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BRASIL

Direção do Athletico Paranaense tenta censurar torcida antifascista!

Vinicius Prado, de Curitiba, PR
Silhueta de um homem segurando uma bandeira e ao lado o símbolo do clube
Reprodução / Facebook

A diretoria do Clube Athletico Paranaense, liderada pelo seu presidente Mário Celso Petraglia, que nos últimos anos utilizou a estrutura e nome do clube inúmeras vezes para demonstrar apoio ao projeto político autoritário e de inspiração fascista que levou Jair Bolsonaro a Presidência da República, no último dia 28 de julho notificou o movimento de torcedores que se denominava CAP Antifascista, por suposto uso indevido da marca do clube, por estar associando à ideologias políticas.

Interessante ressaltar que tal preocupação veem de uma direção de clube que obrigou os jogadores a entrarem em campo com camisetas verde e amarelas com slogan que apoiava o então candidato da extrema-direita em 2018, a mesma direção que não viu problema em ter a imagem do clube associada a manifestações de apoio ao ex-juiz Sérgio Moro, e que também nunca se manifestou contra grupos que associam a imagem do clube a movimentos de extrema-direita.


Presidente do Clube.

A direção do Clube Athletico Paranaense vem de um histórico de elitização dos espaços do clube, principalmente através da política de preços altos de ingressos e planos de sócio torcedor que cada vez mais inviabilizam o acesso ao dia a dia do clube a parcela mais pobre da torcida. Se o clube hoje tem a força que tem, em muito se deve ao apoio que sempre teve de sua torcida, que é na sua grande maioria composta por trabalhadoras e trabalhadoras.

O histórico das relações políticas da atual direção mostra que a preocupação por trás da censura a torcida antifascista não está relacionada ao fato de a imagem do clube ser associada a uma questão política, mas ao fato de estar associada a uma posição política específica. Com essa ação a direção do Athletico ignora toda a pluralidade de pensamento que existe entre os milhares de torcedores e torcedoras do clube e tenta subordinar unilateral a imagem do clube a seus próprios interesses políticos.

O coletivo CAP Antifascista teve um papel importante junto a outras torcidas antifascistas de todos os clubes da capital paranaense no último período, tanto nas redes sociais quanto em atos nas ruas, e foi justamente essa intervenção na construção da luta contra o fascismo que atraiu a ira da direção do clube. A defesa do antifascismo só incomoda um tipo de gente, aqueles que estão alinhados de alguma forma ao fascismo.

Porém a luta contra o fascismo e também pela democratização do futebol não para e não pode ser impedida por ações burocráticas daqueles que se alinham com o projeto autoritário que esta sendo implementado no Brasil. O coletivo teve que alterar seu nome para “Resistência Atleticana Antifascista” por conta da ação do clube, mas seguirá organizado e intervindo na luta contra o fascismo e por uma sociedade mais justa e igualitária livre de todo tipo de opressão.

Confira abaixo a nota pública do coletivo.


NOTA DE ESCLARECIMENTO

No dia 28 de julho de 2020, o CAP ANTIFA, movimento de torcedores criado com o objetivo de lutar em defesa da democracia, recebeu com surpresa e incredulidade uma notificação extrajudicial do Clube Athletico Paranaense, assinada por seus advogados. A nota exige a imediata “retirada de todas as publicações que façam referência às marcas do Notificante”, sob a alegação de que as “manifestações e publicações realizadas têm potencial de abalar severamente a integridade e a reputação da marca do clube”.

Qual é a pessoa, instituição ou clube que procura se afastar e silenciar deliberadamente um movimento de torcedores que tem a defesa da democracia como única e exclusiva razão de existir? 

No meio de todas estas crises que vivemos em 2020, o futebol está no centro das atenções por três questões: primeiro, a questão sanitária que envolve a volta ou não aos gramados e em que condições; segundo, uma grande disputa política e financeira sobre modelos de gestão que já mudaram a configuração legal das formas de transmissão no Brasil, num cenário que agora está repleto de incertezas; por último, o uso político do futebol, algo que em si não é novidade, mas que nos últimos meses revelou para muita gente que havia um espaço de debate e ação política em grupos de torcedores que reagiram contra a ascensão do movimento autoritário patrocinado pelo discurso do governo federal.

