A Revolução Nacional de 1952 foi o acontecimento político mais importante da história boliviana no século XX. No período anterior à insurreição popular de abril de 1952, a situação política no país era de profunda instabilidade e crise. Nas eleições gerais de 1951[2], Víctor Paz Estensoro, principal líder do MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário) obteve a vitória eleitoral sobre o candidato da oligarquia mineira que representava os interesses dos grandes Barões do Estanho. A vitória eleitoral do MNR revelava uma profunda crise de hegemonia e fratura entre as classes dominantes, cuja principal fração estava representada pelos grandes proprietários das minas.
Segundo Zavaleta, se a oligarquia tivesse confiança no funcionamento de sua própria democracia e, em particular, em seu controle sobre o exército, teria sido viável entregar o poder ao vencedor e, contudo, bloquear juridicamente seu programa ou condicioná-lo, e inclusive, isto já é uma pura hipótese, apoiar o MNR em suas relações com os aliados perigosos, que eram os mineiros […]. Preferiu, contudo, o caminho mais rotineiro de não reconhecer as eleições, entregar o poder a uma nova junta militar e, enfim, suprimir todas as alternativas democráticas. Com isso se completaram as condições subjetivas para que, menos de um ano depois, existisse a insurreição de massas de 9 de abril de 1952[3].
A oligarquia mineira e os militares não reconheceram os resultados das eleições e impediram que o MNR assumisse a presidência. O golpe de Estado anulou as eleições e entregou o poder a uma junta militar. Em 9 de abril de 1952, a polícia e um setor do exército, em acordo com o MNR, tentaram um contragolpe, que foi imediatamente derrotado. O MNR apostava nas do exército para assumir a presidência. No entanto, o frustrado “contragolpe” abriu o caminho para uma profunda revolução política e social protagonizada pelos operários, camponeses e setores das classes médias urbanas, “o que os dirigentes do MNR conceberam como um contragolpe de Estado havia se convertido, graças à ação espontânea das massas, em uma insurreição popular, a primeira triunfante na América Latina”[4]. Com a derrota e destruição do exército, formaram-se as milícias operárias[5], que respaldaram a entrega da presidência ao principal dirigente do MNR, Victor Paz Estensoro.
[…] A polícia, ao ver-se derrotada pelos militares, entregou algumas armas aos trabalhadores fabris e ao povo de La Paz. Por sua vez, os mineiros de Oruro e Potosí, que já haviam tomado os regimentos, começaram a marchar até La Paz. Os mineiros de Milluni capturam um trem militar que transportava armamentos. Em La Paz, os trabalhadores derrotam sete regimentos e tomam suas armas […]. Em 12 de abril, os militares que continuavam resistindo às milícias rendem-se[6].
O novo governo do MNR era a expressão de um fenômeno social e político que surgiu na América Latina a partir dos anos 30, o nacionalismo populista[7]. Segundo Zavaleta, o MNR era “o partido que historicamente representava os conteúdos da revolução burguesa na Bolívia”[8] e encarnava uma ideologia que se dirigia ao “povo” e à “nação”, abstraindo o sujeito de sua condição de classe. O nacionalismo revolucionário foi o nome que assumiu o populismo boliviano, “e o populismo expressa o conceito de que as classes interiores ao nacionalismo revolucionário são iguais em poder e direitos”[9]. O bloco governante, dirigido pelo MNR, refletia as características próprias desse partido e as circunstâncias derivadas do triunfo da classe operária e dos setores populares.
A articulação dessa unidade contraditória entre uma fração pequeno-burguesa, a classe operária e o campesinato na gestação do novo Estado capitalista não escapa à marca democrática que lhe imprimiu a intervenção insurrecional das massas populares: a complexidade da situação constitutiva do bloco reside em que a pequena-burguesia “movimentista” não pôde senão compartilhar o poder político com um movimento operário que mantém o predomínio material da força, que provém do monopólio das armas conquistadas em combate e de sua crescente organização sindical, política e militar[10].
Quando o MNR surgiu em 1941, era majoritariamente formado por estratos da classe média e setores da pequena burguesia urbana. Seu programa estabelecia três objetivos centrais: a defesa dos “interesses nacionais”, a criação de uma “consciência nacional” e a realização de uma “revolução nacional”. Para Liborio Justo, esse partido “era a expressão desesperada da pequena-burguesia que aspirava um projeto nacionalista”[11].
