Após o Parlamento da Catalunha iniciar processo rumo à independência, o Senado espanhol vota intervenção e Puigdemont é destituído de Presidente.
Por Daniel Pereira, Lisboa/Portugal
Publicado originalmente no site do Movimento Alternativa Socialista
O dia 27 de outubro de 2017 vai ficar na história da Catalunha. O Parlamento da Catalunha votou iniciar um processo de transição para desembocar na constituição da República Catalã como estado independente e soberano, de direito, democrático e social.
Diante da enorme mobilização popular que garantiu a realização e validade do referendo do dia 1 outubro, em que 2,2 milhões de catalães votaram sim à independência, e que se manteve nas semanas seguintes, em especial, na greve geral cívica do dia 3 de outubro, a votação do parlamento catalão expressa a profunda vontade do povo de se separar do reino de Espanha, investindo o actual governo para dar início ao processo constituinte constante na resolução aprovada.
Poucas horas depois, o senado espanhol autorizava o governo a aplicar as medidas de repressão e supressão da autonomia catalã, através do artigo 155 da Constituição espanhola. Mariano Rajoy, com o apoio do seu Partido Popular e aval do Rei Felipe VI, do Partido Socialista Obrero Español (PSOE) e do Ciudadanos, anunciou de seguida que destituía o presidente, o vice-presidente e todo o governo catalão, dissolvia o Parlament e convocava eleições autonómicas para 21 de Dezembro. Ao mesmo tempo os ministros espanhóis assumem directamente as funções governativas da região. Para garantir o cumprimento das ordens decretam que todo o funcionário da administração que não as cumpram estão sujeitos a penas que podem ir até prisão.
Temos pois dois governos a reclamarem a administração da Catalunha. Um a querer manter, pela força e pela opressão, uma nação dentro da sua monarquia e outro a iniciar um processo de autodeterminação através da República Catalã. A qualquer democrata defensor dos direitos humanos e a toda a esquerda colocar-se-á difícil ficar no meio e não escolher um lado. Liberdade democrática de decidir frente à imposição por cargas policiais. Autodeterminação frente ao nacionalismo espanhol. República frente à monarquia.
Mas não é só o regime espanhol que está posto em causa pela recém declaração de independência da Catalunha, mas também a própria União Europeia. O reconhecimento da Catalunha abriria portas a outros processos de autodeterminação, a começar pela Escócia, que vão ligados com o questionamento das suas políticas austeritárias. Não por acaso, todos os governos da UE apoiaram o regime espanhol.
Nenhum passo atrás! Garantir pela mobilização a instalação da República!
Ao compasso da ofensiva de Rajoy, no dia 29, domingo, sob o lema “Tots som Catalunya” (“Todos somos Catalunha”) pelo menos 300 mil pessoas foram às ruas de Barcelona contra a independência. Neste dia 30, segunda-feira, Carles Puigdemont e outros membros do governo encontram-se na Bélgica. O Ministério Público espanhol vai abrir processos por indícios de “rebelião, insubordinação e peculato” contra os responsáveis por iniciar o processo pela independência da Catalunha. Ao mesmo tempo, a direção executiva do PDeCAT deu um claro sinal de capitulação ao decidir participar das eleições convocadas por Rajoy para de 21 de dezembro.
Agora mais do que ontem, é hora de resistir. Se, de alguma forma, abriu-se o processo para instalar a República da Catalunha, foi graças à mobilização popular. Foi o povo nas ruas que até então não havia permitido que Carles Puidgemont e o seu PDeCAT cedessem à pressão e repressão de Madrid. Durante toda a semana que culminou com a declaração da independência, o Govern vacilou por diversas vezes.
Da mesma forma que foi a mobilização popular que garantiu o referendo, só pode ser esse o caminho para garantir a instalação e defesa da nova República. Os Comités de Defesa da República – assim como os sindicatos e as organizações populares e do movimento estudantil – podem e devem ser os alicerces para garantir desde baixo a existência e a defesa da República Catalã
A esquerda espanhola diante da independência: PSOE, IU e PODEMOS
O PSOE voltou a revelar que do seu nome apenas mantém a primeira e última palavra, é partido e é espanhol, de socialista e operário nada. Desesperado por não ser capaz de ter alternativa ao plano do PP, tenta aparecer como suavizador das medidas. O seu líder Pedro Sanchéz esgotou em poucas semanas a ilusão que tinha gerado com a sua eleição para secretário-geral do partido.
