O assassinato da vereadora é um crime político e como tal deve ser tratado
Fernando Castelo Branco*, de Fortaleza (CE)
Aqueles que orquestraram a execução de Marielle tinham um objetivo absolutamente claro: calar sua voz. E para tanto, não bastam os tiros disparados. Para silenciar Marielle é preciso bem mais do que lhe tirar a vida. É preciso também destruir sua imagem e tudo o que ela representa.
Após a covarde execução, assistimos manifestações de centenas de milhares de pessoas nas ruas de todo o Brasil, irmanadas pela dor e em protesto contra a barbaridade, contra a covardia. Nem todos os que foram às ruas eram eleitores de Marielle, nem todos eram socialistas, ou mesmo se reconhecem como de esquerda, muitos até não concordam com algumas posições que Marielle defendia em sua atuação política. Mas mesmo assim, foram às ruas porque percebem a gravidade dessa execução. Percebem o que ela representa de diferente para a situação do país. Percebem que com esse crime se ultrapassou uma fronteira perigosa.
É inadmissível para aqueles que executaram Marielle que centenas de milhares de pessoas saiam às ruas no país inteiro em solidariedade a uma mulher negra, favelada, homossexual e defensora dos direitos humanos. A partir desse momento começou a tentativa de uma nova execução: o extermínio de seu exemplo, a desconstrução de sua história.
Esta segunda execução tem dois campos claros de atuação. Em um deles se ergue o argumento de que essa é uma morte como outra qualquer. Marielle e Anderson são então apenas duas vítimas a mais da violência urbana mata pessoas todos os dias em todas as grandes cidades do Brasil. É o argumento de que não há nada de especial nessa execução.
Exemplo desse argumento é o texto escrito pelo professor Leonardo Sarmento e publicado no site JusBrasil logo no dia 15 de março. Nele, Sarmento usa a Lei de Segurança Nacional para dizer que o crime não foi político. Que “são executados inúmeros policiais e pessoas de bem semanalmente no país sem o mesmo destaque midiático-social de Marielle”, portanto, conclui, “necessário cuidado e atenção com o todo e não nos amesquinharmos com insurgências seletivas”.
Nada pode ser mais mesquinho do que este raciocínio que nega um fato fundamental para a análise deste crime: Marielle foi executada em razão de sua atuação política, e isso é absolutamente inquestionável. Não foi um acerto de contas típico das execuções do crime organizado. Não foi uma execução contra policiais em serviço ou fora dele na luta estéreo entre o aparato estatal e o tráfico de drogas. Não foi uma tentativa de assalto ou um latrocínio típico da violência urbana em que estamos inseridos. Foi uma morte cuidadosamente planejada e executada em razão da atuação política de uma representante eleita.
E isso, professor Sarmento, é crime político sim, tanto de acordo com a legislação nacional, que prevê no art.1ª, da Lei de Segurança Nacional que você mesmo mencionou, o crime que lesa ou ameaça lesionar o regime representativo e democrático; quanto de acordo com entendimento das Nações Unidas, para quem o crime político pode ser sim um crime comum (homicídio) desde que tenha conotação político-ideológica.
Assim, este é um crime político e como tal deve ser tratado. O assassinato de uma parlamentar, na vigência da intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro e, segundo o coordenador criminal do Ministério Público Federal, com a possibilidade de envolvimento de agentes do Estado.
Do que mais precisa o professor Leonardo Sarmento ou qualquer outra pessoa que analise a questão de boa fé, para afirmar que este é um crime político e que é sim, completamente distinto das inúmeras mortes que a violência urbana produz?
Mas a tentativa de executar Marielle uma segunda vez tem, ainda, outra forma ainda mais desumana e cruel: a mentira, a calúnia como forma de desconstruir a sua imagem. Como se a conduta da vítima, qualquer que fosse ela, justificasse a bárbara execução.
No dia seguinte à execução circularam falsas notícias dando conta de que Marielle teria sido eleita pelo Comando Vermelho e que havia sido casada com o traficante Marcinho VP. Essas falsas notícias foram divulgadas, inclusive, pelo deputado federal Alberto Fraga (DEM) e por uma desembargadora do Rio de Janeiro, Marília Castro Neves.
É importante que se esclareça a verdade. Marielle nunca foi casada com Marcinho VP, e uma rápida consulta ao site do TRE do Rio de Janeiro fará ver que foi votada majoritariamente em áreas que não estão sob o domínio do Comando Vermelho.
O PSOL está tomando as providencias para processar administrativa e criminalmente tanto a desembargadora quanto o deputado. Não vamos tolerar a mentira e a calúnia contra Marielle.
Não foi possível impedir que as balas dos assassinos lhe tirassem a vida. Mas vamos defender a todo custo não só as suas ideias e suas bandeiras, mas também o seu legado, o seu exemplo, a sua dignidade e sua memória.
Não a executarão uma segunda vez. Seu exemplo continuará a arrastar multidões. De de mulheres, de pretas, de homens, de homossexuais, de faveladas.
Marielle e Anderson, PRESENTES!
* Fernando Castelo Branco é advogado, professor e militante do MAIS, corrente interna do PSOL
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