Me enterrem com os trotskistas
Na cova comum dos idealistas
Onde jazem aqueles
Que o Poder não corrompeu – Paulo Leminski
O termo trotskista foi criado pelos adversários políticos de Leon Trotsky. Um termo que começou a ser usado de forma pejorativa, ruim, estigmatizante, em especial após a chegada de Stalin à direção do Partido Bolchevique, e da União Soviética, e da burocratização do próprio Partido bolchevique e da Internacional Comunista.
Durante a segunda metade da década de 20 e ao longo da década de 30, ser taxado de trotskista era o mesmo que ser chamado de revisionista, contrarrevolucionário, agente do imperialismo. O stalinismo e os coveiros da revolução russa, por meio de falsificações e mentiras, tratavam de pintar Trotsky e aqueles que concordavam com o fundador do Exército Vermelho como verdadeiros demônios, e faziam isto porque viam no antigo presidente do soviete de Petrogrado um perigo real para o domínio que começavam a ter na URSS.
O resultado da política de caça as bruxas feita por Stalin e pelos burocratas do Kremlin, foi a expulsão do partido, prisão e assassinato de pelo menos 30 mil trotskistas na URSS. Stalin precisou liquidar fisicamente aqueles opositores que se alinhavam com Trotsky, pois estes eram o último elo que restava entre o ano da Revolução, 1917, os anos seguintes de consolidação do poder soviético e da Guerra Civil, e aqueles anos atuais de um partido monolítico, burocratizado, sem democracia interna, com políticas que levavam o país ao isolamento e crises constantes.
Os trotskistas dos longínquos primeiros anos da década de 30 preferiam se denominar “bolcheviques-leninistas”, “marxistas revolucionários”, “comunistas internacionalistas”, algo que não passava de alguns pleonasmos necessário para se apresentar de forma diferente daquele comunismo estático que era apresentado pela burocracia.
Ao longo dos anos, passaram a aceitar a denominação que lhes eram taxada. O termo trotskistas passou a ser reivindicado por aqueles que se aproximam teoricamente da bagagem programática feita por Leon Trotsky. Estes enxergam no internacionalismo a chave para a questão da revolução, pois sabemos que o socialismo só é possível em escala internacional, visto o papel de contenção das forças produtivas que as fronteiras e o Estado Nacional realizam, assim como enxergam a ameaça do imperialismo, que precisa ser combatido. Os trotskistas adotam a revolução permanente como programa necessário para a libertação da humanidade do julgo do capital. E não se identificam com os regimes burocráticos do “socialismo real”, porque para os trotskistas democracia e socialismo não antagônicos, muito pelo contrário, são palavras e concepções que andam juntas.
O trotskismo teve ao longo de sua história um gigantesco arsenal de táticas. Desde a política de Frente única, a questão de como combater o fascismo, passando pelo entrismo. Um arsenal vasto que se adequa a cada situação concreta da luta de classes.
Leon Trotsky foi, ao lado de Lênin, o principal dirigente da Revolução Russa. Ele estudou como ninguém a vitória de uma revolução socialista em um país atrasado, e a explicou por meio da teoria da revolução permanente, e depois explicou porque essa mesma revolução degenerou-se desenvolvendo explicações sobre o que era e como foi possível a burocracia stalinista, e qual a alternativa para combater a mesma.
Trotsky defendeu a necessidade de uma revolução política que tirasse a burocracia do poder e trouxesse de volta a democracia operária. Descobriu e desenvolveu o caráter desigual e combinado das leis do desenvolvimento histórico. Combateu a teoria do socialismo em um só país, contrapondo a esta o caráter internacional da revolução, e infelizmente acertou na previsão sobre a restauração do capitalismo na URSS. Assim como fez a leitura correta sobre a ascensão do fascismo na Alemanha e a necessidade de combatê-lo, coisa que não foi feito pela direção da Internacional Comunista. Porém, ele também cometeu erros, quando falou que após a segunda guerra a recém fundada IV Internacional teria peso de massas. Apesar de suas inúmeras contribuições teóricas, políticas e práticas para o movimento operário internacional, para Trotsky sua maior obra havia sido a fundação da IV Internacional.
Hoje, 80 anos depois da fundação da mesma, aqueles que reivindicam o legado do Velho estão dispersos, ainda minoritários no movimento de massas, divididos em pequenos e médios agrupamentos, grupos que ultrapassam a casa das centenas ao longo do globo, cada qual, salvo raras exceções, com sua auto-afirmação de ser o verdadeiro herdeiro da Revolução Permanente e da bandeira da IV Internacional.
Dessa forma, hoje, quando falamos sobre trotskismo, não falamos no singular, mas sim no plural, existem trotskismos, que se diferenciam um do outro a partir de uma leitura histórica das tarefas postas e das respostas que deveriam ser dadas para elas. Existe trotskismos para todos os gostos e cores.
