No dia 22 de outubro, na semana anterior a eleição, o policial civil Pedro Paulo Chaves Mattos, com outros colegas, ajudou a fazer o cordão de segurança da manifestação em Natal (RN), de mãos dadas com dezenas de trabalhadores sem-terra, do MST. “Foi algo para ficar na memória de todos”, lembra o policial, de 32 anos. Nesta entrevista ao Esquerda Online, feita ainda antes do segundo turno, o integrante da coordenação do Movimento Policiais Antifascismo no Rio Grande do Norte fala sobre o movimento, analisa os motivos para o crescimento do neofascismo e discute o papel dos policiais na sociedade. Formado em História em João Pessoa (PB) e cursando Direito na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN), Pedro, ou “Che”, como é conhecido pelos colegas, destaca o papel dos policiais como “retaguarda da sociedade” e condena o ódio e os revanchismos.
O que é o movimento de policiais antifascismo? Como vocês se organizam? E como são vistos pelo conjunto da corporação?
Pedro – O movimento é uma ação nacional, não existe apenas no Rio Grande do Norte, alcançamos todos os Estados da Federação e o Distrito Federal, e temos como estrutura os operadores de segurança pública, abrangendo dessa forma Policiais Civis, Militares, Federais, Rodoviários Federais, Agentes Penitenciários, Guardas Municipais, Agentes de Trânsito e com a possibilidade de integração de membros das Forças Armadas. Nossa organização é federativa, cada uma das células têm liberdade de gestão e de ação, mas por óbvio seguindo as linhas programáticas do movimento. Não há qualquer espaço de flerte com o conservadorismo.
A opinião que alguns têm sobre nós, fruto da ignorância pelo desconhecido, é a de que não passamos de traidores, infiltrados, “vagabundos”; por mais que isso não passe de um profundo vício de interpretação. Mas era o esperado. Se eles dessem uma atenta e sincera leitura às nossas ideias, estariam ao nosso lado nesta luta. Entre nossas linhas está o respeito ao profissional de segurança pública, deixando claro que isso não é uma via de mão única. E essa é uma das razões da incompreensão.
Como você avalia o avanço de expressões neofascistas no Brasil e o papel das Forças Armadas?
Pedro – Temos uma cultura, presente também, de forma mais tênue, na esquerda, de que a política é um pardieiro de pilantras. Então algo a ser desvalorizado como força motriz de mudança de realidade social. Junta-se a isso a incompetência do Estado brasileiro em promover a segurança – nós temos uma realidade, a nível de escala, sem precedentes no mundo. Há, a partir disso uma sensação de insegurança que domina algo perto de 90% da população.
Essa mistura, com toques de provincianismo cultural, jogou nosso povo ao deleite de projetos fascistas. Isso poderia ter se dado à esquerda, mas como a temática segurança pública é tratada com mais intensidade pela direita, juntando-se a isso o fato de termos tido mais de uma década de governo do PT, essa busca por um rompimento, por burlar as regras do jogo democrático, se direcionou para à direita, sob um viés não apenas autoritário, mas fascista.
No mundo todo, assim como as forças policiais, as forças armadas são admiradas e não temidas. Está claro que não fizemos o devido trabalho a respeito de nosso passado anti-democrático e os fantasmas de outrora ressurgem sem a mínima vergonha.
Confesso que esperava uma conduta mais neutra por parte das Forças Armadas, por tudo o que infelizmente promoveram em seu passado não tão distante, deveriam eles serem os “maiores patriotas”, ou simplesmente patriotas, e não aqueles a fomentar o desmantelamento do Estado Nacional em todas as suas acepções.
Aqui em Natal tivemos uma atuação histórica do grupo de policiais antifascistas em unidade com os movimentos sociais durante a campanha pela democracia e em algumas atividades de rua, como no último ato do dia 22. Como foi essa experiência? Como se sente fazendo parte dessa história?
Pedro – Policiais e movimentos como o MST juntos defendendo a retaguarda da manifestação foi algo para ficar na memória de todos. Tinha um extremo respeito por aqueles que militam na causa campesina. O Brasil, um país continental, se não me engano é um dos dois países ocidentais a não ter implementado um programa de reforma agrária.
Esse pessoal é marginalizado pela mídia (a partir de campanhas fomentadas pelo agronegócio), só podendo contar com a ajuda solidária daqueles que reconhecem o valor de sua causa e do seu companheiro ao lado. É um movimento de uma resistência absurda.
Nós, os policiais antifascistas, nós sentimos honrados com a estima com que somos tratados por todos os movimentos, isso nos encoraja.
Eu estava lá como alguém que sempre teve profunda admiração, como um irmão mais novo, mas acho até que mais curioso seria o que deve ter vindo a cabeça deles, policiais aqui ao meu lado?
O Esquerda Online agradece pela entrevista. Para terminar, deixe uma mensagem aos policiais.
Pedro – Enquanto policiais, temos um lugar honroso – somos o último recurso daqueles que são atacados. Para o nosso trabalho devemos nos utilizar de duas ferramentas, uma que nós é dada e outra que se encontra dentro de nós. O Direito e a humanidade. O Direito é o que estabelece nossa forma de condução e comunicação de nossas ações para aqueles que rompem as leis, ou àquele que foi vítima de violência.
Somos aqueles que irão mostrar para todos os lados e para os que estejam assistindo que, apesar dos pesares, apesar do egoísmo humano, da crueldade, a sociedade não tolera excessos contra os seus, mesmo aos que insistem em agir mal.
Só haveria um motivo que pode nos fazer transgredir ao Direito: a humanidade. Há de se evocar a humanidade quando for por amor, por piedade, caridade, mas nunca por revanchismo, vingança, justiçamento, para que não nos afastemos de nossa premissa maior, o Direito. A nós, a retaguarda da sociedade, cabe mais do que a qualquer outro, o respeito àquilo que expressa a vontade coletiva, em nome das gerações passadas, presente e futuras.
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