reconhecidos por todo o movimento sindical que se encontrava em processo de vertebração[16].

Nos primeiros meses, o governo do MNR esteve totalmente dependente das decisões da COB. Os sindicatos e a esquerda boliviana debatiam intensa­mente as distintas estratégias a serem adotadas. Os debates apontavam em direção à formação de um “co-governo” entre a COB e o MNR, posição defendida pela maioria das direções sindicais, que naquele momento, eram majoritariamente influenciadas pelo partido governante. O prin­cipal dirigente da COB, Juan Lechín, membro da “ala esquerda do MNR” foi um dos principais defensores da política do Co-Governo entre a COB e o MNR.

Se o MNR defende na primeira fase revolucionária a estruturação do “co­-governo MNR-Central Operária”, o faz fundamentalmente através do mecanismo de integração ao gabinete de “ministros operários”, o que não significava necessariamente a presença da classe no desenho governamen­tal […]. Seria falso afirmar que a presença operária nesse triunfo revolucio­nário estava proporcionalmente refletida no novo projeto estatal[17].

Com o triunfo da Revolução Nacional e a chegada do MNR ao poder, começaram os embates que marcariam a história das lutas sociais na Bolívia na segunda metade do século XX. A inte­gração do movimento operário ao novo governo tornou-se o melhor instrumento para restaurar a ordem constitucional, abalada com a insurreição popular. O MNR não se apoiava na ação revolucionária das massas para estender a revo­lução, mas na continuidade e restauração da ordem constitucional[18].

Os conflitos no interior do projeto nacionalista surgiram desde a formação do primeiro gabinete provisório. A aliança entre os mineiros e o novo governo esteve marcada por grandes tensões, expressão do conflito que existia entre as distintas frações políticas e sociais que tomaram o poder. Em uma instigadora análise sobre a relação da classe operária com o MNR, René Zavaleta explica as disputas que existiam no interior do bloco governante.

De um ponto de vista superficial, se poderia alegar inclusive que a classe operária militava em sua maioria no MNR e que, nesse sentido, este era o partido da classe operária. É um fato, por outro lado, que os operários quando ingressam em massa na política não o fazem por meio do MNR. Se a visão é mecânica, o MNR era, de fato, o partido dos operários; mas historicamente, ou seja, em seu conteúdo, é um absurdo dizer que foi assim. Nem em sua prática nem em sua teoria esse partido continha a ideologia do proletariado[19].

A hegemonia do Nacionalismo Revolucionário sob a classe operária não se deu sem contradições e tensões, sobretudo a relação entre o governo e os trabalhadores mineiros e suas organizações[20]. No ensaio Sistema e Processos Ideológicos na Bolívia (1935-1979), Luiz Antesana esboça uma explicação para a tensa e instável relação do MNR com a classe operária:

Ao redor de 1952, o MNR permite, ou concede, formas de co-governo aos trabalhadores mineiros, e de certa forma, o aparato repressivo do Estado está nas mãos de proletários. Ao final de sua primeira época de governo contínuo (1952-1964), o MNR está em direta oposição aos trabalhadores mineiros e o aparato repressivo do Estado está nas mãos de moderniza­das forças armadas[21].

Em paralelo à consolidação e hegemonia do Nacionalismo Revolucionário como ideologia estatal, observou-se um crescente processo de diferenciação e ruptura dos trabalhadores mineiros com o projeto político representado pelo MNR[22], “a luta para preservar sua identidade dentro de sua aliança com as demais classes será o que configura a construção de sua independência de classe[23]. Apoiados nessas circunstâncias, entre 1952 e 1956, enquanto perdurou a experiência do co-governo entre a COB e o MNR, os mineiros usaram sua capa­cidade de pressão para obter conquistas sociais e trabalhistas, forçando o Estado a aplicar algumas políticas redistributivas.

