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Venezuela: resultados das eleições regionais e suas lições

Pro-government activists demonstrate their support to Venezuelan deputy and gubernatorial candidate Hector Rodriguez during the closing ceremony of the regional elections campaign, at Petare neighbourhood in Caracas on October 10, 2017. Venezuelans vote on Sunday in regional elections seen as a key test for both President Nicolas Maduro and the opposition alike after months of street protests that failed to unseat him. / AFP / Federico PARRA AND Federico Parra

Por: Argimiro Goyo, dirigente chavista, de Caracas, Venezuela
Tradução para o Esquerda Online: Célia Regina Barbosa Ramos

Em 15 de outubro ocorreu o processo eleitoral para governador em 23 das 24 unidades federativas na Venezuela[1]. O resultado, como veremos, permite extrair vários ensinamentos e esclarece várias incógnitas, construídas principalmente pelos meios de comunicação internacionais sobre o processo venezuelano.

Embora os processos eleitorais distorçam e não sejam um reflexo fiel da realidade política, as primeiras análises dos resultados, informados apenas após três horas em virtude do moderno sistema eleitoral, levam a pelo menos três conclusões:

Embora tenha ocorrido uma alta abstenção – um pouco menos de 39% -, esta foi menor do que nas eleições para governadores em 2004, 2008 e 2012, sendo que esta última foi uma semana depois da última aparição de Hugo Chávez e dois meses depois de sua última vitória eleitoral como presidente.

O chavismo obteve um pouco mais de 54% dos votos em nível nacional, o que representa mais de 33% da totalidade dos eleitores aptos a votar[2], ou seja, um de cada três venezuelanos maiores de 18 anos votou nos candidatos apresentados pelo chavismo, seja por meio do PSUV, ou pelo Polo Patriótico, frente de partidos políticos favoráveis ao processo político venezuelano.

Uma alta polarização entre a direita e o bolivarianismo. Em 21 dos estados, o Polo Patriótico e a direita representada na Mesa de Unidade Democrática (MUD), dividiram mais de 97% dos votos emitidos. Somente em dois estados, onde tanto o Polo Patriótico como a MUD não saíram unificados, houve uma votação para alternativas diferentes desses dois polos eleitorais. Em Apure, houve um pouco mais de 8% e, no Amazonas, quase 11% para outros grupos, estados estes que têm poucos eleitores, localizados no sul do país e na fronteira com a Colômbia, locais onde o chavismo ganhou.

Polarização e crise do centro eclético dissidente

No período prévio às eleições, principalmente nos quase quatro meses das “guarimbas[3] e, sobretudo, durante todo o processo de eleição da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), houve setores políticos que proclamaram uma “terceira opção”, distinta ao chavismo e à MUD.

Neste setor, localizaram-se alguns dissidentes do chavismo, encabeçados por alguns ex-ministros, personagens que ocuparam cargos em algum momento do governo de Chávez e correntes que se mantiveram em uma fronteira cômoda com o chavismo, sem identificarem-se plenamente, mas vivendo em sua sombra.

O descontentamento causado pela difícil situação econômica, as duras críticas ao governo – seja por sua ação ou omissão – perante a grave crise que assola o país e a ofensiva da direita internacional, que se expressa em nível interno na ação incessante e diária das “guarimbas”e, em nível externo, na política de isolamento dirigida pelos Estados Unidos, OEA e União Europeia, na campanha midiática e nas redes sociais que mostram um governo tecnicamente derrotado e um chavismo em crise. Tudo isso, foi visto por esses setores como a oportunidade para pular do barco fora antes dele afundar.

Durante a crises da “guarimba” e a convocatória da ANC, esses setores mantiveram uma posição de centro: tentavam atacar o governo se diferenciando do discurso fascista da direita, mas mantendo posições ecléticas que, ao final das contas, os levavam a repetir, quase em uníssono, as campanhas da direita contra a convocação da ANC e contra as políticas de segurança urbana desenvolvidas pelo governo contra a “guarimba”. Assim, lamentavelmente, muitas vezes estes terminaram se identificando com a direita fascista.

Queriam construir um espaço próprio, mas o discurso desse centro era polivalente e eclético. Enquanto os que provinham do chavismo centravam seus ataques ao governo em pontos secundários ou táticos da política nacional, tratando de expressar a existência de um “madurismo” muito diferente do chavismo, os que vinham da direita tentavam se distanciar das ações violentas da “guarimba”, rejeitando-as e justificando-as ao mesmo tempo.