A partir de 1952, o nacionalismo revolucionário ocupa o centro do poder estatal boliviano e torna-se, como veremos, uma das condições organizadas do exercício do poder […], dito de outro modo, o nacionalismo revolucionário aparece como um discurso de todas as classes sociais embora, a rigor, instrumentaliza notavelmente os interesses das classes dominantes […]. O nacionalismo revolucionário é a ideologia do poder na Bolívia […], seria a ideologia das classes dominantes que almejam articular hegemonicamente seu discurso sobre o resto da sociedade[12].
Para Rene Zavaleta, a situação na Bolívia após a Revolução de 12 de abril esteve caracterizada pela dualidade de poderes: de um lado, as organizações populares e operárias dirigidas pela recém-fundada, COB[13]; do outro, o débil governo do MNR, que exercia uma influência majoritária no seio da classe operária mineira, e seus militantes estavam à frente das principais organizações sindicais do país.
[…] nesse momento, de fato, a classe operária dominava o país objetivamente; seu predomínio era um ato material e a coerção estatal lhe pertencia como um monopólio. Ao não existir o exército, um inclinava-se a se perguntar por que se acatava a ficção do poder burguês, que não tinha outro suporte que àquele que a COB voluntariamente lhe prestava. Por que, em suma, não se tomava o poder de uma maneira direta, posto que já o possuía de fato?[14].
No seio da classe operária, havia uma hegemonia da ideologia burguesa, por intermédio do Nacionalismo Revolucionário, “[…] a burguesia não tinha um exército, mas sua hegemonia ideológica estava intacta através da influência do partido pequeno-burguês (MNR). A ideologia burguesa dominava tanto no polo burguês como no polo proletário”[15]. Como expressão do aprofundamento dos conflitos sociais no período pós-revolucionário, em 16 de abril, fundou-se a Central Operária Boliviana (COB), que agrupou as milícias operárias, as organizações sindicais e os camponeses do país em uma única central sindical.
A Central Operária Boliviana (COB) nasceu sob o impacto do acontecimento mais importante da história social boliviana desde a fundação da República em 1825: a Revolução de abril de 1952. Esta última, por sua vez, foi o resultado da combinação de fatos históricos imediatos, a Guerra do Chaco e as lutas sociais entre os anos de 1946-1952 […]. Os dias prévios à fundação da COB haviam sido marcados pela euforia da vitória […] Presença massiva de trabalhadores armados nas ruas e manifestações permanentes e multitudinárias, animadas pela esperança de realizar os projetos nacionais e com a vontade de construir a pátria nova. O fato político mais importante nesses dias foi a conformação do co-governo entre o MNR e representantes operários reconhecidos por todo o movimento sindical que se encontrava em processo de vertebração[16].
Nos primeiros meses, o governo do MNR esteve totalmente dependente das decisões da COB. Os sindicatos e a esquerda boliviana debatiam intensamente as distintas estratégias a serem adotadas. Os debates apontavam em direção à formação de um “co-governo” entre a COB e o MNR, posição defendida pela maioria das direções sindicais, que naquele momento, eram majoritariamente influenciadas pelo partido governante. O principal dirigente da COB, Juan Lechín, membro da “ala esquerda do MNR” foi um dos principais defensores da política do Co-Governo entre a COB e o MNR.
Se o MNR defende na primeira fase revolucionária a estruturação do “co-governo MNR-Central Operária”, o faz fundamentalmente através do mecanismo de integração ao gabinete de “ministros operários”, o que não significava necessariamente a presença da classe no desenho governamental […]. Seria falso afirmar que a presença operária nesse triunfo revolucionário estava proporcionalmente refletida no novo projeto estatal[17].
Com o triunfo da Revolução Nacional e a chegada do MNR ao poder, começaram os embates que marcariam a história das lutas sociais na Bolívia na segunda metade do século XX. A integração do movimento operário ao novo governo tornou-se o melhor instrumento para restaurar a ordem constitucional, abalada com a insurreição popular. O MNR não se apoiava na ação revolucionária das massas para estender a revolução, mas na continuidade e restauração da ordem constitucional[18].
Os conflitos no interior do projeto nacionalista surgiram desde a formação do primeiro gabinete provisório. A aliança entre os mineiros e o novo governo esteve marcada por grandes tensões, expressão do conflito que existia entre as distintas frações políticas e sociais que tomaram o poder. Em uma instigadora análise sobre a relação da classe operária com o MNR, René Zavaleta explica as disputas que existiam no interior do bloco governante.
