Por: Victor Wolfgang Kegel Amal, de Florianópolis, SC
Nesta segunda feira (26), acompanhado por 84 milhões de expectadores, ocorreu o primeiro debate entre os candidatos à presidência dos Estados Unidos pelo partido Democrata e Republicano: respectivamente, Hillary Clinton e Donald Trump. Desde o fim das eleições primárias em julho que decidiu qual seria o candidato por cada partido, Hillary Clinton vinha abrindo vantagem considerável em relação a Trump após o comício do Partido Democrata. Isto se deve, em parte, ao fato de que setores importantes do Partido Republicano vinham se negando a participar da campanha de Trump. Não somente o ultra-conservador Ted Cruz, derrotado por ele nas primárias, mas também do próprio governador da Flórida Jeb Bush (irmão de George W. Bush). O estilo populista de direita e mediático de Trump inspira desconfiança e cheira a aventureirismo para a sólida tradição conservadora republicana.
A vantagem aberta por Hillary deve-se também à repercussão de novas gafes proferidas pelo republicano como as ofensas contra os militares muçulmanos que se manifestaram em defesa de Hillary, o que feriu o nacionalismo de muitos eleitores de direita. Estes fatos, entre outros que expressam sua ideologia sexista, racista e xenófoba, estavam levando a um setor de indecisos, e até mesmo republicanos moderados, a se voltarem para a campanha de Hillary, fazendo com que ela abrisse 6% de vantagem sobre Trump.
Contudo, a forte rejeição à candidatura de Clinton, vista como parte do establishment e, portanto, responsável pela não melhora na qualidade de vida dos trabalhadores pós-crise de 2008, dificulta que ela consiga manter firme o eleitorado que pareceu estar caminhando em sua direção em agosto. A intensificação dos conflitos raciais nas últimas semanas é uma expressão dos problemas sociais que vêm se agravando na medida em que a economia não se recupera. Esses fatos se chocam com as promessas de Barack Obama em avançar na solução da questão racial. O expressivo apoio obtido por Bernie Sanders contra a candidatura de Hillary Clinton nas primárias do Partido Democrata nada mais é do que expressão desse sentimento de que com o establishment a situação não melhora.
A verdade é que uma parte do eleitorado manifesta sua preferência pela candidata democrata muito mais por hostilidade à Trump do que afinidade por Hillary. Assim, qualquer fato novo faz oscilar a disputa. Há três semanas, Trump soube tirar vantagem de sua viagem ao México que serviu para consolidar sua base em um momento em que Hillary vinha abrindo vantagem. Já, há duas semanas, pesou contra Hillary a forte especulação sobre a gravidade de sua doença. Ela se intensificou após sofrer um desmaio durante a cerimonia oficial de “11 de Setembro”, o que lhe custou o afastamento por uma semana da campanha.
Tudo isso fez com que ao longo das semanas o percentual de diferença entre ambos diminuísse para 2%, com 46% para a candidata democrata e 44% para o republicano. Um empate técnico, levando em conta a margem de erro de 3% na pesquisa. Portanto, o clima em que se dá o debate desta segunda-feira era de que quem se saísse melhor poderia obter vantagem sobre o outro nas intenções de voto.
Os principais temas abordados pelos dois durante o debate foram o racismo sistêmico da sociedade norte-americana, a política externa e o combate ao Daesh (Estado Islâmico) e a crise econômica e a geração de empregos.
Racismo
Uma semana antes do debate, na cidade de Charlotte na Carolina do Norte, um homem negro foi assassinado a tiros pela polícia sob a alegação de que este lhes apontava uma arma. Segundo testemunhas, a vítima portava apenas um livro, e as gravações evidenciaram que o homem assassinado não apontava nada em direção aos policias. Ou seja, mais um episódio no massacre contra o povo negro praticado pelas instituições do Estado norte-americano.
Esse fato gerou grande comoção popular e uma série de protestos radicalizados que levaram o prefeito da cidade de Charlotte a declarar estado de emergência. Situação semelhante às que ocorreram no último ano em Ferguson e Detroit, que vem impulsionando o movimento de resistência “Black Lives Matter” (Vidas Negras Importam).
Ao ser perguntado pelo mediador quanto à sua posição frente à escalada de violência policial contra a população negra, Trump apenas falou na necessidade de preservar a “lei e a ordem” e a “cooperação” entre a força policial e a comunidade. Não falou em nenhum momento sobre as arbitrariedades policiais cometidas sucessivamente e que resultam em mortes diárias.
Clinton se utilizou desse tema para desmoralizar o racismo de Donald Trump. Além de denunciar a omissão do republicano sobre o assunto, lembrou que ele se negou a reconhecer a nacionalidade norte-americana de Barack Obama durante a última eleição presidencial, quando afirmou que o primeiro presidente negro dos Estados Unidos era na verdade estrangeiro, discurso que alimentou sentimentos racistas contra Obama, e ignorados por Trump. Além disso, citou o processo contra Trump que ocorreu na década de 70 por ele ter se recusado a alugar imóveis para pessoas negras.
Apesar disso, Hillary oscila entre o apoio e a desconfiança dos movimentos sociais, principalmente o Black Lives Matter. O fato de ela ser apoiada pelo mercado financeiro e ter participado de um governo que nada fez para deter os ataques de policias contra a população negra gera certo distanciamento em parte dos ativistas jovens e trabalhadores norte-americanos (alguns declararam voto em Jill Stein, do Partido Verde).
