Desde a madrugada da quarta-feira (2), a população de Fortaleza e regiões vizinhas vivem uma escalada de violência. Vários ônibus já foram incendiados, prédios públicos, bancos, viadutos, viaturas da polícia e do Detran foram queimados, entre outros.
Não é a primeira vez que uma onda de violência desencadeada pelas facções do crime organizado ocorre no Ceará. Mas certamente já é a mais intensa. A população não tem transporte, menos de 30% da frota de ônibus circula sob escolta policial. A grande maioria dos trabalhadores se vira como pode para chegar a seus locais de trabalho, já que não há amparo na lei por faltas ou atrasos resultantes de onda de ataques urbanos. E, em época de ameaça presidencial de que o trabalhador tem que escolher entre ter emprego ou ter direitos, o desespero de tentar chegar ao trabalho coloca centenas de vidas em risco.
Diferente de ondas de violência anteriores, deflagradas por disputas entre as facções nos presídios, dessa vez o detonante foi o discurso de posse do Secretário da Administração Penitenciária, Luís Mauro Albuquerque. Recém-criada a Secretaria, Albuquerque foi convidado pelo governador Camilo Santana (PT) para o cargo, pela sua experiência no controle em presídios rebelados, função exercida em Alcaçuz (RN) após o massacre, em 2017, que terminou com 26 detentos assassinados.
No discurso, o Secretário afirmou que reuniria as facções no Sistema Penitenciário, que hoje estão separadas, e que não reconhecia as facções. Mas o fato é que, desde o ano passado, o governo tem adotado medidas de restrições no interior do sistema prisional, como o uso de bloqueadores de celulares. Isso tem gerado mais revoltas das facções.
Camilo pede Força Nacional de Segurança
Camilo Santana solicitou ao presidente Bolsonaro o apoio da Força Nacional de Segurança, Exército e Força de Intervenção Integrada (FIPI) para trabalhar em conjunto com a polícia do Ceará, após a onda de ataques. Camilo solicitou 1.500 militares do Exército, 500 da Força Nacional, além de 80 agentes penitenciários, mas o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, autorizou apenas o envio de 300 homens da Força Nacional e mais 30 viaturas que já começaram a chegar e permanecerão por 30 dias.
O governo também reforçou a segurança com a nomeação imediata de 220 novos agentes penitenciários e a nomeação dos 373 novos policiais militares. O petista, durante seu primeiro governo, adotou uma política na linha tradicional de enfrentamento aos problemas da Segurança Pública. Ainda assim, o que se vê são chacinas recorrentes, elevação da taxa de homicídios, crescimento da população carcerária e, consequentemente, crise no sistema prisional, que resguardada as desigualdades territoriais, é um dos mais graves problemas sociais que assolam o país e o estado.
Essa lógica de enfrentar um problema social com o incremento do uso das forças policiais tem catapultado o Brasil à terceira maior população carcerária, perdendo apenas para EUA e China. Já o Ceará, tem cerca de 30 mil presos, e é o segundo da Região Nordeste. Esse quadro, resultado direto de uma crescente miséria social, é expressão e também fonte de reprodução das facções do crime organizado.
Contudo, apesar de políticas que apostam no uso da força, o governador enfrentou crises anteriores e recusou propostas de ter agentes da Força Nacional no estado. Inclusive, sempre foi muito criticado pelos adeptos da “ideologia” ‘bandido bom é bandido morto’ e até mesmo pelo atual secretário Nacional de Segurança Pública de Bolsonaro, General Guilherme Theophilo.
A polêmica sobre como enfrentar o problema da Segurança
A opção de pedir o uso da FN pode ser explicada pela gravidade da situação, mas talvez esta seja simplista. A própria opção de Camilo pelo novo Secretário já é indício de uma linha de “endurecimento” nas políticas de enfrentamento às facções. Será lamentável se um governo petista aprofundar ainda mais a linha de recrudescer o uso da força diante de problemas sociais. Não serve ir pelo caminho dos que adotam discurso bélico, liberação da posse e porte de arma, e “símbolo da arminha” que em nada resolvem o complexo problema da violência urbana e do crime organizado.
A situação é grave e o problema um dos mais complexos. A FN pode até ajudar durante 30 dias a controlar o terror que paira sob o Ceará, mas o que detonam essas ondas de terror seguirão existindo e para além das fronteiras cearenses.
Em vez de encarcerar é preciso garantir trabalho formal e com direitos para o povo brasileiro e o cearense; em vez de tratar o tema das drogas como um problema moral, é preciso a legalização para quebrar o negócio do narcotráfico e do crime organizado. Garantir condições financeiras para todo adolescente ter acesso à educação pública; ampliação das cotas que possibilite o ingresso dos jovens à universidade, etc. Ou seja, tudo absolutamente diferente do que o governo Bolsonaro indica fazer. Portanto, para que a miséria social não se aprofunde ainda mais, e com ela a violência urbana, é preciso começar a mobilizar os trabalhadores, o povo pobre e todos os setores oprimidos, para barrarmos todos os ataques que Bolsonaro já começa a deflagrar.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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