Pular para o conteúdo
MUNDO

Neoliberalismo e autoritarismo, o casamento perfeito no Chile de Pinochet

Gabriel Santos, de Maceió, AL

Milton Friedman e Augusto Pinochet

Era uma aula do curso de História, em discussão o livro A Era dos Extremos, de Hobsbawm. Papo vai, papo vem, entre o bocejar do sono e um gole de café, buscava prestar um pouco de atenção nos comentários na sala. O tema começa a ficar interessante, foge do assunto inicial, e se discute brevemente a relação entre neoliberalismo econômico e um regime mais autoritário.

Pois bem, o discurso vazio e sem sentido dos ultraneoliberais costuma demonizar tudo que é ação do Estado. Identificam o Estado como a origem do mal. Os neoliberais dizem que onde há Estado não há liberdade. E que é preciso acabar com o Estado para o livre comércio atuar.

O discurso dos ultraneoliberais de internet é que eles fogem do Estado como o diabo foge da cruz. Na cabeça de um adolescente de 15 anos, que se forma vendo vídeos no YouTube e memes do MBL, isto faz todo sentido. Porém, na vida real a história é outra. Os neoliberais necessitam do Estado. E passam assim a adaptá-lo ao modelo neoliberal, para garantir o aumento da taxa de lucros.

Do Chile de Pinochet ao Peru de Fujimori, chegando hoje na Índia de Modi e na Turquia governada por Erdogan, mas passando também pelo Reino Unido de Thatcher. Regimes autoritários, sendo ditatoriais, bonapartistas, ou que governavam com uma mão de ferro sobre os trabalhadores, se mostraram mais eficazes na condução no plano de retiradas de direitos em momentos de crise econômica e aplicação de reformas neoliberais.

Os trabalhos historiográficos que abordam a ditadura de Augusto Pinochet no Chile (1973-1990) normalmente se dividem em dois blocos. Alguns investigam e recriam os fatos e histórias que ocorreram nos porões da ditadura. Aonde os membros do serviço secreto torturavam de forma sádica os opositores. De outro lado, existem aqueles que retratam a forma que os economistas da Escola de Chicago, os chamados Chicagos Boys, instalaram o modelo econômico neoliberal no país, fazendo da ditadura de Pinochet uma referência mundial, por conta de suas privatizações e contrarreformas econômicas.

Milton Friedman, o pai intelectual dos Chicago Boys, visitou Pinochet em meados dos anos 1970. Ao lado de sua esposa, Rose, as fotos deles com o ditador chileno rodaram as capas e colunas de todo o mundo. O vencedor do prêmio Nobel de economia, um dos mais importantes economistas do século XX, que na época tinha patamar de celebridade recém saída milionária do Big Brother, pois apresentava medidas para a crise econômica que atingia o mercado mundial, tirava foto e dava dicas para um país latino de terceiro mundo. E legitimava e faziam esconder a brutalidade de Pinochet.

Foi na capital chilena, Santiago, que se reuniu a Mont Pelerin, que tinha em Friedman um de seus fundadores. Esta era uma espécie de Internacional dos ultraliberais. A escolha de Santiago para sede, não foi a toa e, sim, mais uma tentativa de legitimar as ações do governo chileno.

Logo após o golpe que derrubou o governo Salvador Allende, em setembro de 1973, mais de duas dezenas de estudantes de pós-graduação de Friedman chegam no Chile para dar as novas diretrizes econômicas. Alguns anos mais tarde, em 1982, debaixo do nariz dos Chicago Boys, o Chile sofre sua maior crise em 50 anos, fruto de suas políticas.

Os discípulos de Friedman se ofereceram ao general para criar e aplicar seu programa econômico. Sergio de Castro, Sérgio de la Cuadra, Rold Luders, Álvaro Bardón, Hernán Buchi, aproveitavam que nem os partidos de esquerda, nem os sindicatos poderiam se mobilizar e sair às ruas, e aplicaram medidas de privatização e reformas econômicas que até hoje causam problemas e crises no país andino.

A cruel e desumana perseguição às forças de esquerda. A desaparição física por meio de assassinatos, de membros do partido comunista, do partido socialista, de lideranças sindicais, de partidos menores e de movimentos sociais foi essencial para que o modelo neoliberal triunfasse.

