Um dia a história contará a trajetória do primeiro gay assumido e orgulhoso a batalhar pelos direitos da população LGBT dentro do Congresso Nacional. Jean Wyllys foi três vezes eleito para deputado federal no país onde mais são assassinadas pessoas LGBTs em todo o mundo.
O futuro saberá o quanto o papel social das LGBTs brasileiras foi engrandecido por termos um de nós lá na Câmara. E o futuro se orgulhará de ter em sua história a memória de Jean Wyllys e seu mandato firme contra o golpe, firme enquanto os demônios do ódio se assanhavam nas tribunas do Congresso.
E o futuro abrirá um grande sorriso consolado quando souber que Jean Wyllys, odiado por defender a diversidade, teve o prazer de cuspir na cara do mal, do ódio, do medo. Por isso, Jean, e por tudo o que virá, muito obrigado.
Hoje o presente se entristece ao receber a notícia de que Jean foi impedido de assumir seu terceiro mandato consecutivo na Câmara e obrigado a sair do seu país pelas forças reacionárias que se tornaram maioria no poder. A violência política assassinou Marielle, Anderson e o Mestre Moa; arrancou o coração de uma travesti, mata brutalmente centenas de LGBTs por ano em nosso país. A violência política matou a nossa democracia e tem como um de seus troféus a prisão do Lula em Curitiba. Jean Wyllys, a partir de hoje, é um exilado político do Brasil pós-golpe e sob o domínio do ódio.
É lamentável que o presidente da República, seus filhos e apoiadores estejam comemorando. Mas também simbólico, pois comemoram aquilo que provocaram, são os únicos culpados. Bolsonaro foi eleito auxiliado pela covardia das fake news. A pessoa mais atingida pelas calúnias e difamadas foi Jean Wyllys.
Parte da população brasileira está cega pelo ódio e pelo medo. Os indivíduos do Bolsonarismo perderam o seu direito ao ar puro da liberdade, às belezas da diversidade e ao sabor da vida. Estão condenados ao seu próprio ódio e, assim, perecerão.
Jean não abandonou a resistência. O heroísmo não é individual. Onde quer que esteja, a carreira política desse lutador mostra que estará combatendo os retrocessos reacionários. A nossa luta é internacional. O crescimento das forças neoconservadoras e os retrocessos estão espalhados pelo planeta.
A esquerda mundial e todas nós LGBTs devemos respeito à decisão do Jean. Há que se ter muita coragem em assumir o medo e, mesmo sob ele, decidir seguir. Nós LGBTs sabemos que a nossa simples existência já representa uma resistência ao conservadorismo e frente àqueles que nos querem mortas.
Respeitem o Jean! Respeitem as LGBTs! Respeitem nossa história!
A história do movimento LGBT é marcada pela resiliência. Fomos perseguidas e mortas na Alemanha nazista. Fomos perseguidas e mortas nas “grandes democracia liberais” da Inglaterra e dos EUA na década de 1950, 1960 e 1970. Até a década de 90 parte de nós éramos consideradas doentes e até hoje a outra parte ainda o é. No Brasil, a Constituição que estamos defendendo nos negou o direito explícito à cidadania. Jean disse na sua entrevista que está “quebrado por dentro”. Quem de nós nunca se sentiu assim?
E, desgraçadamente, nossos algozes não foram apenas de direita. Fomos perseguidas nos Estados Operários burocratizados e degenerados. Herbert Daniel, revolucionário e gay, um dos heróis da resistência contra a Ditadura Militar no Brasil, teve de se manter no armário para ser aceito na organização de esquerda a qual ingressou. Quantas de nós, LGBTs e de esquerda, não nos vimos sob os olhares de desconfiança e temos de lutar para serem respeitadas nossas opiniões políticas ou acreditarem na nossa seriedade, convicção e compromisso.
Essa é a nossa história, resiliência. Bolsonaro não é o primeiro e nem será o último a derrotarmos.
“Enquanto os cães ladram, a caravana passa”
As portas não estão fechadas. A resistência seguirá e não soltaremos as mãos de ninguém, a começar pelas do Jean. Em 2019 completam-se 50 anos desde a Revolta de Stonewall, reconhecida como o grande exemplo de resistência LGBT da segunda metade do século XX. Somos Stonewall!
Há um longo caminho a percorrermos. Por Jean e por todas as vítimas da LGBTfobia e da perseguição covarde nossa resposta será a luta. A história está sendo feita, nela podemos escrever as páginas que contarão os tempos da resiliência de quando as LGBTs brasileiras se rebelaram contra o ódio e mudaram o medo para o lado de lá. Eles têm medo. Medo da nossa liberdade, do nosso amor, da nossa felicidade.
Por ironia do nosso tempo, sai Jean da Câmara e entra David Miranda, negro, gay e favelado. Obrigado, Jean. Força, David, estaremos juntos!
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