As eleições no Estado Espanhol completaram uma semana, mas até hoje surgem análises e observações sobre o processo eleitoral. A Espanha é um Estado plurinacional, formado por outras nações que são oprimidas historicamente e subjugadas pela coroa espanhola.
Uma destas nações é a Catalunha, que a Constituição espanhola de 1978 entende como comunidade autônoma. Localizada no extremo leste da Península Ibérica, com língua própria, cultura, e suas cidades com uma arquitetura própria que tem em Antoni Gaudí seu maior nome e a Sagrada Família expoente máximo dessa escola modernista. É na Catalunha, mas precisamente em Barcelona, que um dos maiores jogadores de futebol da história desfila seu talento semanalmente, deixando o planeta bola boquiaberto.
Além do modernismo catalão e de Lionel Messi, a Catalunha chamou a atenção do mundo por conta da radicalização do movimento independentista da região que sacudiu o Estado Espanhol, tendo este sido o pano de fundo na queda do ex-Primeiro Ministro Mariano Rajoy, do Partido Progressista, e na convocação das eleições antecipadas do último domingo. Diferentemente do restante do país, onde o clima pré-eleição era marcado pelo medo do crescimento da extrema-direita, representado pelo Vox. Apesar do tema do crescimento da extrema-direita se fazer presente, o eixo do debate nas eleições catalãs foi o tema de como fazer o processo de independência.
Na Catalunha as eleições marcaram uma disputa entre esquerda e esquerda. Entre uma esquerda moderada, que não defendia a independência da região, e uma esquerda independentista. E dentro dessa esquerda independentista, entre aqueles que defendiam uma saída mais radical, e aqueles que apontavam para uma saída negociada com Madrid.
As eleições do dia 28 de abril marcaram a primeira vez que um partido independentista ganhou o processo na Catalunha. Houve 77,5% de participação popular, um resultado espetacular que acabou por definir a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) como vitoriosa. Os republicanos, como são conhecidos, chegaram aos 15 deputados, dos 40 que a região tem direito. O ERC elegeu 9 deputados a mais que nas eleições de 2016.
Em segundo lugar ficou o PSC (o PSOE catalão), que, acompanhando a tendência no resto do Estado Espanhol, teve um crescimento de sete para 12 deputados. O PSC fez sua campanha com uma mensagem de reconstrução de pontes entre os independentistas e os contrários a mesma, sem a necessidade de aplicar um novo referendo pela independência ou as intervenções autoritárias de Madrid. Uma posição centrista que chama as forças pró-independência para negociação, mas que em última instância é contra a mesma.
O conjunto das forças independentistas tiveram 39,4% dos votos. A maior votação da história das forças. Tendo sido 7% a mais que nas últimas eleições, tendo no novo congresso 22 deputados, cinco a mais que hoje. Porém, ainda assim foi um resultado inferior aos dos unionistas, que defendem a manutenção das diversas nacionalidades do Estado Espanhol dentro de um único Estado centralizado por Madrid, pela Coroa e pela Constituição de 78. O Partido Progressista, Ciudadanos, Vox e PSC chegaram a 43,2% de votos na região. Caso se some os votos do EnComú, as forças independentistas passam a frente dos unionistas.
As forças pró-independência, além dos 15 deputados do ERC, contam também com 7 deputados do Junts per Catalunya. Este setor nacionalista catalão teve o pior resultado em todas as suas participações. As pesquisas apresentavam um resultado ainda pior para este grupo que dirigiu o movimento independentistano último período e que foi para as eleições com uma linha de crítica direta ao PP, e reivindicando a independência da região através do referendo de 1 de Outubro de 2017. O Junts é sem dúvida o setor mais radical do bloco pró-independência, porém, apesar do discurso forte não apresenta propostas concretas para superar a falta de mobilização e o impasse que ocorreu após o primeiro de outubro de dois anos atrás.
O PP foi um dos grandes derrotado nas eleições catalãs, o partido passou de seis a um deputado apenas. Perdendo 270 mil votos. Outra força da direita o C´s perdeu 75 mil votos, apesar de manter o número de deputados em cinco. A queda no número de votos da direita foi uma resposta para a forma que esta tratou a questão da autodeterminação catalã.
Outro grande derrotado, se não o maior deles, foi o resultado apresentado pelo EnComú Podem, coligação impulsionada pelo Podemos e que conta com Ada Colau, prefeita de Barcelona. O EnComú era a principal força na região, com 12 deputados, porém terminou o processo somente com sete. As divergências e brigas pela direção do Podemos, é um dos fatores que explica essa queda, somada a pressão de um voto útil no PSC e na ERC. Porém, o fator determinante é a posição do Podemos nacional, que é contra a independência da Catalunha. O sinal amarelo foi aceso para Colau que observa com preocupação o crescimento em especial do PSC que pode atrapalhar sua reeleição nas eleições municipais que ocorrem dia 26 deste mês.
Disputas e mudanças no bloco pró-independência
O resultado das eleições no último dia 28 na região mostram tanto as possibilidades e limites do futuro governo do PSOE, assim como as divisões entre as forças independentistas.
