“Sonho que se sonha só
É só um sonho que se sonha só
Mas sonho que se sonha junto
É realidade”
Raul Seixas
A contracultura surge por volta dos anos 1960 fazendo e sofrendo oposição a todo e de todo tipo de conservadorismo. Os “rebeldes sem causa” da juventude, que até os anos 1950 era considerada “desajustada”, decidem romper consciente, convicta e mesmo militantemente com o mundo das gerações anteriores, numa tentativa mesmo de reinvenção do ser humano.
Em uma época em que a Guerra Fria ameaçava destruir toda a vida na Terra em um holocausto nuclear, a juventude defendia a “paz e o amor” e colocava rosas nos canos das armas dos policiais defensores da ordem vigente em seus protestos como os contra a Guerra do Vietnam.
Em meio ao mercado do consumo de massas que ameaçava destruir o meio ambiente para promover a futilidade humana, adotavam uma postura naturalista em seu próprio corpo, deixando os cabelos crescerem, vestindo roupas com as cores da natureza; tornavam o ambientalismo uma causa militante, criavam comunidades alternativas no campo e na cidade onde a propriedade privada era abolida.
Em meio à segregação racial que ainda existia nos Estados Unidos, ostentavam o orgulho negro nos cabelos afro, no rock, no blues, no funk e do soul, criavam o Partido dos Panteras Negras pela Auto-Defesa, o movimento pelos direitos civis.
Em uma época em que as mulheres ainda eram obrigadas a casar virgens para não serem expulsas de casa e isoladas na comunidade, os hippies afirmavam que nenhum ser humano pode ser tratado como propriedade do outro, proclamavam o amor livre e utilizavam a nudez do corpo como uma de suas principais formas de protesto.
Em uma época em que empresários e políticos de corpos e mentes velhas mandavam os jovens para a morte em campos de batalha, ou mesmo os condenava a uma vida de mortos-vivos nas tumbas das fábricas e dos escritórios, os movimentos estudantis adotavam uma postura extremamente crítica e ativa que buscavam refundar todas as concepções sobre os quais se erguem todos os princípios da economia, da sociedade e da política.
Toda a simbologia que envolve o rock’n roll, desde a identidade sonora, passando pela identidade visual e identidade atitudinal, passam a partir de então a ser os princípios orientadores da construção da “nova consciência” que se gestava nas mentes e corações da juventude insurgente que se descoisificava, ao afirmar desafiadoramente sua humanidade diante dos opressores “cárceres de ferro” da fria razão instrumental que controla inflexivelmente o sistema.
A grande revolta francesa do Maio de 1968 é talvez o centro de erupção destas forças que se rebelam, o momento culminante tanto influenciado quanto influenciador de todo este poderoso processo que se estendia então ao nível mundial.
A chamada Revolução Surrealista, cujo impacto nas mentalidades pode ser estimado por número considerável de teóricos respeitáveis terem lhe anunciado como o ponto de ruptura que dá início à pós-modernidade, levantava palavras de ordem tais como “Paraíso já!”, “A imaginação no poder”, “Seja realista, deseje o impossível!”, entre outros tão marcantes quanto, nos cartazes de suas manifestações.
Passado já meio século do início de um movimento que sem dúvida não pode ser ignorado, cujas influências maiores ou menos em transformações em quase todos os aspectos da vida do mundo contemporâneo não podem ser negadas, faz-se necessário avaliar quais os legados deixados para as novas gerações por aqueles jovens tão ousados e criativos que ainda povoam nossos imaginários até hoje.
Sobretudo em um momento histórico em que, surpreendentemente, um número crescente dos jovens começam a se assemelhar aos velhos que os jovens daquele período tanto combateram; em um contexto onde parece que valores conservadores que se pensavam extintos voltam a ganhar forças, muitas vezes utilizando-se para se autopromover dos mesmos símbolos de quem sempre os combateu.
DEBATE
Por fim, cabe no momento histórico em que se comemora o meio século do Maio de 68 se questionar se seus ideais ficaram no passado ou se ainda vivem nas mentes e corações dos jovens de todas as idades destes dias atuais. É neste espírito que o evento sobre os 50 anos do Maio de 68 será realizado neste dia 25 de Maio na sede da ADUFAC, campus da Universidade Federal do Acre, pelos que, como disse Raul, sonham juntos os mesmos sonhos.
*Armando Pompermaier é músico amador (em vários sentidos), Professor de História do IFAC e Diretor de Imprensa do SINASEFE-Rio Branco
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