Os conflitos entre o MNR e os trabalhadores mineiros deram-se imedia­tamente após a Revolução Nacional de 1952, quando foi consolidando-se no seio do sindicalismo mineiro uma corrente radical, definida por Cajias de la Vega como “sindicalismo revolucionário”, influenciada pelos grupos comunistas e trotskistas. Para Lavaud, “os mineiros represen­tavam um perigo tal que todos os governos posteriores à revolução buscaram controlá-los ou derrotá-los, seja pela via da cooptação e institucionalização, ou através da repressão e dos massacres[24]. Nesse período, ganhou força entre os trabalhadores mineiros o discurso da independência sindical e política frente às variantes partidárias burguesas e pequeno burguesas.

Esse lugar central dos mineiros na história política boliviana, como também nas representações simbólicas e na memória coletiva, é definido por Jorge Lazarte como o período de apogeu da “centralidade mineira[25]”. O movimento sindical mineiro era portador de um projeto nacional, construído em um longo processo de acumulação política e ide­ológica. Este protagonismo esteve presente nos grandes acontecimentos políticos da segunda metade do século XX, como a luta contra as elites, os sangrentos enfrentamentos e massacres, o protagonismo na revolução de 1952, a formação das milícias operárias, o co-governo com o MNR, a construção da Assembleia Popular[26], as mobilizações contra os regimes militares e, por fim, seu papel determinante nas lutas pela redemocratização do país nos anos de 1980.

MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA E A RESTAURAÇÃO DA ORDEM

Os cinco aspectos fundamentais que caracterizaram os primeiros anos do governo do MNR foram: a nacionalização das minas, a reforma agrária, a reconstrução do exército, a reforma da educação e a aplicação do voto uni­versal[27]. Quanto ao primeiro ponto, tratava-se da principal reivindicação dos trabalhadores mineiros e chocava-se diretamente com o poder dos Barões do Estanho. Os trabalhadores mineiros reivindicavam a naciona­lização sem indenização das minas e o controle operário com direito à veto nas empresas nacionalizadas. No entanto, a nacionalização sem indenização não figurava no programa de governo do MNR.

O MNR postergou a nacionalização das minas por meio da criação de uma comissão encarregada de estudar o tema. Sua real intenção era aguardar uma mudança na situação política e o arrefecimento da radicalização dos mineiros. Contudo, a pressão das milícias operárias, armadas e fortemente organizadas nos distritos mais importantes como Catavi, Siglo XX e Huanuni, obrigou o governo de Paz Entenssoro a realizá-la, em 31 outubro de 1952. Sob enorme pressão dos trabalhadores mineiros, nacionalizaram-se as minas perten­centes a Patiño, Aramayo e Mauricio Hochschild, os três Barões do Estanho. No entanto, assegurou-se a indenização aos proprietários expro­priados, que alcançou 21 milhões de dólares[28].

A atitude de Paz Estensoro é fácil de compreender. Parte dos capitais de Simon Patiño são norte-americanos e os EUA expres­sam claramente que não lhes gostaria em nada uma confiscação pura e simples pois assentaria um mal precedente. Fazem da indenização uma pré-condição para o reconhecimento do novo regime. A ameaça é ainda mais forte pois os EUA são os principais compradores do estanho boliviano e, além do mais, tem a capacidade de controlar os preços do mercado gra­ças aos stocks acumulados durante a segunda guerra mundial[29].

A nacionalização das minas, em 31 de outubro de 1952, possibilitou que, entre 1952 e 1956, o número de trabalhadores nas minas estatais alcançasse a cifra recorde de 36 mil mineiros[30] A mineração estatal tornou-se a base de sustentação do processo de acumulação de capitais no país. Em outubro de 1952, foi criada a Corporação Mineira da Bolívia que até 1985, concentrou a exploração e exportação de minérios, respondendo por aproximada­mente 75% de todas as arrecadações provenientes de exportação[31].

Dado o lugar da nova compa­nhia na economia nacional e posto que seu patrão não é outro que o Estado boliviano, é compreensível que os graves conflitos entre os mineiros e o Estado-Patrão adquiram dimensões políticas […]. Em efeito, a tradição de luta dos mineiros continua, agora no interior da COMIBOL. Daí surgem diri­gentes notáveis […]. E, como consequência, aí também se exercem, pre­ventivamente ou em represália, as repressões mais violentas[32].

