Pular para o conteúdo
OPRESSÕES

A saída de Jean Wyllys do PSOL

Sua importância e nossas divergências

Pierre Tazzo e Lucas Marques*

Jean Wyllys, no último dia 20 de maio, anunciou sua saída do PSOL para ingressar no PT. 

A importância de Jean Wyllys:

Jean Wyllys foi o primeiro deputado federal assumidamente gay defensor dos direitos da comunidade LGBTQIA+ no Congresso Nacional, afinal, Clodovil foi o primeiro gay, mas filiado ao PSDB, tinha posições conservadoras e até mesmo contrárias à comunidade. 

Jean é baiano vindo da Baixa da Candeia, no  interior da Bahia. Foi dado como morto ao nascer, tamanha desnutrição, mas sobreviveu e superou até a fome! E ainda quando criança, já sofria com a homofobia dos mais velhos. Vindo da teologia da libertação, deu seus primeiros passos na política junto às Comunidades Eclesiais de Base. Na educação ele enxergou uma forma de mudar de vida! Tornou-se jornalista, professor universitário e defensor dos direitos da comunidade LGBTQIA+ junto ao Grupo Gay da Bahia durante os anos 2000. Em 2005 Jean se assumiu gay em rede nacional no Big Brother Brasil, sofrendo com ataques homofóbicos dentro e fora do programa. Mesmo assim, com sua garra, inteligência e orgulho, Jean venceu o programa mais popular do país em anos em que pouco se falava de homofobia e orgulho LGBTQIA+ na grande mídia. 

Em 2010 saiu candidato pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) no estado do Rio de Janeiro, sendo eleito deputado federal. Único gay assumido do Congresso Nacional, Jean foi um ferrenho defensor da comunidade LGBT, como também dos direitos humanos. Teve atuação marcante dentro do parlamento brasileiro. Propôs leis sobre a legalização da maconha para o enfrentamento à criminalização da pobreza, o casamento civil igualitário, a tipificação da homofobia nos crimes de ódio, sendo contrário à criminalização da injúria LGBTfóbica, por compreender que a cadeia não educa, propôs ainda a lei João Nery que daria direito ao nome social para pessoas trans, a lei Gabriela Leite que regulamentaria e daria direitos às prostitutas, projeto este proposto e auto organizado por uma organização de prostitutas e entregue a Jean. Deputado e também jornalista, Wyllys foi defensor da regulação do monopólio da mídia. 

Jean foi parte de um momento político e histórico do nosso país no qual a pauta LGBTQIA+ foi um dos grandes temas no debate público. No ano em que foi eleito para o primeiro mandato, Dilma era eleita presidenta com a famigerada “Carta ao Povo de Deus” que representava o compromisso do PT em não avançar com pautas fundamentais, como a legalização do aborto e em defesa da família e seus valores, cedendo às pressões do fundamentalismo religioso que era base dos seus governos. Jean foi linha de frente do enfrentamento a estes setores, sendo uma das principais figuras na polêmica sobre o Kit Escola Sem Homofobia, chamado de “Kit Gay” por deputados conservadores como o Pastor Marco Feliciano e o então deputado Jair Bolsonaro. Infelizmente o governo Dilma acabou vetando o kit em 2011, deixando de implementar uma política que cumpriria um papel muito fundamental no combate à LGBTfobia. Em 2013 Marco Feliciano é eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, fato que culminou nos atos Fora Feliciano, antessala das jornadas de junho de 2013 nos quais o PSOL cumpriu um papel protagonista sobretudo na figura de Jean.

Antagônico ao projeto de Bolsonaro, Jean enfrentou por diversas vezes, cara a cara, o ex-deputado e atual presidente genocida, no Congresso Nacional. Quando da votação do impeachment de Dilma Rousseff na câmara, o show de horrores no qual deputados da direita votaram “em defesa da família”, “contra a ideologia de gênero”, entre outras bizarrices, para efetivar o golpe contra o governo do PT, Jean junto aos demais parlamentares do PSOL tiveram a correta posição de votar contra e repudiar o golpe parlamentar em curso.

Jean foi vítima sistemática das Fake News, era um dos alvos prioritários do Bolsonarismo. Foi acusado falsamente de defender a pedofilia e de propor um projeto de lei de alteração na bíblia. 

Resultado do Golpe de 2016 e do avanço do fascismo, o mesmo contexto político que vitimou Marielle em 2018, Jean vivia constantemente sob ameaças à sua vida e de sua família nas redes e nas ruas. Ameaças essas que chegaram ao seu ápice na eleição de Bolsonaro Genocida em 2018, o que fez com que, mesmo eleito legitimamente, tivesse que se refugiar fora do país, tornando-se o primeiro exilado político do país governado por Bolsonaro. 