De um ponto de vista superficial, se poderia alegar inclusive que a classe operária militava em sua maioria no MNR e que, nesse sentido, este era o partido da classe operária. É um fato, por outro lado, que os operários quando ingressam em massa na política não o fazem por meio do MNR. Se a visão é mecânica, o MNR era, de fato, o partido dos operários; mas historicamente, ou seja, em seu conteúdo, é um absurdo dizer que foi assim. Nem em sua prática nem em sua teoria esse partido continha a ideologia do proletariado[19].
A hegemonia do Nacionalismo Revolucionário sob a classe operária não se deu sem contradições e tensões, sobretudo a relação entre o governo e os trabalhadores mineiros e suas organizações[20]. No ensaio Sistema e Processos Ideológicos na Bolívia (1935-1979), Luiz Antesana esboça uma explicação para a tensa e instável relação do MNR com a classe operária:
Ao redor de 1952, o MNR permite, ou concede, formas de co-governo aos trabalhadores mineiros, e de certa forma, o aparato repressivo do Estado está nas mãos de proletários. Ao final de sua primeira época de governo contínuo (1952-1964), o MNR está em direta oposição aos trabalhadores mineiros e o aparato repressivo do Estado está nas mãos de modernizadas forças armadas[21].
Em paralelo à consolidação e hegemonia do Nacionalismo Revolucionário como ideologia estatal, observou-se um crescente processo de diferenciação e ruptura dos trabalhadores mineiros com o projeto político representado pelo MNR[22], “a luta para preservar sua identidade dentro de sua aliança com as demais classes será o que configura a construção de sua independência de classe”[23]. Apoiados nessas circunstâncias, entre 1952 e 1956, enquanto perdurou a experiência do co-governo entre a COB e o MNR, os mineiros usaram sua capacidade de pressão para obter conquistas sociais e trabalhistas, forçando o Estado a aplicar algumas políticas redistributivas.
Os conflitos entre o MNR e os trabalhadores mineiros deram-se imediatamente após a Revolução Nacional de 1952, quando foi consolidando-se no seio do sindicalismo mineiro uma corrente radical, definida por Cajias de la Vega como “sindicalismo revolucionário”, influenciada pelos grupos comunistas e trotskistas. Para Lavaud, “os mineiros representavam um perigo tal que todos os governos posteriores à revolução buscaram controlá-los ou derrotá-los, seja pela via da cooptação e institucionalização, ou através da repressão e dos massacres”[24]. Nesse período, ganhou força entre os trabalhadores mineiros o discurso da independência sindical e política frente às variantes partidárias burguesas e pequeno burguesas.
Esse lugar central dos mineiros na história política boliviana, como também nas representações simbólicas e na memória coletiva, é definido por Jorge Lazarte como o período de apogeu da “centralidade mineira[25]”. O movimento sindical mineiro era portador de um projeto nacional, construído em um longo processo de acumulação política e ideológica. Este protagonismo esteve presente nos grandes acontecimentos políticos da segunda metade do século XX, como a luta contra as elites, os sangrentos enfrentamentos e massacres, o protagonismo na revolução de 1952, a formação das milícias operárias, o co-governo com o MNR, a construção da Assembleia Popular[26], as mobilizações contra os regimes militares e, por fim, seu papel determinante nas lutas pela redemocratização do país nos anos de 1980.
MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA E A RESTAURAÇÃO DA ORDEM
Os cinco aspectos fundamentais que caracterizaram os primeiros anos do governo do MNR foram: a nacionalização das minas, a reforma agrária, a reconstrução do exército, a reforma da educação e a aplicação do voto universal[27]. Quanto ao primeiro ponto, tratava-se da principal reivindicação dos trabalhadores mineiros e chocava-se diretamente com o poder dos Barões do Estanho. Os trabalhadores mineiros reivindicavam a nacionalização sem indenização das minas e o controle operário com direito à veto nas empresas nacionalizadas. No entanto, a nacionalização sem indenização não figurava no programa de governo do MNR.
