Tarifas caras, superlotação, veículos sem manutenção adequada, filas e deslocamentos intermináveis são alguns dos problemas enfrentados cotidianamente por milhões trabalhadores que dependem de transporte público no país. Qualquer notícia na contramão dessa realidade, tal como a redução de 32% no valor da tarifa na cidade de Araucária, no Paraná, despertam o debate sobre a precariedade do serviço e a questão da mobilidade urbana no Brasil.
Por Gisele Peres, da Redação
Enquanto grandes capitais do país – como São Paulo e Salvador – anunciam aumento das tarifas urbanas, a cidade de Araucária (Região Metropolitana de Curitiba) foi notícia nacional neste início de ano ao reduzir a passagem de R$4,25 para R$2,90. De acordo com a administração pública, a redução do valor foi possível graças à extinção da Companhia Municipal de Transporte Coletivo (CMTC), que intermediava o contrato entre a prefeitura e a empresa de ônibus. Essa Companhia consumia cerca de R$40 milhões/ano.
Além disso, o município deixou de pagar pelo chamado “quilômetro ocioso”, contado desde quando o ônibus deixava a garagem da empresa. Agora, a empresa recebe somente pelo “quilômetro rodado” no transporte de passageiros. Houve também o cancelamento de contratos considerados de custo acima da média de mercado, como o de limpeza e vigilância.
Mobilidade Urbana e Passe Livre são direitos
O estudo “Efeitos da variação da tarifa e da renda da população sobre a demanda de transporte público coletivo urbano no Brasil”, realizado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostra que o número de usuários do transporte público diminui proporcionalmente ao aumento da tarifa. Ou seja, sempre que os governos e empresários anunciam que o preço da tarifa vai subir, automaticamente eles estão dizendo que milhares de pessoas serão privadas de circular pela cidade. Ou melhor dizendo: pessoas pobres serão privadas deste direito.
Aumentar tarifas não é resposta para o problema de mobilidade urbana no país. Pelo contrário, aprofunda a crise, pois menos pessoas poderão pagar os altos preços, reduzindo drasticamente suas viagens. Isso estrutura um círculo vicioso de aumentos, uma vez que com menos pessoas usando o serviço com custos crescentes, cria-se a justificativa para novos aumentos.
O transporte é um direito social que assegura o acesso da população aos demais direitos, como, por exemplo, a saúde e a educação. Neste sentido, o passe-livre estudantil é um direito garantido pela Constituição. O artigo 206, inciso I, estabelece que o ensino tenha como um de seus princípios a “igualdade de condições para o acesso e permanência nos estabelecimentos escolares”. Por sua vez, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabelece como dever do Estado oferecer condições para que os brasileiros tenham acesso aos estabelecimentos de ensino e possam continuar seus estudos.
A distância das escolas e a falta de transporte gratuito é um dos principais motivos da evasão escolar. As famílias, que gastam mais de 20% do seu orçamento em transporte, não têm como pagar. Essa é a realidade da grande maioria dos estudantes brasileiros, filhos da classe trabalhadora. A falta do passe-livre significa impedir o acesso dos jovens não só ao transporte e à educação, mas também à cultura e ao lazer.
A luta pela conquista do passe-livre vai, portanto, democratizar o acesso da juventude, principalmente a mais pobre, à cidade, ao espaço público, diminuindo a segregação urbana existente nas maiores cidades do país.
Transporte Público: Sufoco de Muitos, Lucro de Poucos
O caso da cidade de Araucária retoma a importância do debate sobre estatização dos transportes. Enquanto o transporte público não for visto como um direito, mas tão somente um serviço a ser entregue às concessionárias e grandes empresas, estas, para maximizarem seus lucros, precarizam o serviço e rebaixam os salários de seus funcionários, expondo-os ainda a jornadas de trabalho extenuantes e péssimas condições. Essas verdadeiras máfias dos transportes retribuem a generosidade dos governos financiando as campanhas eleitorais dos mesmos políticos de sempre, perpetuando seu monopólio sobre o setor.
A redução beneficia a população de Araucária, é verdade. Mas, é preciso e possível avançar. Em todo o mundo, são 86 cidades, em 24 países, que não cobram tarifa para que a população acesse o transporte público. No Brasil, 12 cidades também já adotam o modelo. O que pode se fazer, de imediato, é levantar a discussão na sociedade. Abrir as contas para a população fiscalizar todos os números, o quanto quanto cada prefeitura gasta, os impostos que são cobrados e, sobretudo, o lucro das empresas. De imediato, os grandes beneficiados pela precariedade da situação atual seriam revelados, bem como seus interesses.
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