Os acontecimentos pós-segunda guerra, e as explicações que cada corrente vai dar para os mesmos, assim como para os novos Estados Operários que surgiam, são de diferenças gigantescas. Somasse a estas diferenciações políticas com realidades nacionais e culturais distintas, seja na forma de se organizar, na questão do regime interno do partido, importância do parlamento, entre outras coisas, e temos assim “tribos” de trotskismos espalhadas em cada local do mundo. Um trotskismo latino-americano, um trotskismo europeu, como foco na França, um trotskismo asiático com suas particularidades, um trotskismo anglo-saxão, com peculiaridades únicas.
Pablo, Mandel, Cliff, Cannon, Moreno, Grant, cada um destes grandes teóricos do hall do trotskismo consideram a Revolução Russa como uma revolução, o bolchevismo como modelo, a Revolução Permanente como Programa e veem em Stalin o coveiro da revolução, assim como enxergam o primeiro Plano Quinquenal e os expurgos do grande terror dos anos 30 como uma virada contrarrevolucionária. Ao mesmo tempo cada “tribo” do trotskismo tem sua leitura que se diferencia da leitura feita pelo grupo ao lado, muitas vezes leituras diferentes sobre o mesmo fato e cada grupo usando o arsenal deixado por Trotsky.
Para os trotskismos pós-segunda guerra, a questão da contrarrevolução stalinista ocupa um lugar central. A compreensão de como a primeira revolução operária vitoriosa se degenerou ao ponto de se transformar em um regime de terror burocrático, que ao mesmo tempo mantém as bases operária do novo Estado criado após a Revolução Russa, é um divisor de águas nas fileiras do trotskismo. Como definir o fenômeno do stalinismo? Qual seu caráter de classe? Poderia em determinadas ocasiões a burocracia soviética ter um papel progressista? Qual o caráter de classe da União Soviética? Como devemos nos posicionar e quais políticas devemos elaborar a partir daí? Estas foram às primeiras perguntas que os trotskistas da década de 30 e 40 tiveram que responder, e das respostas surgiram às primeiras sérias divergências no seio do movimento.
Com o surgimento do fascismo e das lutas de libertação nacional, novos questionamentos foram sendo postos por parte da realidade, que exigia respostas da recém fundada Quarta Internacional.
A necessidade de se organizar uma nova Internacional. O dialogo com organizações centristas e com os antigos partidos socialistas, a frente única operária e a luta contra o fascismo, as reivindicações transitórias, a defesa da União Soviética e o combate a direção stalinista e burocrática, a diferença entre a revolução permanente e a teoria do socialismo num só país, são alguns dos temas que vão marcar o primeiro capitulo da história do trotskismo como corrente organizada internacionalmente.
No capitulo seguinte dessa história, a dificuldade em lidar com os novos Estados Operários que surgiam, assim como com as direções dos mesmos, gera perguntas e inquietações tão importantes quando da década anterior. A resposta que cada dirigente vai formular servem como motivo de diferenciação até hoje entre os grupos herdeiros da árvore do trotskismo. Diferenciações seguidas de acusações como reformista, pelego, capitulador, e um longo etc.
Na maioria dos casos, os diferentes grupos trotskistas prezam mais pela diferenciação entre eles, do que as semelhanças. O habito de está lutando sempre contra a maré, de acabar isolado do movimento de massas, pode gerar um apresso orgânico pelo sectarismo. Os trotskismos, salvo raros momentos e raras exceções, estiveram afastados do movimento de massas, sendo minoritários, não conseguindo superar a marginalidade. Isto gerou uma desproporção entre a atividade teórica dos grupos, e a aplicação prática da política elaborada. Sem possibilidade de testar na realidade e no movimento de massas a linha tirada, cada tribo do trotskismo desenvolveu uma ortodoxia doutrinaria, levando a auto-proclamação, a um fetichismo dogmático, e a uma disputa desproporcional e autodestrutiva entre as correntes herdeiras do legado do fundador da IV Internacional.
As divergências táticas e momentâneas tomavam forma de divergências estratégicas e programáticas irreconciliáveis, como se fossem questões de vida ou morte, ou como se destas divergências táticas dependesse o futuro da revolução mundial, gerando assim cisões nas organizações e dispersões dos grupos trotskistas.