As tentativas de apresentar opções eleitorais terminaram em fracasso ou em alianças sem princípios entre dissidentes de um ou outro lado, na medida em que não apresentaram uma política e opção real. Uma vez que avançava o processo eleitoral foram desaparecendo os apoios, inclusive os próprios candidatos, que terminaram voltando para suas águas originais.

Nos últimos dias, um desses grupos, autodenominado dissidência chavista, embora alguns de seus dirigentes nunca tenham sido chavistas, chamaram a “votar por candidatos honestos e não polarizados”, sem mencionar quem seriam estes.

O fantasma da abstenção

O processo eleitoral de governadores esteve marcado pelo fantasma da abstenção. Foi a preocupação das direções políticas de ambos setores e, inclusive, nos últimos dias, a MUD e a Igreja Católica acusaram o governo nacional de promover a abstenção para impedir que se expressasse o descontentamento.

A direita, seguida pelo centro dissidente, fez acusações de manobras eleitorais. Acusam o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) de não permitir a substituição de candidatos para “aperfeiçoar” as alianças. Isso realmente ocorreu, mas porque o prazo para tal era pequeno e se esgotou rápido, já que a campanha foi muito curta.

Outra acusação foi de mudar centros de votação de local. De fato, alguns centros de votação que foram atacados pela “guarimba” durante a votação da ANC foram mudados para zonas mais seguras, geralmente para bairros[4] próximos, onde a guarimba não chegava. Mas as outras foram mantidas nos mesmos locais. A mídia, entretanto, refletiu declarações de alguns eleitores de classe média que diziam que não se arriscariam a entrar no “bairro” por medo de “serem assaltados”.

Mas, ao final, a verdade é que isso não se refletiu na abstenção: os centros de votação que foram transferidos – menos de 5 % do total dos centros – tiveram uma abstenção equivalente aos demais centros de votação.

A realidade é que a polarização impulsionou a participação das pessoas. Seja por apoio ao governo, seja para derrotar a direita – ou ambas coisas -, o chavismo conseguiu mobilizar os “bairros”. A direita também conseguiu mobilizar sua base social nas “urbanizações”. Para isso utilizou o eixo de que “tinha-se que derrotar o chavismo”. Os meios de comunicação e as redes sociais, com o mesmo fervor e argumentos com que há três meses chamava a não votar pela ANC, nas duas últimas semanas chamou desesperadamente a votar contra o governo. Um caso especial foi a imprensa direitista La Razón, que colocou como chamada de capa, em grandes letras, no próprio dia das eleições: “Hoje deve-se sair para votar contra a ditadura”.

Um dos elementos utilizados como argumento para caracterizar uma provável abstenção da base social da direita era que os setores mais ultradireitistas, braço físico da “guarimba”, estavam contra participar nas eleições. Alguns setores de Voluntad Popular (VP), de Leopoldo Lopez, e a dirigente fascista María Corina Machado se pronunciaram dizendo que “as eleições de governadores não resolviam nada e que o objetivo era derrubar Maduro”. A pouca influência da “guarimba” ativa na população, inclusive a de direita, ficou refletida na baixa atenção ao seu chamado abstencionista.

Algumas redes sociais refletem hoje, dia seguinte às eleições, que a vitória do chavismo no estado de Miranda, tradicional e mais forte bastião da direita, governado até agora por Capriles Radonsky, que foi duas vezes candidato a presidente pela direita, deveu-se à abstenção dos “guarimbeiros”. Entretanto, uma rápida análise dos resultados desmente isso.

É verdade que existe influência da “guarimba” nas “urbanizações” do leste de Caracas, que administrativamente pertence ao Estado de Miranda, e nas zonas urbanas de classe média mais afastadas (Altos Mirandinos e El Hatillo), mas nos centros de votação dessas zonas a abstenção foi equivalente à de eleições passadas e, inclusive, em alguns centros diminuiu. Há que se levar em conta que o estado de Miranda inclui Petare e Fila de Mariche, – dois dos maiores bairros pobres do país -, as cidades dormitórios de Guarenas, Guatire e os Valles del Tuy, além dos povoados camponeses de Barlovento, lugares onde a abstenção diminuiu e que foram o centro de atenção do chavismo, dando vantagem a estes sobre a votação da classe média de Caracas.