A hegemonia dos mineiros sob o conjunto da classe trabalhadora boliviana foi um eixo articulador dos processos políticos entre 1952 e 1985. Segundo Whitehead,

O setor mineiro ocupa uma posição tão importante na economia da Bolí­via que tão logo os diversos sindicatos conseguem obter certo nível de organização e coordenação em nível nacional, sua Federação se converte em uma força importante capaz de refletir todas as prioridades econômi­cas e políticas do país. Tanto os dirigentes como os membros do sindicato estão conscientes destas potencialidades e formulam suas ideias tendo este contexto nacional em mente[33]

Durante os primeiros anos do governo do MNR, houve uma política sis­temática para absorver e integrar os sindicatos operários de modo orgânico ao Estado, gerando uma burocracia sindical que servia para neutralizar as lutas autônomas dos trabalhadores. Ao analisar esse processo, Andrade conclui que,

As características do movimento sindical boliviano, politizado e radica­lizado, contraditoriamente, facilitaram sua incorporação ao aparelho estatal e seu controle político pela cúpula pequeno burguesa do MNR. Isso se deu de várias formas: integração ao movimento difuso e policlasista do partido governante, burocratização por intermédio das relações clientelistas, distribuição de favores e corrupção generalizada e perseguição sistemática aos adversários políticos[34].

A experiência do co-governo, entre o MNR-COB, resultou na indicação de três ministros operários em postos chaves do governo: o Ministro de Mine­ração e Petróleo, o Ministro do Trabalho e o Ministro de Assuntos Camponeses. Por outro lado, os trabalhadores indicaram representantes na administração das empresas estatais, conhecidos como “Diretores Operários da COMIBOL”.  As pressões internacionais, sobretudo dos Estados Unidos (Entre 1953 e 1964 os EUA emprestou à Bolívia aproximadamente 368 milhões de dólares) e as pressões institucionais do aparato estatal, como o cliente­lismo e a burocratização das organizações sindicais, permitiram que o governo do MNR consolidasse suas posições. A institucionalização da Revolução de 1952 implicou o abandono das perspectivas radicais dos primeiros meses.

Segundo Everaldo Andrade, existiram três grandes momentos da hegemonia política do MNR (1952 e 1964). O primeiro pode ser caracterizado como a fase da “dualidade de poderes” que permaneceu até o I Congresso da COB em 1954. O segundo ocorreu a partir do I Congresso da COB em 1954, quando foi promulgado o decreto de reforma agrária e a reestruturação do exército. Nessa fase, o MNR pôs fim à dualidade de poderes e consolidou-se como partido hegemônico. O terceiro momento, caracterizou-se pelo distanciamento e ruptura do movimento operário com a direção do MNR. Este processo ocorreu entre os anos de 1956 e 1964, durante os governos de Siles Suazo e o segundo governo de Paz Estensoro[35].

Em 1956, ocorreu uma reorientação na trajetória da Revolução, particularmente com o governo de Hernán Siles Suazo (1956-1960). Como contrapartida aos auxílios econômicos dos Estados Unidos, o governo boli­viano teve que pagar um alto preço. Com o refluxo das mobilizações, o FMI retomou as pressões para que o governo amortizasse a dívida externa. O Plano de Estabilização Econômica (Plano Eder), aplicado pelo governo de Siles Suazo, afetava as conquistas econômicas promovidas pela Revolução de 1952[36]. Entre as principais medidas adotadas pelo governo estavam o congela­mento dos salários e a demissão de mineiros da empresa estatal. Essas medidas provocaram a reação imediata do movimento operário. No fim de 1957, a FSTMB aprovou uma resolução exigindo o aumento dos salários, o fim do co-governo com o MNR e o rechaço ao Plano Eder[37].

Nas eleições presidenciais de 1960, Paz Estensoro é novamente eleito presidente, tendo como vice-presidente, o mineiro Juan Lechín, principal líder sindical dos mineiros e secretário executivo da COB e da FSTMB. O novo governo esteve marcado pelo fortalecimento das relações com os Estados Unidos e a aplicação do Plano Triangular, que consistia em uma ajuda financeira para reorganizar a COMIBOL. A condição para a “ajuda” era o fechamento de várias minas e a demissão de aproximadamente 20 mil trabalhadores mineiros da empresa estatal. Em meados de 1963, ocorreram importantes conflitos entre o governo Paz Estensoro e os mineiros, que se transformaram nas maiores mobilizações desde a revolução de 1952[38]. O ciclo de greves nas minas antecipou a ruptura definitiva da FSTMB e da COB com o MNR, além da crise e fragmentação do próprio partido[39].

