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MUNDO

Greve de mulheres na Suíça: como até agora não fomos ouvidas, vamos agora expressar nossas exigências em uma greve

Renata Vereza, de Niterói, RJ
Renata Vereza

No último dia 14 de junho, enquanto nossos olhos estavam, naturalmente, voltados para a Greve Geral e para as manifestações em todo Brasil contra a reforma da previdência e os cortes na educação, noutra parte do mundo, na Suíça, outra greve se desenrolava: uma greve de mulheres. Diversas cidades se encheram com a maré roxa de centenas de milhares de mulheres protestando contra a desigualdade de gênero que engendram a desigualdade salarial, a falta de direitos plenos, a invisibilidade do trabalho reprodutivo e a violência sexual.

Apesar de ser um dos países mais ricos do mundo e com uma qualidade de vida altíssima, principalmente se considerado os nossos padrões, o manifesto das mulheres suíças relata que a igualdade de gênero avança com grande dificuldade no país e em ritmo bastante lento. Embora a igualdade tenha sido consagrada na Constituição desde 1981, na realidade cotidiana das mulheres as coisas são diferentes.[1]

A despeito da imagem de eficiência e progresso, a Suíça apresenta um enorme atraso e descompasso em relação aos outros países europeus no tocante aos direitos das mulheres. O direito ao voto somente foi conquistado em 1971 e, até 1985, as mulheres suíças conviviam com a absurda necessidade de autorização dos maridos para trabalhar fora ou abrir uma conta em banco. A diferença salarial também explicita essa desigualdade beirando os 20% em média, mas podendo ser bem maior no caso dos postos mais bem remunerados.[2] A disparidade também se verifica em outros aspectos: em 2019 apenas 28,9% dos representantes políticos são mulheres e somente 36% dirigem uma empresa.

Como no mundo inteiro, as suíças também são vítimas de violências sexuais e sexistas. De acordo com a ONG Anistia Internacional, a cada duas semanas, uma mulher é assassinada na Suíça pelo marido ou ex-companheiro. Já a definição de estupro continua até hoje considerando apenas a penetração forçada do pênis na vagina, divergindo da concepção do sexo forçado na maioria dos países da Europa.[3]

A invisibilização do trabalho reprodutivo e não remunerado aguça ainda mais essas desigualdades. Na Suíça as mulheres são responsáveis por dois terços do trabalho não pago, como o doméstico e o de cuidado com as crianças e familiares, reduzindo assim o tempo de trabalho pago.[4]

A ausência de políticas públicas consistentes de suporte materno, creches extremamente caras, licença maternidade remunerada de apenas 14 semanas e paternidade de somente 01 dia, se somam nesse cenário aumentando a vulnerabilidade das mulheres, especialmente as de menor renda e as imigrantes. Em função disso muitas mulheres “optam” por trabalhos de tempo parcial ou flexível, mais precários e mal pagos, ou ainda, se retiram do mercado de trabalho. Tudo isso se reflete nos valores das aposentadorias, com valores de mais de 30% inferiores, em média, às aposentadorias dos homens.

O impacto de se falar em greve na Suíça não é pequeno. Em 1937, trabalhadores e sindicatos assinaram um acordo denominado “Paz no Trabalho”, no qual se estabelece que as desigualdades laborais devem ser resolvidas através de negociações e não de greves, o que fez com que as greves fossem sempre mais raras de acontecer no país.[5] Ainda hoje, as(os) professora(e)s, categoria majoritariamente feminina, são proibidas de fazer greve por sua carreira ser considerada de Estado e, portanto, obrigadas a uma pretensa neutralidade.

Em 14 de junho de 1991 as mulheres suíças já haviam demonstrado sua disposição para o enfrentamento. Nesta data 500 mil mulheres paralisaram suas atividades e foram as ruas protestar, no que foi um dos maiores movimentos grevistas que o país conheceu.[6] Quase trinta anos depois voltam a se mobilizar e a movimentar o país sob o lema “É hora de dar um importante passo adiante. Como até agora não fomos ouvidas, vamos agora expressar nossas exigências em uma greve![7] Mesmo aquelas que não podem participar dos protestos foram convidadas a parar de trabalhar a partir das 15h24, que corresponde à hora em que as mulheres passam a exercer suas atividades gratuitamente em função das diferenças salariais.

Planejando já outra greve para o dia 08 de março de 2020 e se somando ao movimento que tem realizado greves de mulheres nos últimos anos em todo o mundo, reivindicam a pauta:

“No dia 14 de junho, estamos em greve. Uma greve de trabalho remunerado, uma greve de trabalho doméstico, uma greve de assistência, uma greve de estudos e uma greve de consumo. Para que nosso trabalho se torne visível, para que nossas demandas sejam compreendidas, para que a esfera pública se torne algo para todas as mulheres”[8].

 

[1] https://www.14juni.ch/

[2] https://www.bfs.admin.ch/bfs/en/home/statistics/work-income/wages-income-employment-labour-costs/wage-levels-switzerland/wage-gap.html

[3]https://universa.uol.com.br/noticias/rfi/2019/06/14/mulheres-suicas-fazem-greve-por-igualdade-e-contra-violencia-sexual.htm

[4] https://www.bfs.admin.ch/bfs/fr/home/statistiques/situation-economique-sociale-population/egalite-femmes-hommes/conciliation-emploi-famille/repartition-travail-domestique.html

[5] https://observador.pt/2019/06/14/suica-pintada-com-mar-roxo-mulheres-fazem-greve-nacional-pela-igualdade-de-salarios/

[6] https://www.theguardian.com/world/2019/jun/14/swiss-women-strike-demand-equal-pay

[7] https://wTww.14juni.ch/

[8] https://www.14juni.ch/