Política Externa e combate ao Estado Islâmico
O debate sobre a política externa norte-americana foi um dos momentos em que Trump tentou se sobressair sobre a candidata democrata. Para ele, apesar de ter sido um erro Bush ter invadido o Iraque em 2003, foi um erro ainda maior Obama ter retirado prematuramente as tropas norte-americanas do país. Segundo Trump, o vácuo de poder causado pela destruição do exército iraquiano e do partido baathista, sem a manutenção do exército norte-americano na região, foi responsável pelo surgimento do Daesh (Estado Islâmico) e da intensificação do terrorismo global. Além disso, Trump defende que a OTAN deveria passar a cobrar mais dinheiro dos países membros da organização. Segundo ele, os Estados Unidos está “protegendo” estes países de graça. Sua linha de política externa defende uma espécie de “isolacionismo”, no sentido de que os Estados Unidos não devem gastar dinheiro “implementando a democracia” ao redor do mundo.
A verdade é que a política imperialista dos Estados Unidos de intervir politicamente em países estrangeiros – e invadi-los quando preciso – a fim de controlar territórios geopoliticamente estratégicos ou ricos em recursos naturais como petróleo e gás (Iraque), vai para além da disputa presidencial. É uma política deliberada do capital norte-americano e levada a cabo pelo exército e o Departamento de Estado ao redor do mundo. Segundo o geógrafo marxista David Harvey, esse “novo imperialismo” dos Estados Unidos é condição do atual caráter espoliativo da acumulação de capital.
Hillary Clinton sabe muito bem disso. Como secretária de Estado, foi um dos principais quadros norte-americanos na política internacional durante os últimos anos. No debate, a democrata reafirmou a necessidade de os Estados Unidos continuarem a intervir militarmente no Oriente Médio, inclusive intensificando os bombardeios no Iraque e Síria, supostamente como forma de combate ao Daesh.
Crise econômica e geração de empregos
Um dos motivos fundamentais pelo qual o discurso de Trump ganha tantos trabalhadores norte-americanos, com propostas esdrúxulas e contra todos os políticos, se deve à questão objetiva da diminuição dos salários e da oferta de empregos nos Estados Unidos. Contudo, no debate com Hillary, Trump não defendeu as propostas mais xenofóbicas e racistas que vinha apresentando na disputa interna do Partido Republicano.
Nos debates das primárias, o candidato republicano associava o desemprego e os baixos salários à enorme presença de imigrantes, principalmente mexicanos e latinos, que estariam roubando os postos de trabalho dos norte-americanos. Frente a isso tem defendido a deportação imediata de todos os imigrantes ilegais dentro do país e a construção de um muro entre os Estados Unidos e o México, pago pelos próprios mexicanos.
Desta vez, Trump quis mostrar uma expressão mais “light” de si mesmo com a intenção de se aproximar do eleitorado ainda indeciso. Defendeu apenas que a diminuição da qualidade de vida dos trabalhadores é resultado de maus negócios com países estrangeiros, particularmente China e México. E como ele, Trump, é um empresário com muitos milhões e conhecimento em negociações, o republicano iria garantir acordos melhores que trouxessem mais empregos para os norte-americanos.
Apesar de Hillary Clinton incorporar propostas de Sanders a contra-gosto como a crítica ao Tratado de Trocas do Pacífico (TTP) e o abono das dívidas de estudantes em universidade, ela apresentou um programa que pouco difere do que vem sendo aplicado pelos governos de Barack Obama. Ou seja, diminuição de salários e direitos trabalhistas como forma de “alavancar o crescimento econômico”. A discussão entre ambos, nesse quesito, residiu na questão do aumento moderado de impostos para os super-ricos no caso de Clinton ou na redução drástica para a mesma faixa social no caso de Trump, como forma de estímulo ao crescimento.
Balanço do debate
Para 62% do publico que assistiu o debate, de acordo com as pesquisas preliminares da CNN, Hillary Clinton se saiu melhor. A exposição do racismo, xenofobia, sexismo e as mentiras descaradas de Donald Trump contribuíram para esse resultado.
Contudo, isso não significa uma vitória antecipada de Hillary. Ainda haverá mais dois debates e mais de um mês de campanha. Em 2000, Al Gore saiu do debate contra George Bush com ares de vitória, e foi surpreendido posteriormente nas urnas. Em 2012, foi a vez de Mitt Romney ganhar o debate contra Obama e levar a pior depois na votação.
A questão é que Hillary tem pouca simpatia por parte do eleitorado norte-americano e é vista como parte do establishment, responsável pela falta de saúde, educação e emprego para os trabalhadores norte-americanos. Em curto prazo, o resultado do debate pode aumentar as chances de Hillary. Mas até o fim da campanha, nada está garantido. Nenhum dos dois candidatos goza da confiança da população. No debate procuraram explorar o ponto fraco do outro. Isso ajudou a expor a falta de uma alternativa burguesa à altura da situação, reflexo da própria decadência do imperialismo americano.”
Saiba Mais
Hillary Clinton e Donald Trump fazem primeiro debate sobre presidência dos EUA
Comentários