Renan Oliveira*, de Bragança Paulista (SP)
A surpresa foi geral quando da notícia da intervenção do governo federal na segurança pública do Rio de Janeiro. Se refletimos anteriormente como o Capital opera no encarceramento em massa a partir do Judiciário e das polícias, é importante pensar como a burguesia opera no encarceramento através do Executivo. Para além de dados estatísticos e de questões conjunturais, é importante entender as intenções das classes dominantes com essa intervenção militar no Rio. Primeiramente, a intervenção impede qualquer Proposta de Emenda Constitucional (PEC), o que inviabilizou a reforma da Previdência, querida pelo governo Temer, mas que enfrentou sérias dificuldades para ser aprovada no Congresso Nacional. A burguesia internacional pode esperar pela sua desejada reforma, e Temer apostou não tratar dessa questão neste momento.
Mas o adiamento da reforma em questão casou perfeitamente com o endurecimento político do governo ilegítimo de Michel Temer. O Rio de Janeiro era o laboratório que os golpistas precisavam para fazer valer seus interesses sob uma perspectiva militaresca. É evidente que o Rio vive um caos na segurança pública, e que qualquer inciativa que representasse novidade seria apoiada pela maioria da população, como se pode ver nas recentes pesquisas sobre a aprovação ou não das Forças Armadas nas ruas da cidade. Mas a conexão que merece ser debatida é a presença de força armada nas ruas com os interesses do capital. No texto anterior refletimos como o encarceramento em massa atende às expectativas de exploração da força de trabalho por parte da burguesia. Mas por que a atuação de militares, altamente armados, atende aos interesses das classes dominantes neste momento?
Duas pistas podem nos direcionar. A primeira pode-se depreender da fala do general Eduardo Villas Bôas, que disse que só haveria “segurança jurídica” se o Exército pudesse atuar sem passar por uma nova Comissão da Verdade. Ora, sabemos que a Comissão da Verdade teve o propósito de investigar e punir crimes cometidos pelo Estado. Com essa fala, o general deixa claro que o Estado, mais uma vez, assume o protagonismo de ser criminoso, e sem pudores. Ouvi, recentemente, a fala de uma personagem na peça “O Rei da Vela” que o seu gosto é quando a burguesia se assume como classe pra valer! Essa personagem é um burguês e nos provoca a pensar que, em muitos momentos da história, a burguesia atua decisivamente como classe quando rompe a legalidade em que, paradoxalmente, ela criou e se sustenta. A intervenção militar no Rio está ancorada em previsão legal, mas a atuação das Forças Armadas no dia a dia da população tende a superar (negativamente) toda a ilegalidade e os absurdos já cometidos pela Polícia Militar. Tende a ser uma guerra brutal contra a classe trabalhadora e os mais pobres. Uma intervenção desse tipo tende a passar por cima de garantias legais e aumentar exponencialmente o encarceramento em massa da população jovem, negra e trabalhadora, atendendo à exploração da força de trabalho por parte do capital, como discutimos em texto anterior.
A segunda pista que pode nos direcionar para uma reflexão é no que tange à relação entre a intervenção militar e o crime organizado. Também em continuidade com a reflexão de texto anterior, apontamos que o crime é extremamente funcional ao sistema do capital no que toca à produção e à circulação de mais-valia. Mas, no caso do Rio, a burguesia sente a necessidade de mostrar que é ela quem detém o poder de fato. De forma nenhuma grandes setores empresariais aceitam ter negócios atrapalhados pelo tráfico ou por milícias. O Rio passa por um processo intenso de retração econômica, muito em função da Operação Lava-Jato e da diminuição da atividade das grandes empreiteiras. O governo de Temer tem feito de tudo para aumentar as possibilidades de negócios da grande burguesia nacional, e o Rio de Janeiro é um dos grandes centros dessa empreitada. A expansão da acumulação do capital exige, neste momento, garantias de diversas ordens, não à toa o ministro fanfarrão do STF Gilmar Mendes afirmou que “seria interessante” a intervenção militar em outras áreas…
São pistas. Saber exatamente aonde essa intervenção vai levar o Rio de Janeiro e o País necessita tempo. Atentamos que o encarceramento em massa deve aumentar, o que atende às expectativas da burguesia no que toca ao controle da força de trabalho. Mas não sabemos a que limites essa situação pode chegar, já que a burguesia, convictamente, não tem limites quando se trata de reproduzir seu capital. É tarefa urgente denunciar todas as situações de violações de direitos humanos, propor e atuar em medidas de segurança pública que garantam direitos conquistados em anos de luta, e lutar contra a perversidade desse Estado e de sua classe dirigente, para que a maioria da população, trabalhadora e pobre, possa almejar um presente e um futuro muito melhores.
* Renan Oliveira é militante do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e agente da Pastoral Carcerária em Bragança Paulista.
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