Na sexta-feira, 14 de junho de 2019, centenas de milhares de mulheres entraram em greve em toda a Suíça. Foi a segunda greve das mulheres no país depois de 1991.
Há milhares de razões para isso – a sociedade patriarcal e capitalista as produz todos os dias novamente. Para a esquerda suíça, a sexta-feira passada foi um dia verdadeiramente histórico. Durante décadas, não houve uma mobilização social tão bem sucedida na Suíça, um país marcado pela estabilidade política e social.
A Suíça e os direitos das mulheres
A Suíça pode ser conhecida por muitas coisas: ser um país particularmente progressista não é uma delas. No que diz respeito aos direitos das mulheres, a Suíça é um exemplo particularmente drástico de como a livre circulação de mercadorias, capital e trabalho, juntamente com as estruturas patriarcais, podem coexistir tranquilamente em uma economia neoliberal.
A região de Appenzell foi o último cantão a introduzir o sufrágio feminino em 1990. Eles foram forçados a fazê-lo pelas autoridades federais do país. Até 2004, o estupro no casamento não era um crime que o Estado tenha adotado por iniciativa própria, e a proteção à maternidade está em vigor desde 2006: a licença maternidade dura apenas 14 semanas. A licença de paternidade não existe, os homens só têm direito a um dia livre após o nascimento de seu filho ou filha. Ao mesmo tempo, a Suíça tem um dos sistemas de cuidados infantis mais caros do mundo: cuidar de uma criança durante cinco dias por semana custa metade do salário médio. E as condições de trabalho nas creches são catastróficas.
Além disso, existem diferenças salariais surpreendentes. Pode-se determinar uma diferença de até 30% nos salários, mesmo se essa diferença estiver oculta em estatísticas que apontem 10% a 20%. Além disso, há um número alarmante de mulheres que já sofreram violência e agressão sexual, assédio e violência psicológica. Tudo isso é a base da greve das mulheres em 2019.
Por que o 14 de junho de 2019?
No dia 14 de junho de 1981, um “artigo de igualdade” foi incluído na Constituição da Suíça. Este parágrafo pretendia fornecer a base legal para finalmente promover a igualdade de gênero. Porém, foi de pouca utilidade. Por muito tempo, o artigo constitucional era apenas um pedaço de papel. Até que foi o suficiente para as mulheres. No décimo aniversário do artigo, foi convocada a primeira greve nacional de mulheres, em 14 de junho de 1991. Era suposto que, finalmente, seria dado peso às demandas das mulheres por uma igualdade séria.
Muitas organizações de mulheres se juntaram a essa convocação. Em todo o país, em 14 de Junho, as mulheres participaram de várias greves e lançaram um oceano roxo sobre as ruas e praças. Em Berna, a capital suíça, a praça Bundesplatz foi fechada e estava lotada de apitos, onde os políticos se reuniam para celebrar os 700 anos da “Confederação” (precursor do Estado Federal moderno da Suíça).
A ideia da greve das mulheres surgiu de algumas relojoeiras do Vale de Joux, algumas das quais ficaram indignadas com a desigualdade dos salários em sua indústria (algumas delas ganhavam apenas metade do que recebiam seus colegas do sexo masculino!). Em outubro de 1990, o Congresso da Confederação Suíça de Sindicatos também decidiu organizar uma greve nacional de mulheres.
A greve foi orientada por referências estrangeiras. Em 26 de agosto de 1970, um ano antes das mulheres suíças conquistarem o direito de voto, houve uma “greve das mulheres pela igualdade”, por ocasião do 50º aniversário da introdução do sufrágio feminino nos Estados Unidos. A greve concentrou-se principalmente em Nova York, mas também houve ações em outras partes do país em que participaram cerca de 20 mil mulheres. O mais impressionante foi a greve das mulheres islandesas, de 24 outubro de 1975, em que cerca de 90 por cento da população feminina parou de funcionar por um dia.
Pela segunda greve de mulheres na história de Suíça!
Muitos dos problemas mencionados em 1991 não foram resolvidos nos últimos 28 anos. A reestruturação neoliberal, os ataques contra o setor público e a precarização de áreas inteiras de trabalho em alguns casos, têm agravado os problemas dos empregos feminizados. Por esta razão, na primavera de 2018, a ideia de convocar outra greve nacional de mulheres surgiu na Suíça francesa, região oeste do país.
Logo esta ideia foi incorporada em várias cidades e importantes grupos de mulheres foram formados. No Outono de 2018, o Congresso da Confederação Suíça de Sindicatos convocou uma greve de mulheres.