Em dezembro de 1963, organizou-se o XII Congresso Mineiro da FSTMB, no dis­trito de Colquiri. O presidente Paz Estensoro é declarado “traidor dos objetivos da revolução[40]. Segundo Zavaleta, a tese aprovada no Congresso Mineiro foi a que melhor expressou o processo de ruptura dos traba­lhadores mineiros com o “Estado de 52” e o “nacionalismo revolucionário”.

A tese declara que os sindicatos não devem converter-se em agência de partido político algum, ainda que este se encontre no poder e se autode­nomine revolucionário. A Federação não sustenta o apoliticismo, mas, uma política independente de classe. […]. De hoje em diante os mineiros se colo­carão à cabeça de sua classe para ensinar-lhes a seguir seu próprio caminho e defender seus próprios interesses, a marchar sob sua própria bandeira[41].

Duas semanas após o congresso ocorreu a saída de Lechín do governo, ao enunciar à vice-presidência. Naquele momento, importantes dirigentes da COB romperam com o MNR e construíram um novo partido, o PRIN (Partido Revolu­cionário da Esquerda Nacional), abrindo uma profunda crise na relação do movi­mento operário com o MNR. A maioria dos “movimentistas” (como eram conhe­cidos os militantes do MNR) e dirigentes da COB seguiram o seu líder, Juan Lechín. Nesse momento, o POR e o PCB, que dirigiam importantes sin­dicatos, ampliaram sua influência entre os trabalhadores mineiros.

No congresso de Colquiri-San José, os mineiros começam a proclamar sua independência política e organizativa frente ao governo do MNR, que qualificam como agente do capital financeiro […]. Impugna todas as medidas econômicas e sociais do oficialismo como recursos adotados pelos próprios imperialistas para controlar e colonizar o país. Na reali­dade, a classe operária dirigida pelos mineiros havia mobilizado revolu­cionariamente contra o último governo “movimentista”[42]

Durante o governo de Paz Estensoro, os acampamentos foram ocupados pelo exército, e os principais dirigentes sindicais foram presos. As greves e os conflitos de 1963 marcaram um distanciamento definitivo entre a FSTMB/COB e o MNR.

 