Também é um fato que das oito unidades federativas onde as “guarimbas” se entrincheiraram com força no primeiro semestre do ano, quatro foram ganhas pela direita, e uma delas, Táchira, estado fronteiriço com a cidade colombiana de Cúcuta – eixo direto com Miami, local da ação do contrabando de extração e da agressão monetária do Dolar Today[5] –, cuja capital, San Cristóbal, é a cidade que teve a maior ação da “guarimba” em todo o país, a abstenção foi normal e a direita ganhou com 63,29%, a porcentagem mais alta em nível nacional. Então, o efeito do chamado dos dirigentes da “guarimba” à abstenção foi praticamente nulo, demonstrando, uma vez mais, que sua influência é mais midiática do que real, mesmo entre a votação da direita.

A votação refletiu uma abstenção em seu conjunto de pouco menos de 39%. Em alguns estados chegou a alcançar 42%, mas em outros diminuiu para 30%, cifras muito inferiores à última eleição para governadores na semana depois da última aparição de Chávez. A realidade é que, seja por um apoio consciente, seja por rejeição ao outro lado, houve uma importante votação eleitoral, o que não foi previsto por nenhum dos “especialistas” e, tampouco, captado pelas pesquisas eleitorais.

O chavismo vence a 22ª eleição do processo bolivariano

Após a vitória eleitoral de Hugo Chávez, em 1998, dentro cronograma eleitoral da anterior Constituição, substituída em 1999 para dar lugar à Constituição da República Bolivariana da Venezuela (CRBV), foram convocados, incluída a última eleição, 22 processos eleitorais.

Cinco referendos (para convocar a ANC de 1999, para aprovar a CRBV, em 1999, o referendo revogatório, em 2004, a emenda constitucional, em 2006 e 2007), duas eleições de ANC (1999 e 2017), quatro eleições presidenciais (2000, 2005, 2010 e 2015) e sete eleições de governadores e/ou prefeitos.

O chavismo ganhou, contando a do último dia 15 de outubro, 20 dessas 22 eleições. Só foi derrotado no referendo da emenda constitucional de 2007 que pretendia modificar mais de 40 artigos da CRBV, com o objetivo de mudar o modelo econômico, a estrutura do Estado e estabelecer como socialista o Estado venezuelano. Essa emenda foi derrotada com 50,8% de votos a favor do “Não”. Por isso, a direita ainda hoje insiste em que foi uma derrota do modelo socialista.

A outra derrota eleitoral do chavismo ocorreu nas eleições legislativas de 2015, sendo a que deu um impulso ao novo ataque da direita contra o governo e uma nova escalada na agressão do império norte-americano contra a Venezuela.

Entretanto, este atual triunfo tem uma particular importância para o chavismo. Um governo assediado como nunca, em meio à pior crise econômica que já viveu o país, com elementos de desintegração – produto da crise econômica -, de deterioração de importantes conquistas sociais da revolução bolivariana, no momento de maior isolamento internacional, com a maior campanha midiática internacional de ataque e, por fim, sob ameaça de agressão militar, inclusive de movimentos evidentes de tropas norte-americanas no Panamá e na Colômbia – mesmo que seja por propaganda -, tudo isso, dá uma particular importância a vitória obtida.

Há um ano, as pesquisas mais complacentes davam ao governo a possibilidade de ganhar em 5 das 23 unidades federativas, inclusive de importância secundária. A estratégia da direita de pedir a suspensão das eleições para governadores, previstas para dezembro de 2016, para jogar-se no referendo revogatório contra Maduro, terminou permitindo que o governo se recuperasse do nocaute.

Desde então, em meio a esse período, soma-se o fato de que ainda houve uma “guarimba” de quase 4 meses que resultou em quase duas centenas de mortos – diga-se de passagem, 70% das quais eram pessoas alheias ao conflito e/ou vítimas das ações dos “guarimbeiros” -, além de perdas milionárias em infraestrutura e logística das quais o país ainda se ressente.

Assim, ninguém esperava um triunfo do chavismo. As pesquisas vinculadas aos meios de comunicação previam uma vitória acachapante para a direita. Inclusive, uma delas chegou a estabelecer que 70% da população estava a favor de derrotar o chavismo e da invasão norte-americana.

