Nesta semana, circulou nas redes uma fotografia de um rapaz pedalando uma bicicleta alugada do Itaú, carregando uma mochila do Uber Eats. O autor viu uma resumo da situação precária de um trabalhador que não é dono de nada e que sequer conhece seus patrões. Paga a um banco para poder pedalar para um aplicativo, sem nenhum direito.
A imagem é também um retrato da enorme crise social do País. Somos 13,1 milhões de desempregados, e outros 27,9 milhões vivendo de bico, sem renda fixa. Segundo o IBGE, 37% da população está desempregada, desocupada ou subempregada.
Trabalhar para um aplicativo é a saída para quem já desistiu de passar a noite em longas filas com outros milhares, para um cadastro de emprego. O desalento se justifica – a perspectiva é que o país cresça apenas 2% neste ano e que a situação só melhore – talvez – em 2020.
A maioria da classe trabalhadora votou em Bolsonaro, com expectativa de uma vida melhor. Mas o desemprego aumentou e a pobreza voltou a crescer. Cem dias depois, o otimismo começa a dar lugar a desesperança.
As contradições do governo
Sem respostas aos problemas que afligem a vida do povo, Bolsonaro vê sua popularidade cair. Perdeu 15 pontos de aprovação neste ano, um recorde. A queda é também resultado dos absurdos e o discurso de ódio do próprio presidente, dos ministros da ala olavista-bolsonarista, e pela repercussão das graves denúncias envolvendo filhos do presidente, assessores e milicianos.
Todo este cenário aprofunda disputas no governo e antecipa crises com o Congresso e partidos. Os cem dias revelaram a natureza do governo, como um grande consórcio, com quatro blocos: militares, capital financeiro, Lava Jato e o próprio bolsonarismo. Sem conseguir dar a partida no carro do PSDB, estes setores abraçaram a candidatura da extrema direita.
Bolsonaro é o presidente, mas, por vezes, o governo se assemelha a uma corrida no Uber Juntos, com direito a disputa pelo trajeto e paradas.
Os militares, com o vice a frente, atuam como um poder paralelo, corrigindo falas de Bolsonaro. Ocupam os principais cargos e buscam ser uma solução viável, transmitindo estabilidade aos empresários, junto com Guedes. Mourão foi recebido em evento na Fiesp, e depois jantou com as principais fortunas do País, ouvindo queixas sobre o presidente.
Já a poderosa Lava Jato tentou um passo gigantesco com a criação de uma fundação, mas teve que recuar e abrir mão dos bilhões que controlaria. Isso em um momento em que seu projeto de poder começa a ser questionado.
Uma enxurrada de ataques
Nestes cem dias, apesar de suas disputas, todas as alas do governo não descansaram na hora de atacar os trabalhadores e aplicar o projeto de desmonte do Estado e dos direitos sociais. Esta agenda, que deu origem ao golpe parlamentar, se agigantou. Foram cem dias de uma enxurrada de ataques. O governo avançou na privatização, já tendo entregue aeroportos, portos e rodovias. Anuncia que vai privatizar todas as estatais, talvez deixando parte dos bancos públicos e da Petrobrás.
Em sua visita aos Estados Unidos, prometeu a Trump a Base de Alcântara, maior presença no petróleo – fará um megaleilão do pré-sal em outubro – e até mesmo acesso à Amazônia. A soberania brasileira foi, literalmente, para o espaço.
As bizarrices e idas e vindas de Bolsonaro não impedem esse governo de aplicar a agenda do imperialismo e entregar o país. Com maioria no Congresso e apoio em setores de massa, o governo pode desmontar o Estado, vender o que resta de nossas riquezas e, ao final, deixar o País sem nada, como o trabalhador da bicicleta.
As ameaças à democracia aumentaram
O regime político, que havia sofrido mudanças desde o golpe parlamentar e que se aprofundou após a execução de Marielle e a prisão de Lula, continua se fechando, permitindo que a entrega do País e de direitos se complete. O fechamento do regime envolve todas as alas do governo, da Lava Jato aos militares.
Nestes cem dias, vimos as ameaças e o exílio de Jean Wyllys (PSOL) e da professora Débora Diniz (UnB), o aumento dos ataques a LGBTS e de casos bárbaros de feminícidio, da perseguição e execução de camponeses e indígenas, o bloqueio de sindicatos e ataques a professores.
O aprofundamento da situação política reacionária ocorreu em especial nos morros e periferias, contra negros e negras, por parte de policiais e militares. Em São Paulo, nos três primeiros meses, o número de pessoas mortas pela polícia aumentou 46%. A ação de soldados no Rio de Janeiro contra jovens em uma moto e contra um carro com uma família não são fatos isolados. Mostram o aumento da política de guerra contra os pobres, e a autorização para matar negros e negras, simbolizada no gesto de campanha e no silêncio do presidente. A violência policial contra a população negra aumentou, apoiada pelos governadores, como Doria, que condecora policiais que executaram criminosos, e Witzel, que já coloca snipers para atuar nas comunidades. Essa violência vai aumentar com o pacote do ministro Moro, que isenta policiais que matarem sob “forte emoção”.
Nada pode nos deixar esquecer ou menosprezar as graves ameaças do momento histórico atual. A Venezuela é alvo de uma tentativa de invasão. Lula permanece preso há um ano e não se sabe quem mandou matar Marielle. A extrema direita segue fortalecida e deputados bolsonaristas consideram que podem ir armados ao Congresso Nacional. As milícias seguem com seu poder intacto. Um terço da população acha certo comemorar a ditadura.
Reforma da Previdência, a grande batalha
A maior parte das medidas do pacote dos 100 dias do governo não se efetivou. Na prática, o governo Bolsonaro aposta alto na aprovação da reforma da Previdência, com uma proposta ainda pior do que a que derrotamos em 2017.
A resistência à reforma é a grande batalha do período e exigirá ampla unidade e uma Frente Única dos trabalhadores e de suas organizações. Os atos do dia 22 foram um primeiro passo da classe trabalhadora.
Os próximos cem dias serão decisivos. É preciso conquistar corações e mentes de milhares de trabalhadores, inclusive dos que acreditaram em Bolsonaro, sobre o significado da reforma, os retrocessos e o governo.
A maioria – 51% – está contra a reforma e percebe que não irá conseguir se aposentar, em especial as mulheres.
Precisamos conversar com os terceirizados, hoje maioria nas greves, com os desempregados e com os jovens precarizados, mostrando que o governo e as empresas não querem que eles se aposentem. E não se importam se continuar pedalando para um aplicativo, até não aguentar mais.
Os primeiros cem dias deste governo mostraram as graves ameaças aos direitos sociais e às liberdades democráticas. Mostraram, por outro lado, que é hora de o povo brasileiro – índios, negros e pobres, como na bandeira da Mangueira – resistir.
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