[1] CHAVENATTO, Júlio José. Bolivia com a pólvora na boca. São Paulo: Brasiliense, 1981.
[2] Segundo Andrade (2007, p. 65-66)., “As eleições, como sempre, aferiram o posicionamento político de parcela extrema­mente limitada da população. Seus resultados demonstraram o avançado grau de corrosão do regime, mesmo entre os estratos médios e superiores da sociedade boliviana. Apesar do eleitorado estreito de pouco mais de 105 mil votantes em um universo pre-estabelecido de 211 mil eleitores em 1951 e uma população que superava os 3 milhões de habitantes, o MNR, com seu candidato a presidente Victor Paz Estenssoro, conseguiu 54.049 votos contra 39.940 do PURS, 6.441 do partido Liberal e 5.170 do PIR. Os grandes centros urbanos, como La Paz, Cochabamba, Oruro e Potosí, deram expressiva vitória ao MNR. O POR par­ticipou das eleições de 1951 defendendo a posição do voto nulo. Essa posição procurava demonstrar o carater limitado e defor­mado do processo eleitoral em curso, mas, de certa forma, permitiu que o MNR capitalizasse o descontentamento que crescia nos centros urbanos do país. […] O fato de o MNR não ter obtido maioria absoluta dos votos colocava, segundo a legislação eleitoral, a decisão final nas mãos dos parlamentares. A elite dominante, porém, não aceitava o risco de expor novamente suas fragilidades. Assim, Urriolagoitia foi afastado e o governo foi entregue a uma junta militar dirigida pelo general Hugo Ballivian, o que golpeava o resultado eleitoral. Imediatamente, o MNR, POR e outros partidos oposicionistas foram postos na ilegalidade”.
[3] ZAVALETA, Rene. Consideraciones generales sobre la historia de Bolivia (1932-1971), en América Latina: historia de medio siglo, Siglo XXI, México, 1986. p. 97-98. Grifo nosso.
[4] ZAVALETA, René. El poder dual. La Paz: Los Amigos del Libro, 1987a. p. 95.
[5] A partir de 11 de abril, as milícias, organizadas pelos sindicatos, eram a única força armada do país e reuniam entre 50 e 100 mil milicianos. As Forças Armadas estavam em um profundo processo de desintegração e, apenas em 24 de julho (mais de três meses depois), o governo lançou um decreto de reorganização do exército.
[6] SAGRA, Alicia. Bolivia: 50 anos à beira da tomada do poder. Marxismo Vivo, São Paulo, n. 8, 2004. p. 51.
[7] Segundo Michel Lowy, “O populismo é percebido como um movimento policlasista, sob a hegemonia de uma direção burguesa e uma ideologia nacionalista. Nesse quadro, poderíamos adiantar uma definição provisória: o populismo é um movimento político —com diversas formas de organização (partido, sindicatos, associações diversas), possuidor de uma grande base popular (de operários, camponeses e classes medias), sob uma direção burguesa/pequeno burguesa e a liderança carismática de um caudilho. Uma vez no poder, este movimento, que pretende representar ao “povo” em seu conjunto, adota uma polí­tica bonapartista, que se pretende acima das classes, mas em última análise ao serviço dos interesses do capital (o que não impede fricções com setores da burguesia). Pode também, sobretudo se existe uma pressão de base— outorgar concessões econômicas e sociais às classes exploradas e ou tomar certas medidas de tipo anti-imperialista. Como exemplo, podemos mencionar: o peronismo (“justicialismo”), o varguismo (“trabalhismo”), o APRA, o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR) da Bolívia, Ação Democrática da Venezuela, o Partido Revolucionário Institucional (PRI) do México, o Partido Revo­lucionário Democrático (PRD) dominicano, o Partido Liberal Nacional (PLN) da Costa Rica, o Partido Nacional Popular (PNP) da Jamaica. Se poderia agregar, como uma variante, o populismo militar, geralmente efêmero: Torres na Bolívia, Velazco no Perú e Torrijos no Panamá” (LOWY, 1989, p. 6).
[8] ZAVALETA, René. El poder dual. La Paz: Los Amigos del Libro, 1987a.
[9] ZAVALETA, René. El poder dual. La Paz: Los Amigos del Libro, 1987a. p. 97.
[10] LLOBET TABOLARA, Cayetano. Apuntes para la historia del movimiento obrero en Bolivia. In: GONZÁLES CASANOVA, P. (Org). Historia del movimiento obrero en America Latina. Mexico, Siglo XXI, p. 307-358,1984. p. 334.