Apesar da mídia internacional e de muitos analistas que continuam desconhecendo a realidade da Venezuela por terem a cabeça metida nos jornais e nos noticiários computadorizados, novamente triunfou o chavismo. Em 74% dos estados – ainda faltam os resultados das zonas indígenas, onde a votação é manual – o PSUV, em conjunto com seus aliados agrupados no Polo Patriótico, ganhou as eleições. Conseguiu retomar três estados que estavam em mãos da direita, perdidas nas eleições de 2012: Miranda, Lara e Amazonas.  Em seis unidades da federação a votação do chavismo superou 60%. Mesmo naquelas em que perdeu teve uma votação superior a 46%, menos em Táchira, onde foi de 35%.

Como um governo encurralado e quase em nocaute técnico, em seu pior momento, consegue essa vitória eleitoral? Seria necessário aventurar-se à resposta com outra pergunta: é verdade que o governo chavista e o chavismo em geral está em queda? Os mesmos “analistas” que ontem não duvidavam da queda do chavismo, aqueles da direita que apregoavam que havia 90% de rejeição ao governo, hoje tentam dar explicações mágicas. As redes sociais da “guarimba” foram mais explícitas: “aqui deve ter havido fraude”. Outras foram ainda mais diretas: “até quando não vamos nos dar conta que este governo não sai com votos, mas com chumbo? ”. Uma guarimbeira chegou a escrever: “isso é o que acontece quando votam os que em vez de ler o jornal o usam para limpar o c …”, mostrando seu desprezo fascista.

O chavismo dissidente, os ecléticos “nem-nem” e alguns intelectuais da esquerda universitária que não gostam de serem confundidos como chavistas, hoje acertavam em cheio com o realismo mágico ao sensatamente interpretar que as “pessoas não tinham votado pelo chavismo, mas contra a direita”.

A população vem sofrendo uma das piores condições econômicas jamais vivida. A inflação é desesperadora e induzida com fins políticos. Nas duas semanas anteriores às eleições, um quilo de carne passou de 21 mil a 49 mil bolívares. O mesmo ocorreu com muitos produtos da cesta básica. Não por acaso, outra vez aparece o fantasma do desabastecimento de produtos vitais, combinado com a sabotagem em serviços públicos. Os programas vistos como grandes conquistas sociais da revolução – salário mínimo com escala móvel, pensões de um salário para toda a população idosa sem exigência de contribuição, educação e saúde gratuitas, etc. – vêm se deteriorando, quando não se pulverizando, produto de uma inflação galopante, da queda na receita petrolífera e da agressão econômica imperialista.

Enfim, um processo revolucionário que derrotou e jogou por terra os governos neoliberais com a esperança de alcançar um maior nível de vida e uma distribuição mais justa da riqueza petrolífera terminou se traduzindo em pobreza e violência.  Então, por que venceu o chavismo? Por que obtém 54% dos votos? Por que um de cada três venezuelanos continua votando pelo chavismo?

A explicação de que é um voto contra a direita traz um elemento importante. Apesar dos erros e mesmo dos ataques do próprio chavismo, o povo continua defendendo a revolução bolivariana, enraizada na insurreição contra o neoliberalismo em fevereiro de 1989 (“Caracazo”) e a insurreição contra o golpe fascista de 2002 que libertou Chávez e o levou de volta ao governo. Assim, cada vez que a revolução bolivariana esteve em perigo, quando o chicote da contrarrevolução ameaçou, o povo saiu a defendê-la. E esse povo seguirá defendendo-a com unhas e dentes.

O chavismo ainda é visto como uma expressão do processo revolucionário que segue vivo depois de 28 anos do “Caracazo” e 15 anos da “revolução de abril” que derrotou o intento golpista de 2002. Não é casual que a ampla maioria da geração de dirigentes físicos e reais de uma e da outra insurreição, ainda continuem representados no chavismo. Para a população chavista, aqueles que se retiraram nos momentos de maiores dificuldades são traidores, não por terem discordado do governo, mas por terminarem sendo aliados, conscientemente ou não, da direita, inimiga histórica da revolução.

Nem tudo é vermelho

A embriaguez triunfalista e as caravanas da vitória na noite de domingo podem servir para ocultar que, apesar da vitória, nem tudo é vermelho na realidade venezuelana. Não é desprezível o triunfo eleitoral depois de 19 anos no poder e em meio à situação atual. Mas assim como outros se enganaram vivendo uma realidade apresentada pela mídia, o triunfo eleitoral pode ser outro engano.

