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EDITORIAL

O Rio de Janeiro em dias decisivos

No próximo dia 30, haverá segundo turno das eleições municipais em 18 capitais e em mais 37 municípios, de 11 estados do país. Falta pouco para sabermos dos últimos resultados.

Por um lado, é sabido que tais disputas eleitorais ainda em curso não podem alterar o quadro mais geral já indicado no primeiro turno. A vitória eleitoral da coalizão que sustenta o governo Temer é já um fato. No tabuleiro do jogo do poder de Estado, ainda que haja exceções à regra, resta essencialmente aferir posições das frações burguesas que ocupam o Palácio do Planalto. Após a prisão de Eduardo Cunha, no marco de um novo movimento da operação Lava Jato, os holofotes da arena política voltam-se, portanto, aos últimos dias de campanha eleitoral.

Nesse cenário adverso, a esquerda socialista concentra suas fichas sobretudo no Rio de Janeiro, onde um inusitado ingrediente de divisão nas classes dominantes tempera a reta final das eleições e abre caminho para a possibilidade de vitória de Marcelo Freixo e Luciana Boiteux, candidatos pelo PSOL.

Denúncia publicada pela revista Veja dá conta de um acontecimento omitido na biografia de Marcelo Crivella (PRB): o candidato, que ocupa o primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto a prefeito do Rio, teria sido preso, em 1990, no contexto de uma disputa por um terreno de propriedade da Igreja Universal, cuja posse era reclamada por uma família que nele residia. O episódio estaria todo contornado por ares de gangsterismo, quer pela atuação de capangas armados, quer pelo misterioso sumiço do processo dos arquivos da polícia.

A capa do jornal O Globo deste domingo, por sua vez, estampa manchete que vincula Crivella à denúncia de recebimento de propina, no âmbito da Laja Jato. O bispo licenciado da Igreja Universal estaria implicado na delação premiada do ex-diretor de serviços da Petrobras, Renato Duque.

O cenário eleitoral carioca é, portanto, embaralhado nesta reta final por uma operação dos principais veículos de mídia corporativa, cujo foco parece ser desidratar a candidatura de Crivella. Já que não se pode duvidar do inequívoco instinto de classe dos Civita e dos Marinho, convem interpretar com frieza ao que corresponde tal conduta.

No momento em que a burguesia brasileira unifica-se em esforços para consolidar um novo equilíbrio político pós-impeachment, ocupar a prefeitura da segunda capital do país poderia dar uma nova projeção a um setor até então secundário na nova coalizão no poder. As disputas de mercado entre os grandes monopólios de comunicação concorrentes seguramente falam alto, quer pelos muitos milhões envolvidos, quer pela centralidade das mídias hegemônicas na legitimação social da manobra parlamentar da qual o novo governo é herdeiro.

Muito menos que um apoio a Freixo, a negativa de Veja e O Globo a Crivella é uma aposta de que é possível conter o fortalecimento de adversários de ocasião no andar de cima e, ao mesmo tempo, domesticar uma alternativa de esquerda emergente, cuja margem de manobra para oferecer concessões desde a prefeitura será severamente limitada pelo ajuste fiscal.

Os últimos dias das eleições cariocas serão emocionantes. Há um enorme entusiasmo no ativismo que constroi a campanha de Freixo, que repercurte em todo o Brasil. É preciso trabalhar com toda a energia pela vitória de Freixo e Luciana, até o último momento. Mas é preciso, também, a consciência da tensão que a burguesia está fazendo, desde já, sobre este projeto. Descartando Crivella, um setor do empresariado vai cobrar de Freixo e de toda esquerda socialista gestos de conciliação e amenização do programa de governo.

Num exercício de comparação ilustrativo, ainda que guardadas as devidas proporções, é inevitável rememorar que Lula e o PT viveram, em 2002, situação semelhante. Às vésperas da possibilidade da vitória nas eleições presidenciais, a mobilização massiva de apoiadores nos movimentos sociais somou-se a uma crescente divisão nas classes dominantes. Em um escolha desastrosa, que teria consequências históricas profundas, a direção do PT preferiu declarar-se confiável e respeitosa dos interesses mais de fundo da burguesia, ainda que na linguagem eufemística de uma Carta ao Povo Brasileiro a poucos dias da eleição – episódio traumático para a esquerda brasileira.

A maior vitória em jogo no próximo domingo, no Rio de Janeiro, é construir uma trincheira de resistência dos trabalhadores e dos oprimidos ao ajuste fiscal e aos ataques aos direitos em pauta. A divisão das classes dominantes só pode ser aproveitada seguindo o caminho que fez da campanha de Freixo, até aqui, um alento para o ativismo de todo o Brasil. É hora de ir com tudo rumo à vitória nas urnas, sem hesitar e nem conciliar.