A Izquierda Unida, herdeira eurocomunista do antigo Partido Comunista Espanhol (PCE), e o PODEMOS têm uma posição similar entre si. Não apoiaram as medidas do governo Rajoy, mas não chamaram a uma única mobilização contra a repressão sobre a Catalunha, ao mesmo tempo dizem que a declaração da República Catalã não está legitimada pelo referendo do dia 1 de outubro. Isto é, para ambos a mobilização popular neste dia, dias anteriores e posteriores, foi uma farsa. Defendiam um referendo pactado que durante os últimos sete anos foi liminarmente recusado pelo estado espanhol e sempre proposto pela liderança catalã até ao último minuto deste dia. Com isso estão na verdade a levar a água ao moinho do nacionalismo espanhol que tanto querem parecer criticar.
Não por acaso nesta mesma segunda-feira, Pablo Iglesias sugeriu ao secretário geral do PODEMOS-Catalunha, Albano Dante Fachin, que abandonasse o partido por estar “politicamente mais próximo da CUP ou ERC”. No mesmo sentido, afirmou que a corrente Anticapitalista estava “politicamente fora do Podemos” por conta da difusão do comunicado apoiando o processo de independência aprovado pelo Parlamento de Catalunha.
Seria de se esperar que, desde a esquerda, Izquierda Unida e PODEMOS se mobilizassem contra a repressão da monarquia espanhola a uma nação que tenta exercer seu direito de autodeterminação da forma que considera conveniente. Contra a mesma monarquia que impõe a austeridade há longos anos. Esse sim, é rota para a unidade da classe contra o regime reaccionário.
Por uma Constituinte que decida por uma República ao serviço dos trabalhadores
A defesa do processo constituinte da República Catalã é o primeiro dos passos que toda a força social na Catalunha terá de garantir. As provocações, as manobras e as pressões por repressão crescerão cada vez mais. Só a contínua mobilização as poderá derrotar e começar a abrir brechas na comunidade internacional, como foi o caso do referendo escocês.
Um segundo passo, caberá aos operários e proletários catalães em geral mobilizarem-se consequentemente contra as investidas de Rajoy e pela defesa da república, bem como pela afirmação do seu programa na luta pelo conteúdo da nova constituição catalã. Para que a nova república seja realmente diferente, no que aos direitos democráticos, económicos e sociais diga respeito, da monarquia da qual se vão agora libertando.
A CUP, principal força da esquerda anticapitalista na Catalunha, tem particular responsabilidade. Não pode cair no erro da Esquerra Republicana de Catalunya (ERC) que acompanhando o PDeCAT decidiu se apresentar para as eleições de 21 de dezembro, deve pelo contrário organizar o boicote às mesmas. Deve usar a abertura agregadora para garantir a unidade e a mobilização necessárias de levantar bandeiras programáticas que lhes são bastante queridas: expropriação das empresas que desloquem a sua sede ao estrangeiro, educação, segurança social e saúde públicas, banca pública, direitos laborais contra a precarização, igualdade de género, protecção aos sectores oprimidos, etc.
Será nas ruas que se garantirá que uma futura assembleia constituinte garanta a adoção dessas linhas programáticas.
Os trabalhadores e as nacionalidades oprimidas do estado espanhol agora mais do nunca têm um papel decisivo na defesa da Catalunha. São aliados na luta contra a mesma e interminável política de austeridade e repressão instaurada desde a crise de 2008.
Por uma federação de repúblicas do Estado Espanhol!
Desde do exterior devemos garantir solidariedade e explicar aos trabalhadores do mundo da necessidade de defesa do direito de autodeterminação, que significa liberdade de separação. Mas não somos partidários da infinita multiplicação de novas fronteiras nacionais. Uma economia a serviço dos trabalhadores teria muito maiores condições de se desenvolver se abrangesse o conjunto do que são hoje não somente o Estado Espanhol.
No entanto, a condição fundamental para isso é que seja um processo voluntário. Que seja visto por todos os povos como uma escolha vantajosa e não uma imposição, como é o caso do Estado Espanhol ao longo do tempo. Por isso defendemos uma federação voluntária de repúblicas livres e independentes.
Nos nossos países devemos exigir dos nossos governos o reconhecimento da República Catalã, legitimamente autodeterminada em referendo. Iniciando campanhas que garantam apoios políticos a esse mesmo reconhecimento.
A luta pela autodeterminação catalã é a luta contra a extrema-direita que hoje ressurge no mundo, é a luta contra os planos de austeridade que o capitalismo impõe no mundo inteiro, é a luta contra a guerra social com que o imperialismo ataca os povos do mundo. É a luta pela libertação e emancipação dos oprimidos e dos explorados.
Visca la Republica Catalana!!
Solidariedade com a Catalunha, contra a austeridade e contra a repressão da monarquia!
Por uma federação de repúblicas, livres e independentes, do Estado espanhol!
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