A direita duramente derrotada não desapareceu. Ganhou em cinco estados, dois a mais que nas últimas eleições a governador. De fato, perdeu três e ganhou cinco. É verdade que perderam os estados de Miranda e Lara, que tinham sido convertidas pela direita em bastiões de ataque ao governo, mas a seu favor ganharam Zulia e Táchira, de importância equivalente.

Mas há um agravante. Zulia e Táchira, estados fronteiriços com a Colômbia, formam, junto com Mérida, limítrofe a esses dois estados, uma faixa de milhares de quilômetros em mãos da oposição, que se interpõe entre o governo chavista e a Colômbia com a ação das bases militares norte-americanas, em uma zona marcada pelo narcotráfico, contrabando e paramilitares – protegido pelo governo colombiano e pelas tropas gringas. A aventura de criar uma zona de ação contrarrevolucionária autônoma como foi Benghazi, na Líbia, é uma possibilidade real.

Assim, os resultados eleitorais devem ser analisados com maior profundidade. Um elemento importante é que a direita teve avanços em alguns bairros onde, tradicionalmente, não chegavam, impactando setores de classes sociais baixas em estados como Zúlia, Táchira, Anzoátegui e Bolívar.

Mas, um último elemento – o mais importante de todos – é que o resultado não se trata de um cheque em branco para o chavismo. Uma das expressões que levou muitos a pensarem sobre o fim do chavismo e os centristas dissidentes a pularem apressadamente fora do barco, é a dura crítica das pessoas na rua, do povo comum, contra o que está acontecendo. É uma crítica ao governo chavista, muito dura e implacável, mas que não os faz duvidar, ainda, da revolução.

Nos próprios grupos que esperavam durante a noite o resultado eleitoral do chavismo era possível escutar, sem nenhuma dissimulação, o profundo descontentamento das pessoas com a situação da economia, com a ineficácia do governo para enfrentá-la, pela corrupção nos vários níveis do governo, e por um burocratismo do Estado que ameaça asfixiar as expressões de organização democrática autônoma do povo.

Mais que a ameaça da direita e a embriaguez do triunfo eleitoral, a sobrevivência da revolução e que o chavismo continue sendo sua direção passam por atacar esses três problemas. O povo pede, é verdade, um basta à impunidade aos ataques, sabotagem e assassinatos praticados pela direita, mas também pede que se castigue com dureza os responsáveis pela corrupção no governo, que limitam o acesso do povo aos programas sociais, bens e serviços, às vezes com maior eficácia até maior do que a guerra econômica.

O povo exige medidas dirigidas ao controle dos bancos, do comércio exterior e da distribuição de bens e serviços. Uma planificação coerente da produção e produtividade que garanta soberania alimentar.

E, por último, as pessoas pedem uma profunda revolução política que revise a institucionalidade do Estado, o “golpe de timón[6] outrora já anunciado pelo próprio Chávez, com medidas enérgicas contra a corrupção e o burocratismo que permitam o exercício do poder real pelas organizações comunais e sindicais, por meio de suas expressões legítimas. Um governo realmente do povo, dos trabalhadores, para derrotar definitivamente a direita e a sabotagem econômica.

O perigo real, se não houver uma revolução política e não ocorrerem as profundas mudanças que o povo espera da ANC na construção de um verdadeiro socialismo, é que esta vitória eleitoral seja apenas mais um entre outros processos que sempre estarão dominados pela capacidade da direita de manipulação, por meio da mídia e das redes sociais.

É importante garantir a paz e estar aberto ao diálogo que impeça as escaladas de violência que periodicamente organiza a direita. Mas neste processo eleitoral ficou demonstrado que o povo não está disposto a se ajoelhar para obter a paz. Os analistas e pesquisadores refletiram o descontentamento da população pela aguda crise econômica em uma votação contra o governo – o que se traduzia, segundo eles, em uma maior votação a favor da direita ou numa alta abstenção. Alguns acreditaram nas cifras dos supostos sete milhões de votantes durante o plebiscito de julho durante a guarimba, esquecendo que não havia documentação que refletisse isso. Nenhum deles contou com as reservas imensas que possui a revolução bolivariana e que, apesar das imensas críticas, seguem considerando o governo chavista como “seu” governo.