O MNR postergou a nacionalização das minas por meio da criação de uma comissão encarregada de estudar o tema. Sua real intenção era aguardar uma mudança na situação política e o arrefecimento da radicalização dos mineiros. Contudo, a pressão das milícias operárias, armadas e fortemente organizadas nos distritos mais importantes como Catavi, Siglo XX e Huanuni, obrigou o governo de Paz Entenssoro a realizá-la, em 31 outubro de 1952. Sob enorme pressão dos trabalhadores mineiros, nacionalizaram-se as minas pertencentes a Patiño, Aramayo e Mauricio Hochschild, os três Barões do Estanho. No entanto, assegurou-se a indenização aos proprietários expropriados, que alcançou 21 milhões de dólares[28].
A atitude de Paz Estensoro é fácil de compreender. Parte dos capitais de Simon Patiño são norte-americanos e os EUA expressam claramente que não lhes gostaria em nada uma confiscação pura e simples pois assentaria um mal precedente. Fazem da indenização uma pré-condição para o reconhecimento do novo regime. A ameaça é ainda mais forte pois os EUA são os principais compradores do estanho boliviano e, além do mais, tem a capacidade de controlar os preços do mercado graças aos stocks acumulados durante a segunda guerra mundial[29].
A nacionalização das minas, em 31 de outubro de 1952, possibilitou que, entre 1952 e 1956, o número de trabalhadores nas minas estatais alcançasse a cifra recorde de 36 mil mineiros[30] A mineração estatal tornou-se a base de sustentação do processo de acumulação de capitais no país. Em outubro de 1952, foi criada a Corporação Mineira da Bolívia que até 1985, concentrou a exploração e exportação de minérios, respondendo por aproximadamente 75% de todas as arrecadações provenientes de exportação[31].
Dado o lugar da nova companhia na economia nacional e posto que seu patrão não é outro que o Estado boliviano, é compreensível que os graves conflitos entre os mineiros e o Estado-Patrão adquiram dimensões políticas […]. Em efeito, a tradição de luta dos mineiros continua, agora no interior da COMIBOL. Daí surgem dirigentes notáveis […]. E, como consequência, aí também se exercem, preventivamente ou em represália, as repressões mais violentas[32].
A hegemonia dos mineiros sob o conjunto da classe trabalhadora boliviana foi um eixo articulador dos processos políticos entre 1952 e 1985. Segundo Whitehead,
O setor mineiro ocupa uma posição tão importante na economia da Bolívia que tão logo os diversos sindicatos conseguem obter certo nível de organização e coordenação em nível nacional, sua Federação se converte em uma força importante capaz de refletir todas as prioridades econômicas e políticas do país. Tanto os dirigentes como os membros do sindicato estão conscientes destas potencialidades e formulam suas ideias tendo este contexto nacional em mente[33]
Durante os primeiros anos do governo do MNR, houve uma política sistemática para absorver e integrar os sindicatos operários de modo orgânico ao Estado, gerando uma burocracia sindical que servia para neutralizar as lutas autônomas dos trabalhadores. Ao analisar esse processo, Andrade conclui que,
As características do movimento sindical boliviano, politizado e radicalizado, contraditoriamente, facilitaram sua incorporação ao aparelho estatal e seu controle político pela cúpula pequeno burguesa do MNR. Isso se deu de várias formas: integração ao movimento difuso e policlasista do partido governante, burocratização por intermédio das relações clientelistas, distribuição de favores e corrupção generalizada e perseguição sistemática aos adversários políticos[34].
A experiência do co-governo, entre o MNR-COB, resultou na indicação de três ministros operários em postos chaves do governo: o Ministro de Mineração e Petróleo, o Ministro do Trabalho e o Ministro de Assuntos Camponeses. Por outro lado, os trabalhadores indicaram representantes na administração das empresas estatais, conhecidos como “Diretores Operários da COMIBOL”. As pressões internacionais, sobretudo dos Estados Unidos (Entre 1953 e 1964 os EUA emprestou à Bolívia aproximadamente 368 milhões de dólares) e as pressões institucionais do aparato estatal, como o clientelismo e a burocratização das organizações sindicais, permitiram que o governo do MNR consolidasse suas posições. A institucionalização da Revolução de 1952 implicou o abandono das perspectivas radicais dos primeiros meses.