Dessa forma, 80 anos depois do Congresso de fundação da IV Internacional, vale a pena reivindicar o seu legado? Em nossa opinião, sim. Um teórico não pode ser culpado pelo erro daqueles que interpretam e reivindicam sua teoria. Graças à fundação da IV Internacional foi possível manter o acumulo teórico e programático fo marxismo revolucionário e pelo bolchevismo. Graças a IV Internacional foi possível manter um elo entre a história da Revolução Russa vitoriosa, e agregar a esta, leituras sobre os processos revolucionários derrotados na década de 20 e 30, impedindo que por meio da falsificação do stalinismo a tradição iniciada por Lênin visse a se perder e desaparecer. Sem a IV Internacional os grupos de oposição ao regime stalinista existente em cada país possivelmente não resistiriam à pressão do aparato burocrático e a força do imperialismo. A IV Internacional foi um vinculo político entre estes grupos isolados, que impediu a dispersão e contribuiu para o fortalecimento destes.
Os militantes quartistas também foram cruciais politicamente em diversos países e em inúmeras ocasiões. Bolívia, Peru, Argentina, viram movimentos de massas dirigidos por grupos trotskistas. Os Estados Unidos foi palco de greves poderosas lideradas por defensores da revolução permanente. Em 68 na França os trotskistas foram linha de frente no histórico mês de maio. Outros países como China, Sri Lanka, Vietnã, tiveram importantes lideranças e movimentos que marchavam sob a bandeira a IV Internacional. Assim como em nosso país. A influência e importância dos trotskistas na fundação do PT e da CUT é algo inegável. Por todo o globo a dispersão das tribos do trotskismo enfraqueceu o movimento e criou uma rivalidade interna notável. Mas também gerou importantes organizações que lutavam com firmeza moral e estratégica para romper a marginalidade na segunda metade do século XX. Todas estas organizações e tribos têm sua história, sua trajetória, e sua lição, com ações bem sucedidas, outras que fracassaram, mas que são de imensa contribuição para todos aqueles que ainda reivindicam o legado quartista.
A IV Internacional, como foi idealizada por Trotsky hoje não existe mais. 80 anos depois de sua fundação dificilmente ela seria constituída da mesma forma. O modelo político-organizativo de internacional preconizado pelo dirigente do partido bolchevique foi derrotado pelo stalinismo, pelas forças imperialistas, e em menos escala pelos erros das diversas tribos do trotskismo. Apesar disso, as ideias de Trotsky permanecem vivas e atuais, como sendo aquelas que foram capazes de responder de forma mais adequada os questionamentos que atravessaram todo século 20, e nesse inicio de século como aquelas que contribuem ao arsenal de táticas e ao norte estratégico de um projeto anti-capitalista.
A luta pela revolução é uma devoradora de homens. Muitos revolucionários ficaram pelo meio do caminho, ao sucumbiram se transformando em oportunistas, burocratas declarados e ora envergonhados e outros caíram no caminho sem volta da auto-proclamação e do sectarismo.
Hoje aqueles que reivindicam a Revolução Russa, o legado deixado por Lênin e Trotsky, a bandeira da Quarta Internacional e da Revolução Permanente, tem um trabalho que consiste em dá continuidade e atualizar o marxismo para as demandas e tarefas do século XXI. Romper a marginalidade ainda é uma tarefa urgente, e que deve ser feita a custa da manutenção da herança da árvore do trotskismo, colhendo os frutos que reivindicamos e fazendo um debate franco sobre os erros e qual parte desta herança nos renunciamos.
O internacionalismo, um dos legados do trotskismo e da IV Internacional, mais do que nunca é uma necessidade. Seja para a compreensão do mundo atual, seja para a confirmação de uma organização política revolucionária. Assim como o reagrupamento das tribos dispersas ainda não é algo visto no horizonte próximo, porém, a reorganização das forças anti-capitalistas é crucial para a luta contra a barbárie crescente.
Por fim vale lembrar os primeiros anos do trotskismo, o período entre as duas guerras, foram os anos da liquidação física dos membros da corrente que aqui falamos. Foram os anos dos crimes do stalinismo, dos expurgos, das perseguições e assassinatos. Manter nos difíceis anos 30 a defesa do programa de transição e da Revolução Permanente foi uma atitude heróica, que muitos pagaram com a própria vida. Os crimes da direção burocrática não amedrontaram os trotskistas do século passado, graças a coragem daqueles homens e mulheres que enfrentaram o medo, o frio, a humilhação, os campos de concentração e extermínio, os processos falsificados, que enfrentaram a morte em nome de uma teoria e de um programa, em nome da Revolução Mundial, foi possível chegar até aqui. Se não fossem estes homens e mulheres não teríamos a IV Internacional, se não fossem eles nós não estaríamos aqui hoje.
Nós viemos de longe, somos herdeiros e continuadores do marxismo revolucionário, da revolução permanente, do legado teórico e prático, de Lênin, Trotsky e tantos outros. É possível e é preciso vencer e superar o capitalismo e a barbárie.
Viva a IV Internacional! Viva o trotskismo! Viva os nosso mártires! Viva a Revolução Mundial!
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