Os cem dias de Bolsonaro e as graves ameaças aos direitos sociais e às liberdades democráticas

Editorial de 10 de abril de 2019

Nesta semana, circulou nas redes uma fotografia de um rapaz pedalando uma bicicleta alugada do Itaú, carregando uma mochila do Uber Eats. O autor viu uma resumo da situação precária de um trabalhador que não é dono de nada e que sequer conhece seus patrões. Paga a um banco para poder pedalar para um aplicativo, sem nenhum direito.

A imagem é também um retrato da enorme crise social do País. Somos 13,1 milhões de desempregados, e outros 27,9 milhões vivendo de bico, sem renda fixa. Segundo o IBGE, 37% da população está desempregada, desocupada ou subempregada.

Trabalhar para um aplicativo é a saída para quem já desistiu de passar a noite em longas filas com outros milhares, para um cadastro de emprego. O desalento se justifica – a perspectiva é que o país cresça apenas 2% neste ano e que a situação só melhore – talvez – em 2020.

A maioria da classe trabalhadora votou em Bolsonaro, com expectativa de uma vida melhor. Mas o desemprego aumentou e a pobreza voltou a crescer. Cem dias depois, o otimismo começa a dar lugar a desesperança.

As contradições do governo

Sem respostas aos problemas que afligem a vida do povo, Bolsonaro vê sua popularidade cair. Perdeu 15 pontos de aprovação neste ano, um recorde. A queda é também resultado dos absurdos e o discurso de ódio do próprio presidente, dos ministros da ala olavista-bolsonarista, e pela repercussão das graves denúncias envolvendo filhos do presidente, assessores e milicianos.

Todo este cenário aprofunda disputas no governo e antecipa crises com o Congresso e partidos. Os cem dias revelaram a natureza do governo, como um grande consórcio, com quatro blocos: militares, capital financeiro, Lava Jato e o próprio bolsonarismo. Sem conseguir dar a partida no carro do PSDB, estes setores abraçaram a candidatura da extrema direita.

Bolsonaro é o presidente, mas, por vezes, o governo se assemelha a uma corrida no Uber Juntos, com direito a disputa pelo trajeto e paradas.

Os militares, com o vice a frente, atuam como um poder paralelo, corrigindo falas de Bolsonaro. Ocupam os principais cargos e buscam ser uma solução viável, transmitindo estabilidade aos empresários, junto com Guedes. Mourão foi recebido em evento na Fiesp, e depois jantou com as principais fortunas do País, ouvindo queixas sobre o presidente.

Já a poderosa Lava Jato tentou um passo gigantesco com a criação de uma fundação, mas teve que recuar e abrir mão dos bilhões que controlaria. Isso em um momento em que seu projeto de poder começa a ser questionado.

Uma enxurrada de ataques

Nestes cem dias, apesar de suas disputas, todas as alas do governo não descansaram na hora de atacar os trabalhadores e aplicar o projeto de desmonte do Estado e dos direitos sociais. Esta agenda, que deu origem ao golpe parlamentar, se agigantou. Foram cem dias de uma enxurrada de ataques. O governo avançou na privatização, já tendo entregue aeroportos, portos e rodovias. Anuncia que vai privatizar todas as estatais, talvez deixando parte dos bancos públicos e da Petrobrás.

Em sua visita aos Estados Unidos, prometeu a Trump a Base de Alcântara, maior presença no petróleo – fará um megaleilão do pré-sal em outubro – e até mesmo acesso à Amazônia. A soberania brasileira foi, literalmente, para o espaço.

As bizarrices e idas e vindas de Bolsonaro não impedem esse governo de aplicar a agenda do imperialismo e entregar o país. Com maioria no Congresso e apoio em setores de massa, o governo pode desmontar o Estado, vender o que resta de nossas riquezas e, ao final, deixar o País sem nada, como o trabalhador da bicicleta.

As ameaças à democracia aumentaram

O regime político, que havia sofrido mudanças desde o golpe parlamentar e que se aprofundou após a execução de Marielle e a prisão de Lula, continua se fechando, permitindo que a entrega do País e de direitos se complete. O fechamento do regime envolve todas as alas do governo, da Lava Jato aos militares.

Nestes cem dias, vimos as ameaças e o exílio de Jean Wyllys (PSOL) e da professora Débora Diniz (UnB), o aumento dos ataques a LGBTS e de casos bárbaros de feminícidio, da perseguição e execução de camponeses e indígenas, o bloqueio de sindicatos e ataques a professores.

O aprofundamento da situação política reacionária ocorreu em especial nos morros e periferias, contra negros e negras, por parte de policiais e militares. Em São Paulo, nos três primeiros meses, o número de pessoas mortas pela polícia aumentou 46%. A ação de soldados no Rio de Janeiro contra jovens em uma moto e contra um carro com uma família não são fatos isolados. Mostram o aumento da política de guerra contra os pobres, e a autorização para matar negros e negras, simbolizada no gesto de campanha e no silêncio do presidente. A violência policial contra a população negra aumentou, apoiada pelos governadores, como Doria, que condecora policiais que executaram criminosos, e Witzel, que já coloca snipers para atuar nas comunidades. Essa violência vai aumentar com o pacote do ministro Moro, que isenta policiais que matarem sob “forte emoção”.

Nada pode nos deixar esquecer ou menosprezar as graves ameaças do momento histórico atual. A Venezuela é alvo de uma tentativa de invasão. Lula permanece preso há um ano e não se sabe quem mandou matar Marielle. A extrema direita segue fortalecida e deputados bolsonaristas consideram que podem ir armados ao Congresso Nacional. As milícias seguem com seu poder intacto. Um terço da população acha certo comemorar a ditadura.

Reforma da Previdência, a grande batalha

A maior parte das medidas do pacote dos 100 dias do governo não se efetivou. Na prática, o governo Bolsonaro aposta alto na aprovação da reforma da Previdência, com uma proposta ainda pior do que a que derrotamos em 2017.

A resistência à reforma é a grande batalha do período e exigirá ampla unidade e uma Frente Única dos trabalhadores e de suas organizações. Os atos do dia 22 foram um primeiro passo da classe trabalhadora.

Os próximos cem dias serão decisivos. É preciso conquistar corações e mentes de milhares de trabalhadores, inclusive dos que acreditaram em Bolsonaro, sobre o significado da reforma, os retrocessos e o governo.

A maioria – 51% – está contra a reforma e percebe que não irá conseguir se aposentar, em especial as mulheres.

Precisamos conversar com os terceirizados, hoje maioria nas greves, com os desempregados e com os jovens precarizados, mostrando que o governo e as empresas não querem que eles se aposentem. E não se importam se continuar pedalando para um aplicativo, até não aguentar mais.

Os primeiros cem dias deste governo mostraram as graves ameaças aos direitos sociais e às liberdades democráticas. Mostraram, por outro lado, que é hora de o povo brasileiro – índios, negros e pobres, como na bandeira da Mangueira – resistir.