Segundo Everaldo Andrade, existiram três grandes momentos da hegemonia política do MNR (1952 e 1964). O primeiro pode ser caracterizado como a fase da “dualidade de poderes” que permaneceu até o I Congresso da COB em 1954. O segundo ocorreu a partir do I Congresso da COB em 1954, quando foi promulgado o decreto de reforma agrária e a reestruturação do exército. Nessa fase, o MNR pôs fim à dualidade de poderes e consolidou-se como partido hegemônico. O terceiro momento, caracterizou-se pelo distanciamento e ruptura do movimento operário com a direção do MNR. Este processo ocorreu entre os anos de 1956 e 1964, durante os governos de Siles Suazo e o segundo governo de Paz Estensoro[35].
Em 1956, ocorreu uma reorientação na trajetória da Revolução, particularmente com o governo de Hernán Siles Suazo (1956-1960). Como contrapartida aos auxílios econômicos dos Estados Unidos, o governo boliviano teve que pagar um alto preço. Com o refluxo das mobilizações, o FMI retomou as pressões para que o governo amortizasse a dívida externa. O Plano de Estabilização Econômica (Plano Eder), aplicado pelo governo de Siles Suazo, afetava as conquistas econômicas promovidas pela Revolução de 1952[36]. Entre as principais medidas adotadas pelo governo estavam o congelamento dos salários e a demissão de mineiros da empresa estatal. Essas medidas provocaram a reação imediata do movimento operário. No fim de 1957, a FSTMB aprovou uma resolução exigindo o aumento dos salários, o fim do co-governo com o MNR e o rechaço ao Plano Eder[37].
Nas eleições presidenciais de 1960, Paz Estensoro é novamente eleito presidente, tendo como vice-presidente, o mineiro Juan Lechín, principal líder sindical dos mineiros e secretário executivo da COB e da FSTMB. O novo governo esteve marcado pelo fortalecimento das relações com os Estados Unidos e a aplicação do Plano Triangular, que consistia em uma ajuda financeira para reorganizar a COMIBOL. A condição para a “ajuda” era o fechamento de várias minas e a demissão de aproximadamente 20 mil trabalhadores mineiros da empresa estatal. Em meados de 1963, ocorreram importantes conflitos entre o governo Paz Estensoro e os mineiros, que se transformaram nas maiores mobilizações desde a revolução de 1952[38]. O ciclo de greves nas minas antecipou a ruptura definitiva da FSTMB e da COB com o MNR, além da crise e fragmentação do próprio partido[39].
Em dezembro de 1963, organizou-se o XII Congresso Mineiro da FSTMB, no distrito de Colquiri. O presidente Paz Estensoro é declarado “traidor dos objetivos da revolução”[40]. Segundo Zavaleta, a tese aprovada no Congresso Mineiro foi a que melhor expressou o processo de ruptura dos trabalhadores mineiros com o “Estado de 52” e o “nacionalismo revolucionário”.
A tese declara que os sindicatos não devem converter-se em agência de partido político algum, ainda que este se encontre no poder e se autodenomine revolucionário. A Federação não sustenta o apoliticismo, mas, uma política independente de classe. […]. De hoje em diante os mineiros se colocarão à cabeça de sua classe para ensinar-lhes a seguir seu próprio caminho e defender seus próprios interesses, a marchar sob sua própria bandeira[41].
Duas semanas após o congresso ocorreu a saída de Lechín do governo, ao enunciar à vice-presidência. Naquele momento, importantes dirigentes da COB romperam com o MNR e construíram um novo partido, o PRIN (Partido Revolucionário da Esquerda Nacional), abrindo uma profunda crise na relação do movimento operário com o MNR. A maioria dos “movimentistas” (como eram conhecidos os militantes do MNR) e dirigentes da COB seguiram o seu líder, Juan Lechín. Nesse momento, o POR e o PCB, que dirigiam importantes sindicatos, ampliaram sua influência entre os trabalhadores mineiros.
No congresso de Colquiri-San José, os mineiros começam a proclamar sua independência política e organizativa frente ao governo do MNR, que qualificam como agente do capital financeiro […]. Impugna todas as medidas econômicas e sociais do oficialismo como recursos adotados pelos próprios imperialistas para controlar e colonizar o país. Na realidade, a classe operária dirigida pelos mineiros havia mobilizado revolucionariamente contra o último governo “movimentista”[42]
Durante o governo de Paz Estensoro, os acampamentos foram ocupados pelo exército, e os principais dirigentes sindicais foram presos. As greves e os conflitos de 1963 marcaram um distanciamento definitivo entre a FSTMB/COB e o MNR.
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