No próximo 27 de agosto estarei participando em um evento na Câmara dos Deputados, em Brasilia, juntamente com demais companheiros do Movimento Nacional em Defesa da Anistia Política, cuja finalidade será rememorar a anistia politica concedida em 1979, que completa 40 anos. Não há o que comemorar. Estaremos lá principalmente para protestar.
Além da anistia ser uma luta ainda inconclusa – a lei foi uma vitória parcial, ao possibilitar a soltura de parte dos presos e o retorno dos exilados, mas, ao mesmo tempo, protegeu os agentes do regime – há agora a tentativa de se voltar ao passado de exceção.
O atual governo de extrema-direita, que não esconde de ninguém a defesa do golpe militar de 1964, nestes últimos sete meses fez os seguintes retrocessos:
1 – A transferência da Comissão Nacional de Anistia do Ministério da Justiça para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos enfraqueceu o seu caráter de órgão de Estado, deslocada para um Ministério sabidamente com ínfimo poder e expressão na Esplanada;
2 – A mudança do regimento interno da Comissão, suprimindo-se recurso de julgamento para o Pleno e restringindo o acesso aos processos é visivelmente um retrocesso em sua estrutura original em funcionamento há mais de 20 anos;
3 – A nomeação de do atual Presidente da Comissão, ex-assessor parlamentar de Bolsonaro quando este era Deputado Federal, que notoriamente advogava nos Tribunais contra a Comissão de Anistia e suas decisões;
4 – A nomeação (contestada judicialmente pelo MPF) de oficiais superiores do Exército brasileiro para o cargo de Conselheiros, ou seja, julgadores da Comissão, com opinião declaradamente contrária à anistia politica e, um destes, confesso admirador do torturador Ustra, alterando inclusive a composição da comissão;
5 – A adoção, nos julgamentos de trabalhadores perseguidos, do conceito de que as greves contra a ditadura militar não foram políticas;
6 – A revisão ilegal de diversos julgamentos realizados pela Comissão de Anistia, com base em conceitos pró-regime militar, como o de que membros de organizações de esquerda são terroristas;
7 – O recente anúncio de não conclusão do Memorial da Anistia em Minas Gerais, conforme deliberado pela comissão anterior e apoiado por todas as entidades da sociedade civil.
8 – A recepção e homenagem à viúva do torturador Carlos Alberto Ustra e as declarações contra a memória de Fernando Santa Cruz.
9 – A exoneração, pela ministra Damares, da equipe de peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), que atuava em denúncias nos estados e nos casos da Comissão Nacional de Anistia (identificação de desaparecidos, etc). A ministra chegou a dizer que irá colocar voluntários no lugar dos 11 peritos.
10 – A inclusão na PEC da reforma da Previdência de um dispositivo que altera a natureza jurídica, antes indenizatória, para verba previdenciária. Com isso, entre outras coisas (que iremos desenvolver em uma próxima coluna), os anistiados, vítimas dos crimes da ditadura, terão que optar entre receber a verba de indenização ou a sua própria aposentadoria, nos casos de quem já se aposentou.
As entidades do movimento de Anistia buscaram o diálogo. Eu mesmo participei de uma Comissão Nacional que reuniu-se em junho deste ano em Brasília com a ministra Damares e, nesta oportunidade, expusemos todas nossas críticas e preocupações, apelando para que fosse cessado todo este desmonte da Comissão de Anistia. Também houve reunião com os conselheiros, incluindo militares, e duas audiências publicas no Congresso Nacional, para tentar discutir temas como a questão das greves durante o regime militar e o restabelecimento integral dos direitos dos militares cassados.
Tudo isto foi em vão, inócuo, apenas servindo para demonstrar o quanto a diretriz anti-anistia é por parte deste governo deliberadamente um projeto anti-memória, para reescrever a história da ditadura militar.
O governo de extrema-direita não possui a coragem – ainda – de alterar o caput do artigo 8 do ADCD da Constituição Federal que assegura o universal e humano direito de anistia politica, mas, sorrateiramente, na prática vão lentamente sufocando este direito, até que vire “letra morta”.
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