Durante a preparação para a greve das mulheres, as mulheres e trans, inter e queer foram se conectando, trocando experiências e organizando inúmeros comitês, grupos de trabalho, associações, organizações, creches, bairros, escritórios, lojas, instituições de ensino, hospitais e muitos outros espaços sociais durante mais de um ano.
A greve das mulheres e suas demandas foram discutidas intensamente. Tornou-se claro que as áreas de greve e de problemas abordados foram de grande importância social e que muitas pessoas adeririam à greve. Mas ninguém poderia ter previsto o quão grande a greve viria a ser.
Um dia histórico
A greve das mulheres na Suíça se inseriu no auge mundial das lutas feministas, desde o início. As feministas argentinas e polonesas, as Marchas de Mulheres nos EUA, o movimento “Nem um dia a Menos”, na Itália, e principalmente a greve de mulheres do Estado Espanhol em 2018 e 2019 – todas elas exerceram uma influencia direta sobre os movimentos feministas da Suíça. Este internacionalismo também é sua grande força: saber que as mulheres na Suíça – diferente da greve de mulheres de 1991 – não estão sozinhas na greve ou separadas do resto do mundo, fortalece muito o movimento e pode ser decisivo para seu futuro desenvolvimento.
O que aconteceu na Suíça no dia da greve das mulheres é extraordinário em muitos aspectos. É extraordinário porque nos últimos anos quase não houve grandes movimentos sociais neste país, que se caracteriza por acordos de paz e concordância. É extraordinário porque podemos observar um aumento preocupante dos partidos extremistas de direita em toda a Suíça – como as eleições europeias no final de maio de 2019 confirmaram novamente. Em praticamente todos os países europeus (e além), os partidos e organizações racistas, anti-sociais e anti-feministas estão em ascensão. Na Itália, na Hungria e possivelmente em breve na Áustria, eles já estão no governo e uma mudança de poder não é previsível no futuro próximo. Muitos desses partidos se referem abertamente ao Partido do Povo Suíço (SVP), partido populista de extrema-direita) como seu modelo, que tem sido o partido mais forte da Suíça há anos. Assim, em conclusão, a Suíça não está apenas atrás em termos de igualdade, mas também lidera em termos de partidos de direita fortes.
É precisamente nesta situação histórica, que a Suíça está passando por uma das mais fortes mobilizações sociais em sua história recente. Antes, – nem mesmo durante a greve das mulheres em 1991 – raramente um movimento social estava tão presente na sociedade quanto o atual movimento feminista. A greve das mulheres é de valor incomensurável, não só para que o discurso político e midiático se desloque para a esquerda. Também tem o potencial de trazer uma mudança duradoura ao equilíbrio de poder em um dos países mais estáveis do mundo e contribuir para a auto-organização de longo prazo das mulheres assalariadas.
A greve em números
Durante meses, dezenas de coletivos locais e regionais de mulheres na Suíça foram preparados para o 14 de junho. Ao contrário de 1991, não havia direção central para os preparativos da greve. Por outro lado, o trabalho principal foi realizado localmente, nos grupos e em diferentes projetos, coordenados em nível nacional.
Nas semanas anteriores à greve ficou claro pela primeira vez que a mobilização poderia se tornar realmente grande. Mas ninguém esperava tal magnitude. Mais de meio milhão de pessoas participaram no dia da greve. Quase meio milhão de pessoas, principalmente mulheres, participaram das manifestações centrais nas diferentes cidades e vilas do país. Muitas cidades maiores experimentaram as manifestações mais massivas de sua história recente.
Atividades durante todo o dia
O mapa em 1406 mostra a incrível variedade e extensão das atividades de greve que aconteceram no dia 14 de junho. Em todas as grandes cidades e dezenas de cidades menores, houve interrupções de trabalho e longas paralisações, greves, passeatas pela cidade, palestras, reuniões, bloqueios e manifestações noturnas.
Além do 14 de junho
Mas os coletivos feministas em toda a Suíça vêm dizendo há meses que o 14 de junho de 2019 não será o fim, mas o sinal de partida para uma ampla rede feminista na Suíça e além. Juntamente com o movimento de greve climática, a Suíça está experimentando atualmente um aumento nos movimentos sociais que são apoiados por centenas de milhares de ativistas e é único em sua forma auto-organizada. Pela primeira vez há anos, a esquerda anticapitalista, feminista e ecológica tem uma razão para enxergar adiante pelos próximos meses.
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