Há poucos dias conversava com um técnico agrícola quando ele de repente me perguntou: “Você é PT?”. Disse que fui favorável a várias políticas e medidas dos governos Lula e Dilma, que mudamos de patamar, que evoluímos enquanto país para um capitalismo moderno e para um lugar melhor para se viver, mas também que tinha críticas duras pela forma como muitas coisas foram feitas e especialmente pelo abandono da agenda original do partido em favor da velha política do toma lá dá cá, o fisiologismo, este câncer entranhado no tecido político brasileiro.
Visivelmente aliviado, meu interlocutor contou que era funcionário de um órgão público do Estado da Bahia. Mas que foi demitido para ser recontratado como terceirizado. Contou como sua vida piorou, como suas condições de trabalho pioraram, como os instrumentos de controle e fiscalização afrouxaram em favor das empresas contratadas que, afinal, pertencem a apadrinhados políticos, retroalimentando a roda da velha política. “É por isto que não voto mais neste partido. Com o PT era para ser diferente”, desabafou.
Sim, era para ser diferente.
Mas Rui Costa, o atual governador da Bahia eleito pelo PT, à semelhança do seu antecessor, Jaques Wagner, também do PT, tem apreço por políticas conservadoras, autoritárias, privatizantes, e parece ter uma grande repulsa contra o servidor público baiano e a coisa pública de uma forma geral, guardando uma estranha proximidade com o governo federal ora sob controle da família Bolsonaro, que vem impondo um quadro de regressão política, econômica, social, ambiental e educacional tão grotesco e sombrio que não seria exagero compará-lo aos Talibãs afegãos da década de 1990.
No Brasil, na Bahia de Rui Costa, o governo petista está alinhado com o ministro bolsonarista Sérgio Moro. Aquele que transformou Lula no preso político mais importante do mundo, hoje. A violência policial contra a juventude pobre, negra e trabalhadora é praticamente uma “marca de governo”. Policias militares envolvidos numa chacina no Bairro do Cabula em Salvador, por exemplo, foram descritos pelo governador como “artilheiros diante do gol”.
O governador petista também abraça Bolsonaro quando se coloca a favor da militarização das escolas públicas, inclusive com o emprego de policiais aposentados no lugar de profissionais da educação. O chamado “vetor disciplinar”.
Liberal na economia e conservador nos costumes
Nas eleições presidenciais de 2018 um dos pleiteantes que se posicionava do lado oposto ao PT no espectro político nacional, candidato por um partido neoconservador, definiu-se como “liberal na economia e conservador nos costumes”. Pois parece ser a perfeita definição do governador petista da Bahia. Não bastasse seu alinhamento com o governo tosco e fundamentalista dos Bolsonaros na violência policial e na militarização da educação pública, há também vários outros pontos de convergência dentro de um viés francamente neoliberal. E que não se resume apenas ao sequestro dos investimentos em áreas sociais.
É assombroso o afã em privatizar e desmontar empresas estatais e públicas. Chama bastante atenção a terceirização da gestão na saúde pública e em outras áreas, ao tempo em que a imprensa veicula sobejamente casos de favorecimentos, apadrinhamentos, desvios, vistas grossas aos mal feitos e escândalos de toda ordem.
Ao arrepio das diretrizes do seu próprio partido Rui Costa fala em cobrança de mensalidade em universidade pública. Um velho sonho da direita brasileira. O petista está em perfeita harmonia com o deputado pernambucano Luciano Bivar, do PSL de Bolsonaro, que pretende apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para que estudantes paguem mensalidade nas universidades públicas.
O terror como estratégia de governo
O outro lado da moeda da ideologia neoliberal é o conjunto dos ataques aos direitos dos servidores públicos, com o desmonte da previdência pública, o aumento da alíquota de contribuição previdenciária, sucateamento do Planserv (plano de saúde dos servidores públicos do Estado da Bahia) e uma política perversa de arrocho e acúmulo de perdas salariais, que no caso dos professores das Universidades Estaduais baianos já beira uma perda de 30% em relação a 2015.
O descaso do governo do Estado da Bahia, que há 4 anos não recebe o movimento docente – a despeito das reiteradas solicitações, todas devidamente protocoladas e registradas –, levou à deflagração de uma greve por tempo indeterminado das quatro universidades estaduais da Bahia (Uesb, Uneb, Uefs e Uesc), no dia 10 de abril de 2019.
Prontamente o governo cortou o ponto dos professores e estabeleceu uma agenda de reuniões cuja única função prática é evitar que se chegue a um acordo razoável e minimamente aceitável para os professores, que pleiteiam a liberação do montante de 120 milhões de reais das universidades estaduais contingenciados pelo governo, reajuste salarial (após quatro anos sem sequer reposição da inflação no período), desbloqueio dos direitos de promoção e progressão e abertura de concursos públicos para provimento de vagas (professores se aposentam mas não são abertos concursos para a admissão de novos profissionais, prejudicando a qualidade do trabalho ofertado à população e sobrecarregando os docentes).
A bravura dos que nadam contra a maré
O governador Rui Costa faz uso extensivo de dinheiro público para se autopromover, usando largamente a propaganda oficial para vender a ideia de “bom gestor”. Mas o custo social disto, que naturalmente não aparece nas peças publicitárias, é a extinção de cargos públicos, o arrocho salarial, as privatizações e terceirizações, o corte em investimentos públicos em saúde, moradia, segurança e educação. É o serviço precário, é a falta de material, a falta de motivação e o adoecimento do trabalhador.
Neste momento os docentes de todas as universidades estaduais da Bahia permanecem em greve, bravamente resistindo ao segundo corte de salário e às investidas midiáticas desonestas do governo petista contra os trabalhadores da educação superior.
Educação ou barbárie: uma luta de todos
Somos especialistas, mestres, doutores, cientistas premiados nacional e internacionalmente que lutamos para ter condições de trabalho que nos permitam continuar dando os melhores anos de nossas vidas em prol da formação de engenheiros, geógrafos, cientistas sociais, biólogos, historiadores, físicos, químicos, contabilistas, administradores, comunicólogos, matemáticos, pedagogos, geneticistas, advogados, médicos, enfim, que continuemos formando com qualidade todos os profissionais de nível superior necessários ao bom funcionamento de qualquer sociedade moderna.
É lamentável que o governo petista da Bahia – que de tão afinado com o governo Bolsonaro parece fazer parte dele – não entenda a importância estratégica e a necessidade social de uma universidade pública.
Para um partido que se diz dos trabalhadores era para ser diferente, sim. Mas vivemos tempos sem disfarces. Por isto mais do que nunca a luta é pela educação pública. Esta é a luta de todos. É a luta da ciência contra a barbárie. Porque o nosso lado é o lado da verdade. É o lado da desmistificação, contra o fanatismo e a ignorância. É o lado da emancipação pelo conhecimento.
O nosso compromisso é com a educação pública, gratuita e de qualidade. Não temos ditador de estimação.
* Roque Pinto é Professor Titular de Antropologia na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC)
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