A tática do ERC foi aparecer como o setor viável do independentismo. Aqueles que podem negociar com Madrid e que para alcançar a tão sonhada independência é preciso impedir primeiro a interferência do governo central na região. A ERC se diferenciou do Junts na linha de combate a extrema-direita e à direita de forma geral. Buscou entender que a correlação de forças que era favorável à independência se reverteu. E poderia piorar com o crescimento da direita. Então elegeu a direita como inimigo central. O ERC não teve uma posição sectária para com o PSOE, apesar de criticar a possibilidade deste vir a formar um governo com o Ciudadanos.
Falamos acima sobre a derrota do EnComú, que de força majoritária na região,de 43% caiu para apenas 27%, perdendo 233 mil votos. O EnComú teve uma posição dúbia durante todo processo do Primeiro de Outubro e convocação do referendo. Muito de seus dirigentes e figuras públicas se posicionaram contrário ao mesmo, outros a favor fazendo campanha para sua realização. A agremiação que é abertamente soberanista se divide quando ao tema da independência da região e como alcança-la. Na maior parte do tempo podemos definir que a atitude do EnComú foi de passividade até os dias finais do referendo. Apesar de que hoje é uma das forças principais na denúncia dos presos políticos e pedindo liberdade para eles, assim como para os exilados.
É preciso observar atento se as promessas da ERC se convertem em ações práticas. O partido na prática defende a independência, porém parece não passar da busca por uma autonomia relativa da região em consenso com o Estado Espanhol aos moldes da Constituição.
O PSOE na região e o novo governo de Sánchez
O PSC (PSOE) é contrário a um referendo de autodeterminação, apesar de defender um diálogo. O primeiro ministro Pedro Sánchez definiu como “um diálogo dentro da constituição”. O crescimento do partido na região acompanha o crescimento nacional e foi fruto de votos para impedir a vitória da direita. O partido que vai governar o Estado Espanhol sabe que pode governar todo o território espanhol, mas na região catalã ele dificilmente conseguirá exercer o poder político. Sabe também que para governar o resto do país vai depender da posição dos partidos catalães, já que o PSOE e Podemos, provável futuro governo, não conseguiram maioria absoluta.
Sánchez vai buscar a conformação de um governo com pequenas forças de centro-esquerda regionais, como no País Basco e em Valência que não são independentistas, mas sabe que a posição da ERC vai ser fundamental. Caso esta busque brecar as ações do governo junto de outras forças independentistas, poderá causar uma crise de governabilidade, pressionando assim o PSOE para atender as vontades catalãs. Porém, agir dessa forma pode ser fortalecer indiretamente as forças de direita que esperam atentamente qualquer deslize do futuro governo PSOE.
É provável que as forças independentistas que defendem um diálogo com Madrid possam barganhar o apoio ao governo, sem entrar no mesmo, em troca de medidas que aumentem a soberania catalã e em longo prazo a realização de discussões como um plebiscito.
As ruas vão determinar a política
As constantes mobilizações que ocorreram na Catalunha após o 1 de outubro de 2017 mostram que ainda existe o sentimento de independência na região. As eleições de 28 de abril também confirmaram isso. Existem variações e uma relação não direta destas últimas com as eleições municipais que irão ocorrer no próximo dia 26, mas é importante acompanhar os resultados destas, pois elas podem indicar mudanças nas relações e pactos a níveis regionais.
Porém, são as ruas que irão ditar a dinâmica da correlação de força entre Catalunha e Madrid. É preciso ver como irão se portar o Junts, a ERC e outras forças, em especial a CUP (um movimento anticapitalista que não concorreu às eleições). As mobilizações contra a extrema-direita, pela liberdade dos presos políticos, e por outras pautas como pelo meio ambiente e as pautas feministas podem crescer e impulsionar uma nova configuração na correlação de forças mesmoque hoje isto não esteja colocado.
Alguns fatores também vão interferir sobre o silêncio ou a agitação das ruas catalãs. Entre eles quanto tempo Sánchez irá conseguir manter uma negociação com as forças independentistas moderadas, negando a liberdade de seus presos políticos, e ao mesmo tempo permitindo uma maior autonomia para a região. Cedo ou tarde Sánchez vai ter que se posicionar ou de um lado, da constituição e da coroa ou de outro, das forças soberanistas. A tendência é que abrace os primeiros.
Outro fator importante vai ser a dinâmica de crescimento do Vox, que tem o sentimento anti-catalão e anti-independência como uma de suas forças motoras. À medida que o Vox cresce, é provável que a luta pró-independência cresça também como uma resposta contrária, ou se apequene de vez, definindo assim uma vitória da extrema-direita.
Uma coisa é certa, que o futuro do governo PSOE está ligado no trato da questão catalã. Este tema entrou de vez na vida política espanhola e não irá sair tão cedo. As ruas da Catalunha irão ser decisivas para a luta de classes na região, e receberão durante os próximos meses os olhares do mundo todo.
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