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EDITORIAL

Soberania: os riscos do acordo de livre-comércio entre União Europeia e Mercosul

Editorial
Ernesto Araújo (@ernestofaraujo) · Twitter

Na última sexta-feira, dia 28 de junho, durante a reunião da cúpula do G-20 – grupo formado pelas vinte maiores economias do mundo – foi anunciado um acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul.

Este acordo representa, por um lado, uma tentativa da União Europeia de se fortalecer economicamente, num momento de forte disputa comercial entre as potências mundiais e de intensificação de conflitos geopolíticos.

Lembrando que a economia europeia perdeu força na última década, atingida “em cheio” pela crise econômica mundial aberta em 2007-08, e vive ainda às voltas com a crise do Brexit, que deve levar o Reino Unido, uma das maiores economia europeias, a deixar o bloco.

Por outro lado, para os governos das duas economias mais fortes do Mercosul – Brasil e Argentina – o acordo é apresentado de forma esfuziante, como uma “fórmula mágica” e solução para a terrível situação econômica vivida pelos dois países que encabeçam o bloco do Cone Sul americano.

Como todo acordo de livre-comércio, este entre a União Europeia e o Mercosul visa também reduzir ou zerar tarifas de exportação e importação entre os dois blocos econômicos e acabar com outras barreiras comercias entre estas economias.

Ainda não estão públicos todos os detalhes deste acordo, tão ele entrará em vigor imediatamente. Afinal, ainda precisa ser aprovado pelo Parlamento Europeu (além de autorizado pelos 28 países que compõe o bloco, incluindo ainda o Reino Unido) e pelos parlamentos dos países do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai – lembrando que Venezuela foi suspensa do bloco em mais um ataque a sua soberania).

As expectativas mais otimistas falam que este acordo poderá entrar em vigor apenas daqui a dois anos.

Um acordo nada soberano

Entretanto, mesmo com informações ainda parciais, já é possível perceber os riscos a soberania dos países do Cone Sul da América Latina frente um acordo de liberalização comercial com economias mais sólidas e fortes, algumas destas parte da União Europeia, como Alemanha e França, por exemplo.

O desequilíbrio econômico entre os dois blocos terão consequências ainda mais nefastas para as economias sul-americanas. Não há dúvidas, mesmo com a crise econômica que afetou a Europa na última década, não há como comparar o desenvolvimento econômico dos dois blocos.

O acordo prevê, por exemplo, que empresas europeias poderão concorrer com os mesmos critérios em licitações promovidas pelos governos do Mercosul, o que facilitará o acesso de grandes empresas europeias à disputa de grandes obras dos países sul-americanos, que são sempre garantidas pelo Estado.

E também, evidentemente, a redução gradual, mas representativa, de tarifas para importação de produtos industrializados da Europa para as economias do Mercosul, vai criar uma situação ainda adversa para a indústria dos países de economias menos desenvolvidas.

O setor industrial vem perdendo peso no PIB dos países latino-americanos, um processo estrutural, mas que pode ser intensificado por este acordo de livre-comérco.

Apenas com estes aspectos que foram divulgados, já podemos concluir que uma das grandes consequências será um aumento substancial do processo, em curso, de desnacionalização das economias sul-americanas.

Caso este acordo entre realmente em vigor nos próximos dois anos, ele poderá aprofundar também o processo de privatizações das últimas empresas públicas e estatais das economias do Cone Sul, que conseguiram ser mantidas mesmo com processos de privatizações anteriores.

Atualmente, a maioria dos governos dos países do Mercosul, principalmente no caso do Brasil (Bolsonaro), Argentina (Macri) e Paraguai (Benítez), estão sob controle de partidos de direita e extrema-direita, afinados totalmente com a agenda reacionária de internacionalização nada soberana de suas economias.

Portanto, poderemos viver novamente, como na década de 90 do século passado, a combinação perversa entre os processos de internacionalização e privatizações nas economias sul-americanas.

Mesmo em relação a vantagens de redução de tarifas e de barreiras comerciais que poderiam favorecer as economias do Mercosul, na verdade, o que vemos é a consolidação de uma integração ainda mais subordinadas destes países ao mercado mundial.

Pois, o acordo reforça o padrão de exportadores de “comodities” destes países do Cone Sul. Sobretudo, “amarra” estas economias ao papel de meras exportadoras de matérias-primas, principalmente oriundas do agronegócio e da extração mineral.

Outra consequência evidente é que, fatalmente, o acordo comercial entre União Europeia e Mecosul será utilizado pelo governo estadunidense, principalmente tendo à frente Trump, para retomar as discussões sobre um acordo de livre-comércio entre os EUA e os países da América Latina.

Infelizmente, novamente a maioria dos governos da região se encontra totalmente controlada e subordinada aos interesses dos EUA. Estes governos de direita e extrema-direita já se agruparam em um novo fórum de países latino-americanos, chamado de Pró-Sul. Este novo fórum já vem sendo um ponto de apoio para EUA na América Latina, especialmente para os ataques à Soberania da Venezuela.

O Imperialismo dos EUA vai querer ressuscitar a velha proposta da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), derrotada pela luta do povo trabalhador latino-americano no início do século 21, na onda de lutas que derrotou os governos afinados com EUA à época e levou ao poder governos de conciliação de classes que se apresentavam como contrários às políticas neoliberais.

Para defender nossa soberania, repudiar o acordo de livre-comércio

Em primeiro lugar, as organizações da classe trabalhadora, da juventude e dos oprimidos devem exigir total transparência e acesso a todas as informações dos termos do acordo de livre-comércio formalizado pelos governos do Mercosul e da União Europeia.

Porém, com as informações disponíveis, já é possível tomar uma posição categórica. As entidades sindicais, o movimento estudantil, os partidos de esquerda, entre outros movimentos sociais, devem se posicionar de forma veemente contra este acordo comercial nada soberano.

Para atingirmos o objetivo de impedir a entrada em vigência deste acordo de livre-comércio e defender a economia de nossos países dos ataques imperialistas – sejam eles vindos dos EUA, da União Europeia ou da China – é muito importante coordenar a luta contra do povo trabalhador de toda a América do Sul.

Temos que iniciar imediatamente uma campanha política que busque informar nossos povos sobre os ataques as nossas economias e a nossa Soberania já expressos neste acordo. Esta campanha deve exigir dos parlamentos dos países do Mercosul que rejeitem o acordo firmado por governos entreguistas.