[11] JUSTO, L. Bolivia, la revolución derrotada: del Tahuantisuyu a la inserreción de abril de 1952 y las masacres de mayo y setiembre de 1965: raíz, proceso y autopsia de la primera revolución proletaria em América Latina. 3 ed. Buenos Aires: RyR, 2007. p. 190.
[12] ANTESANA, 1983 apud ZAVALETA, 1983, p. 61-62.
[13] Segundo Lazarte, “[…]. No dia 16 de abril, ao meio dia, se realizou a reunião de fundação da COB, convocada pela FSTMB, na sede desta entidade. A reunião foi dirigida por Juan lechin, secretario executivo da FSTMB e recentemente desig­nado Ministro de Minas e Energia. A essa reunião assistiram 70 delegados, representando 10 organizações sindicais […] O primeiro voto resolutivo aprovado pela COB foi a ratificação de Lechin e German Butron como Ministro de Minas e Petróleo e, de Trabalho e Previsão Social, respectivamente, ambos designados pelo “Supremo Governo da Revolução Nacional ante o beneplácito dos trabalhadores de toda a República” (LAZARTE, 1988).
[14] ZAVALETA, René. El poder dual. La Paz: Los Amigos del Libro, 1987a. p. 104.
[15] Ibidem.
[16] LAZARTE, Jorge. Movimiento obrero y procesos políticos en Bolivia: historia de la COB (1952-1987). La Paz: ILDIS, 1989. p. 4-5.
[17] LLOBET TABOLARA, Cayetano. Apuntes para la historia del movimiento obrero en Bolivia. In: GONZÁLES CASANOVA, P. (Org). Historia del movimiento obrero en America Latina. Mexico, Siglo XXI, p. 307-358,1984. p. 334.
[18] JUSTO, Libório. Bolivia, la revolución derrotada: del Tahuantisuyu a la inserreción de abril de 1952 y las masacres de mayo y setiembre de 1965: raíz, proceso y autopsia de la primera revolución proletaria em América Latina. 3 ed. Buenos Aires: RyR, 2007.
[19] ZAVALETA, René. El poder dual. La Paz: Los Amigos del Libro, 1987a. p. 97.
[20] ANTESANA, 1983 apud ZAVALETA, 1983.
[21] ANTESANA, Luis H. Sistema y procesos ideológicos en Bolivia (1935-1979). Mexico: Siglo XXI, 1983. p. 73.
[22] Ibidem.
[23] ZAVALETA, Rene. Clases sociales y conocimiento. La Paz: Los Amigos del Libro, 1988. p. 27.
[24] LAVAUD, Jean Pierre. El embrollo boliviano: turbulencias sociales y desplazamientos políticos (1952-1982). La Paz: IFEA; CESU; Hisbol, 1998.
[25] Segundo Tapia (2002, p. 138) “[…] para que exista centralidade proletária na história e na política não basta o critério do desenvolvimento das forças produtivas, os EEUU provam isso, são necessários a história política e o desenvolvimento como sujeito da classe operária”.
[26] Ver Andrade (2011).
[27] ANDRADE, Everaldo de Oliveira. A revolução boliviana. São Paulo: UNESP, 2007.
[28] Ibidem.
[29] LAVAUD, Jean Pierre. El embrollo boliviano: turbulencias sociales y desplazamientos políticos (1952-1982). La Paz: IFEA; CESU; Hisbol, 1998. p. 196. Grifo nosso.
[30] Ibdem.
[31] ANDRADE, Everaldo de Oliveira. A revolução boliviana. São Paulo: UNESP, 2007.
[32] LAVAUD, Jean Pierre. El embrollo boliviano: turbulencias sociales y desplazamientos políticos (1952-1982). La Paz: IFEA; CESU; Hisbol, 1998. p. 197.
[33] WHITEHEAD, L. Sobre el radicalismo de los trabajadores mineros de Bolivia. Revista Mexicana de Sociologia Online, v. 42, n. 4, out.-dez. p. 1465-1496. 1980. p. 1474. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/3539961>. Acesso em: 2 maio 2015. p. 1467.
[34] ANDRADE, Everaldo de Oliveira. A revolução boliviana. São Paulo: UNESP, 2007. p. 123-124. Grifo nosso.
[35] ANDRADE, Everaldo de Oliveira. A revolução boliviana. São Paulo: UNESP, 2007.
[36] Ibidem.
[37] CAJIAS DE LA VEGA. M. El poder de la memoria: la mina de Huanuni en la historia del movimiento minero y la minería del estaño (1900-2010). 1. ed. La Paz: Plural; DIPGIS; IEB, 2013
[38] LAVAUD, Jean Pierre. El embrollo boliviano: turbulencias sociales y desplazamientos políticos (1952-1982). La Paz: IFEA; CESU; Hisbol, 1998.
[39] DUNKERLEY, James. Rebelión em las venas: la lucha politica em Bolivia 1952-1982. La Paz: Plural, 2003.
[40] LORA, 1983
[41] CONGRESO MINERO, 1963 apud ZAVALETA, 2011, p. 764.
[42] LORA, G. La clase obrera después de 1952. In: ZAVALETA MERCADO, René (Org.). Bolivia Hoy. México: Siglo XXI, 1983. p.