Jean foi e segue sendo uma grande referência para os jovens ativistas de esquerda, em especial para as LGBTQIA+. Foi o primeiro parlamentar abertamente LGBTQIA+ e ativista da pauta, abrindo caminho dentro do próprio PSOL para diversas figuras importantes que vieram depois e permitindo que o partido tivesse grande importância e fosse uma grande referência política para o conjunto das LGBTQIA+.

Nossas diferenças:

Temos nossas diferenças com Jean em relação às suas posições políticas sobre o caráter do Estado de Israel, sendo este um Estado genocida contra o povo palestino ao longo de mais de sete décadas. Mesmo que Jean tenha ido dialogar com judeus de vertentes ditas de esquerda e defensoras do Estado Palestino, sua ida a Israel e sua postura após a viagem dão sinais de profunda divergência daquela que é a  postura do PSOL, que defende o boicote ao Estado genocida de Israel, por uma Palestina única e laica. posição a qual fazemos parte.

Jean sempre teve uma postura de parlamentar independente das correntes do PSOL, se negando inclusive a participar de debates congressuais, o que em nossa visão prejudica a atuação das e dos parlamentares, correndo o risco de cometer posturas personalistas e pouco centralizadas em um política coletiva e muitas vezes nacionalizada, como boa parte das correntes que compõem o PSOL. 

A ida de Jean ao PT pela justificativa, que segundo ele  “As pesquisas mostram que Lula é o único capaz de tirar Bolsonaro do poder. Decidi me filiar ao partido para fortalecer ainda mais sua candidatura. Agora é hora formar uma frente democrática, e não fragmentá-la’’, em nossa opinião é um grave equívoco. 

A defesa da unidade dos partidos da classe trabalhadora para a luta e para as eleições não deve e não pode servir para abrir mão do PSOL como alternativa política de esquerda. O PSOL pode e deve cumprir um papel importante na construção de uma verdadeira frente de esquerda! Mas isto só poderá ser feito conjuntamente, com um programa que defenda a revogação do teto de gastos e da reforma trabalhista, que defenda auxílio emergencial de 600 e 1200 reais, que garanta a vacinação em massa da população, que se comprometa com a taxação das grandes fortunas e dos dividendos dos grandes acionistas, com o controle social das polícias militares, com o desarmamento da população, com a luta contra o genocidio indigena e com o enfrentamento ao encarceramento do povo negro, com a tipificação por lei da transfobia e homofobia nos crimes contra a vida, com a superação de uma matriz energetica poluente e não renovável, assim como do extrativismo, da monocultura e do agronegócio.  

No marco da importância da construção da luta unitária neste momento, não podemos abrir mão do balanço do que foram os governos de conciliação de classes do PT, que tiveram sim medidas importantes para a classe trabalhadora, mas que poderiam ter ido muito mais longe no que toca a implementação de reformas estruturais. Mais do que isso, os próprios setores da direita que eram parte do governo foram parte do processo que culminou no golpe parlamentar em 2016, como o PMDB.

Na pauta LGBTQIA+ em específico, o PT cedeu ao fundamentalismo várias de nossas pautas, concessões programáticas que cobraram um preço altíssimo com o fortalecimento da extrema-direita.

É um erro acreditar que somente uma figura, e não em um programa de unidade nas diversidades da esquerda, possa derrotar Bolsonaro. 

Temos nossas divergências políticas com Jean Wyllys, mas elas também não podem servir para reduzir Jean a elas, ou produzir desprezo contra tudo o que Jean representa e representou no PSOL, afinal, Wyllys foi a primeira referência positiva de homossexualidade à esquerda de muitos jovens e adultos, em um país que só colocava LGBTQIA+ para ser chacota na TV.  Sabemos que a defesa das diversidades e dos direitos humanos das ‘minorias’ desde 2010 só seriam possíveis no Partido Socialismo e Liberdade que desde então tem sido o partido das LGBTQIA+, Negros e Negras, Feministas, anti-proibicionistas todos estes trabalhadores e trabalhadoras.

Discordamos politicamente, mas respeitamos profundamente a história e trajetória de Jean e o papel que cumpriu para a luta de todas, todos e todes os oprimidos deste país. Apesar da mudança de Jean Wyllys do PSOL para o PT, certamente continuaremos juntes na luta contra a LGBTQIAfobia, por vacina para todes, auxílio emergencial de R$600 e pelo Fora Bolsonaro.

Conheça parlamentares LGBTQIA+ do PSOL: Iza Lourença, Carol Iara, Erika Malunguinho, Benny Briolly, Erika Hilton, David Miranda, Linda Brasil, Robeyonce Lima, Isa Penna…

*Militantes do Afronte!

Marcado como:
jean wyllys / lgbt