Foram 3.200 vidas tiradas pela ditadura de Pinochet. Destes, cerca de 1.700 assassinatos foram de membros do Partido Comunista, Socialista ou de jovens pertencentes ao Movimento Esquerda Revolucionária (MIR) e de diversas organizações, incluindo o brasileiro Tulio Quintiliano. Milhares de vidas tiradas e milhares de famílias destruídas simplesmente por que se ousou criticar e fazer oposição a um regime.

Houveram 38 mil presos, e 27 mil pessoas torturadas, que levam em seus corpos, pensamentos e almas, cicatrizes daqueles anos de chumbo e de neoliberalismo puro. A saúde e a educação até hoje não é um direito para os chilenos. Os direitos trabalhistas são flexibilizados, e 70% dos novos postos de trabalho são ou terceirizados ou abaixo do salário mínimo. O Chile vive uma epidemia de suicídio de pessoas idosas, estes, se matam, pois não tem direito a aposentadoria e chegam na velhice com dívidas e sem renda.

Não resta dúvida que em um regime democrático-burguês, mesmo com toda sua limitação, os planos do governo chileno sofreriam massivas manifestações, os deputados se sentiriam pressionados a rejeitar tais medidas por conta da reeleição, ou que as propostas neoliberais seriam rechaçadas nas urnas.

Porém, a burguesia chilena não teve escrúpulos. Para aumentar sua taxa de lucro jogou fora a democracia burguesa e se revestiu de uma ditadura sangrenta somada ao ultraliberalismo econômico. Para destruir os direitos sociais e trabalhistas, foi preciso destruir os direitos democráticos, e para isso,  muitos pagaram com a vida e seu sangue. Em nome do lucro, a burguesia se unifica com generais, militares, banqueiros e burocratas, para destruir qualquer movimento de resistência. Enquanto os Chicago Boys faziam suas contas e planos econômicos, os militares fuzilavam centenas em fileiras e torturavam outros milhares.

O banqueiro, o capitão e a luta por liberdades democráticas

Quando Jair Bolsonaro indicou Paulo Guedes para o cargo de super-ministro, com a responsabilidade por todos os debates econômicos, deu um aviso, e mostrou que seu regime e seu palavreado autoritário buscaram abrir caminho para as privatizações e reformas neoliberais,

Guedes, de 69 anos, um banqueiro ultra-neoliberal, e um Chicago Boy com trabalho no regime de Pinochet, já mostrou a que veio. Implementar uma reforma fiscal para que os ricos paguem menos impostos, uma reforma previdenciária baseada no modelo chileno de capitalização, e uma série de privatizações de áreas estratégicas como aeroportos, energia, petróleo e um longo etc.

Guedes, doutor pela Escola de Chicago, tem saudosismo e familiaridade com as políticas implantadas pela ditadura chilena. José Piñera, autor da reforma da Previdência na época de Pinochet, já declarou que o programa econômico de Bolsonaro fazia bem a seus gosto.

A liberdade de preços, a abertura econômica e a redução de impostos, a privatização de empresas estatais, a retirada de direitos trabalhistas, todo este sonho neoliberal que querem aprovar no Brasil, foi feito no Chile, porém com base na mão de ferro de Pinochet.

A burguesia brasileira aposta em Bolsonaro para aprovar a reforma da Previdência, quer limitar a atuação de sindicatos, movimentos sociais e partidos de esquerda como, CUT, MST, MTST, PT e PSOL. Porém, não se decidiu por fechar o regime de forma brutal. E por isso, setores da mesma se chocam com Bolsonaro. O ex-capitão tem seus próprios métodos, ideias e planos.

A luta por liberdades democráticas neste momento não é de menor importância. Acabar com a liberdade de lutas e ações independente dos trabalhadores, assim como acabar com suas organizações, é o primeiro passo para impedir que estes consigam se movimentar e lutar para defender seus direitos.

A defesa de nossas liberdades democráticas é a defesa que temos para podermos agir contra as medidas econômicas de Bolsonaro. Não são parte menor, mas sim, parte fundamental da atual conjuntura.

Se o ex-capitão e o banqueiro acham que podem aprovar suas medidas neoliberais sem que a classe trabalhadora brasileira se coloque na luta, eles estão enganados. Dia 14 de junho mostraremos a eles e a todos que ocupam o andar de cima. Enquanto houver movimento, haverá suor, sangue e resistência de nossa classe. Nós não perdemos a guerra, e vamos ganhar essa nova batalha.

 

LEIA MAIS

43 anos do golpe militar no Chile

 

Memórias da prisão após o golpe no Chile