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BRASIL

Quando seus amigos te surpreendem deixando a vida de repente

Cacau Pereira
Reprodução

Gilberto Antônio Gomes era o seu nome. Eu o conheci em 1982. Eu, então, com 16 anos e ele com 24. Eu era estudante secundarista e parte da direção da União Municipal de Estudantes Secundaristas de Belo Horizonte. Giba era metalúrgico. Havia participado das greves de 1979, em Belo Horizonte, e Contagem, que foram importantes na derrocada do regime militar e na formação de uma nova geração de ativistas que viria a dirigir o movimento operário na região. Giba era da Convergência Socialista, uma corrente interna do PT. Eu estava me aproximando da CS, mas também conversava com outras organizações de esquerda.

Além dele, suas irmãs, Sonia e Solange, eram militantes da CS. Sônia era professora. Solange era estudante secundarista.

Naquela época, os operários da CS íam às portas das escolas construir uma corrente juvenil chamada Alicerce da Juventude Socialista. Foi comprando um exemplar do Alicerce na porta do Colégio Estadual Central que tomei contato com a corrente. Antes, eu havia ouvido falar da participação dos operários da CS nas greves metalúrgicas. Eu admirava os operários.

Depois, fiquei sabendo que eles discordavam dessa política (esse giro ao movimento estudantil), mas eram ferreamente disciplinados. E foi pelas mãos desses operários e outros militantes, adultos jovens, que eu, Adelmo, Joãozinho, Valda, Solange, Tonho e tantos outros nos engajamos na luta política.

O Giba era parte de um grupo que reunia outros operários extremamente talentosos: Paulo Moura, Baulino, José João (JJ), Paulo César Funghi. Estavam empenhados em construir uma oposição sindical e disputar a eleição do Sindicato dos Metalúrgicos de BH e Contagem, um dos mais importantes do país.

Em 1983, essa decisão foi tomada e todos giramos para um trabalho amplo de construção da oposição. Esse grupo de operários precisava ser protegido. Baulino era operário da Mannesmann. Os Paulos estavam na Mapri, uma pequena fábrica da região do CINCO (Centro Industrial de Contagem). JJ havia entrado na Hammer. Esses últimos haviam sofrido perseguições e demissões no período recente. Não poderiam ficar de fora da chapa. A clandestinidade do trabalho era essencial. O Giba era, então, operário da Fiat Allis, uma fábrica importante encravada no Bairro Inconfidentes, na cidade de Contagem. Era peça chave do nosso trabalho operário.

Coube aos militantes do movimento estudantil, aos professores e outros ativistas da CS fazer as panfletagens, visitar as fábricas, cadastrar os contatos. Era um trabalho intenso. Recordo-me do papel dirigente do Robério Paulino, hoje vereador do PSoL em Natal, um grande articulador do trabalho político da CS naquele período, na nossa região. Lembro-me da entrega e da abnegação do Martinho, que confeccionava os panfletos à mão, em nome de quem homenageio a todos e todas que estavam naquela jornada.

Nós nos encontrávamos nas plenárias da Organização e aí podíamos conversar livremente. Quando fazíamos as panfletagens nas fábricas em que atuavam nossos militantes, fazíamos de desconhecidos. Essa era a regra.

Mas, fora dali a vida pulsava e eram momentos muito alegres nos encontros da militância. Eu e um grupo de estudantes organizávamos as festas que aconteciam depois dos encontros políticos. O Giba era presença das mais animadas, se envolvia muito com os mais jovens.

Após as festas era comum que saíssemos no seu carro para esticar a noite. Não foram poucas às vezes em que o combustível nos deixou na mão. Durante um período costumávamos ir ao Parque Fernão Dias, um grupo de jovens militantes de esquerda, e conversávamos longamente, até quase o dia amanhecer. O Giba era dos nossos.

Em 1984, a Convergência Socialista foi parte decisiva da vitória da Chapa 2 na eleição do Sindicato dos Metalúrgicos. O Giba virou diretor do Sindicato. O trabalho da CS deu um salto. Expandimos o trabalho da corrente por várias regiões do Estado. Construímos a CUT. Tivemos inúmeras greves naquele período. Elegemos parlamentares pelo PT.

Estufávamos o peito para cantar, parodiando a canção “Sociedade Alternativa” do Raul Seixas: “Viva, viva, viva a Convergência Socialista!!!”

Desde então, nossos caminhos seguiram se cruzando em diversos momentos. Militamos ombro a ombro, por 34 anos, na mesma organização, até 2016. A militância do Giba sempre esteve vinculada ao movimento operário e aos sindicatos. Foi um lutador incansável.

O Giba ajudou a construir páginas memoráveis do movimento operário e sindical em Minas. Esteve na fundação e na direção da Federação Sindical e Democrática dos Metalúrgicos. Dirigiu inúmeras greves, atos e mobilizações. Atuou na CUT e, posteriormente, na CSP-Conlutas, em Minas e na sua Executiva Nacional. Foi parte de várias equipes do PSTU, desde a nossa região até a direção nacional do Partido.
Em 2006, fizemos uma dobradinha nas eleições. Giba foi candidato a deputado estadual e eu a deputado federal. Participamos da Frente de Esquerda Socialista entre o PSoL, PCB e o PSTU. Fomos os mais votados nas nossas chapas, mas não alcançamos o coeficiente eleitoral necessário para eleger um deputado. Rodamos o Estado fazendo campanha.

Certa vez, conversando, rimos muito porque a legislação eleitoral havia sido alterada e, se tivessem sido aplicados naquela eleição de 2006 os novos critérios, talvez tivéssemos sido eleitos. Mas nunca conferimos os números. Valia mais a pena nos divertimos com a possibilidade perdida.

Embora tenham sido quase 40 anos de convivência, a sensação de que tudo foi muito passageiro torna mais difícil encarar a realidade.

Minhas últimas atividades em comum com o Giba foram na Direção Nacional do PSTU e na Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas. Fiquei feliz quando soube que ele havia alcançado a aposentadoria. Aposentado, seguiu militando. Recebia sempre as imagens dele e seus companheiros de Partido fazendo panfletagens, carregando as bandeiras e participando dos atos públicos, por meio das redes sociais.

Pra Marluce, pros filhos, pra Sônia e pra Solange, para os demais parentes, que conformavam uma família muito alegre, deixamos o nosso abraço.

Vai doer, vai fazer falta. Mas seguiremos lembrando do Giba como um ser humano formidável, que dedicou sua vida a construir um presente e um futuro melhores, que lutou pela existência digna e pelos direitos dos operários, um socialista, um revolucionário.

(*) Vida passageira, do Ira!