Como não se insurgir contra ataques escancarados à democracia brasileira? Quem pode ser contra aqueles que lutam em defesa da democracia?

O mesmo Athletico que obriga jogadores a entrar de verde e amarelo, com uma faixa vergonhosa “TODOS JUNTOS PELO BRASIL”, em claro apoio ao então candidato da extrema-direita, que se apropriou de símbolos nacionais, e desrespeitando a pluralidade dos seus torcedores, quer agora censurar um movimento legítimo de torcedores ao proibir que se utilize a sigla CAP em manifestações que visam à defesa da democracia brasileira diante de um momento tão preocupante e delicado.

O mesmo Athletico, que persegue a principal Torcida Organizada do Clube pelo uso do escudo da Instituição, agora nos tem como alvos em potencial.

Compreendemos o Athletico Paranaense como um patrimônio de seus torcedores, de todas as classes sociais e não apenas da elite econômica de Curitiba e Região Metropolitana. O Clube de muitos, aos poucos foi se tornando um “bem de poucos”, com a criação de inúmeras barreiras que simplesmente impedem ou impossibilitam o acesso a milhares de torcedores da periferia e das classes menos favorecidas de sua massa de torcedores. Destaque-se que não vimos o Clube se manifestar da mesma maneira, contra outros websites, páginas de redes sociais ou quaisquer outras formas de manifestação, da mesma maneira que se manifestou contra a nossa organização. Defendemos princípios democráticos, a liberdade de organização e manifestação, a igualdade social e repudiamos qualquer tipo de discriminação de gênero, raça, cor ou credo. Portanto, quando o Clube coloca em campo um time com a camisa amarela apropriada como símbolo de um dos maiores genocidas da atualidade, não caberia uma “notificação extrajudicial” aos dirigentes cobrando explicações por tal atitude? Qual é a posição do Conselho Deliberativo?  Pau que bate em Chico ignora a existência de Francisco?  

É de se lamentar que a direção do nosso Clube se preocupe em reprimir seus torcedores, ao invés de dar ouvidos ao clamor das ruas que hoje, infelizmente, estão banhadas com o sangue de milhares de pessoas. A quem de fato o Clube quer proteger? A marca ou a política permanente e sistemática de exclusão do povo pobre dos seus espaços? A marca ou o governo genocida encastelado no poder em nosso país? 

A marca do Athletico Paranaense deveria ser um bem coletivo. Ela antecede a existência desses dirigentes atuais que aí estão e só existe graças a paixão de muitos. Ela também pertence aos torcedores pobres, favelados, às crianças da periferia, aos excluídos, da mesma forma que pertence àqueles que podem frequentar os jogos. Ela pertence a nós. Ela pertence à massa que vibra nas arquibancadas e também à que exige justiça nas ruas.

É preciso resgatar o caráter de cultura popular que tornou o futebol tão importante no Brasil. O grande historiador Eric Hobsbawm observou, que “o futebol carrega o conflito essencial da globalização”, porque expõe seu grande paradoxo: quer ser entidade transnacional do capitalismo, mas a matéria prima é feita da paixão e da fidelidade local dos torcedores com uma equipe. Para quem quiser entender a dimensão política e social do futebol brasileiro basta imaginar como seria a paisagem cultural do país sem o futebol e tudo que ele dá para as pessoas, coisas como a tradição, o ritual, o espetáculo dramático, o senso corporativo, de identidade, a hierarquia, a lealdade, um espaço para dar vazão ao espírito combativo, um dos poucos espaços no meio do grande mercado que é nossa vida que a arte e a beleza ainda são valorizadas. A atual gestão do clube Athletico Paranaense pode até tentar, mas não se pode jamais tirar o futebol do povo, um povo que está mais sofrido do que nunca.

❌❌❌ ANTIFA.

 

*Vinícius Prado é historiador, mestre em educação pela Universidade Federal do Paraná e pesquisador na área de políticas educacionais. Produz o canal Papo de Classe no Youtube.