Por isso, é muito importante que exista uma resposta à esperança do povo venezuelano com este triunfo eleitoral. Não se pode continuar falando de “guerra econômica” e que os atores dessa guerra atuem livremente. A revolução necessita que este mesmo povo que garantiu o triunfo eleitoral se converta no exército para a transformação revolucionária das instituições do Estado e do modelo econômico.

Em escala local (sub-região) e regional devem-se constituir as assembleias de organizações de base (conselhos comunais, organizações de trabalhadores, camponesas e estudantis) para estabelecer em cada sub-região os “planos de produção e de satisfação das necessidades”. Estas devem garantir o controle do processo produtivo e da distribuição, em nível local e regional, obedecendo a uma planificação centralizada. Em nível nacional, devem ser desburocratizados e reativados os conselhos presidenciais setoriais, em particular o Conselho presidencial comunal e os de trabalhadores (operários, camponeses, pescadores), a partir de delegados dos conselhos locais e regionais. O povo organizado tem que assumir o controle da economia, dos processos produtivos e de distribuição e, acima de tudo, de vigilância do Estado contra a burocratização e a corrupção.

Foi a mobilização popular a que derrotou a guarimba, nas ruas e nas eleições regionais. Foi a mobilização a que rechaçou a agressão militar imperialista. Somente a mobilização do povo derrotará a guerra econômica construindo um modelo econômico socialista e transformando o estado burocrático e corrupto em um Estado revolucionário.

Post-scriptum

  1. O governo de Bolívar, cujo resultado ainda não tinha sido anunciado, foi ganho pelo chavismo com uma diferença inferior a dois mil votos. Foi chave a alta votação nos bairros dos operários siderúrgicos (San Felix) para garantir o triunfo no Estado.

  2. Seguindo um roteiro prévio, a direção da MUD declarou que houve fraude nas primeiras horas, o que foi replicado pelo governo dos EUA, pela OEA e pelo que foi denominado de Grupo de Lima, que agrupa os governos do Brasil, Argentina, Chile, Peru, Colômbia, Canadá, Costa Rica, Guatemala, Honduras, México, Panamá e Paraguai. Inclusive o Secretário Geral da OEA declarou que foi um erro da oposição participar nas eleições de governador. No entanto, em nível interno, a frente da direita rompeu. O moderno processo eleitoral venezuelano inclui quatorze auditorias, sendo que uma delas compara o resultado eletrônico com o manual – cada eleitor recebe da máquina de votação um comprovante de seu voto que verifica e deposita em uma urna – após sua transmissão e cada organização política presente recebe uma ata com os resultados. Teriam que ser muito estúpidos as doze mil testemunhas e técnicos indicados pela MUD durante as auditorias para não detectar uma “fraude”. Assim que, mais do que certeza ou provas de fraude, tratava-se de um chamado ao reinício das guarimbas, o que foi rechaçado pela população. Nas poucas urbanizações em que logo em seguida às eleições houve uma tentativa de instalar guarimbas, essas foram desmontadas pelos próprios moradores. Para finalizar, a AD, o partido de direita mais beneficiado pelos resultados eleitorais – quatro dos cinco governos estaduais opositores – declarou publicamente que não havia fraude, que suas verificações confirmavam os resultados emitidos pela CNE em cada Estado e que não acompanharia nenhuma “aventura extremista” como a que ocorreu no primeiro semestre, referindo-se às guarimbas. Além da AD, outros dirigentes de direita desmentiram uma suposta fraude, o que desmantelou a ópera montada a partir da OEA.

 

 

[1] A Capital, que inclui 60% da cidade de Caracas e que possui o segundo colégio eleitoral do país, não elege governador.

[2] O voto não é obrigatório.

[3] Nome dado às ações de protesto organizadas pela oposição exigindo a saída de Maduro através do fechamento de ruas e avenidas, ataques as instalações e veículos públicos e fortes enfrentamentos com a Guarda Nacional Bolivariana.

[4] A denominação geográfica classista herdada chama de “bairros” as zonas urbanas pobres ou de classe baixa. Já as “urbanizações” são as zonas de classe média e alta.

[5] Denominação do dólar que dita cotação do paralelo desde Miami, com centro de operações na cidade colombiana de Cúcuta, localizada na fronteira com a Venezuela. O Today tem uma página web que serve de referência na Venezuela para as operações de câmbio no paralelo: https://dolartoday.com/

[6] Um golpe à esquerda no leme.