Por MAS – Movimento Alternativa Socialista, de Portugal
Estas eleições autárquicas ganharam um alcance nacional. Foram encaradas pelos eleitores como uma avaliação dos principais protagonistas políticos à escala nacional. Da direita ao PS, passando pela esquerda, todos estão agora a pensar nisso.
De onde vem a vitória do PS?
Os resultados são conhecidos. O PS é o “grande vencedor”. O prestígio conseguido pelo Governo, apoiado pela esquerda, por Bruxelas e pelo Presidente da República, assente num ciclo de crescimento económico, transmitiu-se às candidaturas do PS. Mas a verdade é que os resultados não foram estrondosos para o PS. Por exemplo em Lisboa, o PS perde 10 mil votos e a maioria absoluta, essencialmente para a sua esquerda. No Porto, Rui Moreira reforçou-se após a rutura com o PS. As nove Câmaras ganhas tão pouco constituem um número assinalável. No cômputo nacional, o PS cresceu apenas 2%.
A força do PS consiste, essencialmente, na derrota do PSD e no impasse da esquerda. Estas eleições mostram que, com a “Geringonça”, António Costa neutralizou os seus adversários… e os seus aliados. Na inexistência de oposição à altura, o menos mau aparece como o melhor possível.
O preço da divisão à esquerda
Ao BE e PCP, em particular, tem faltado um projeto político alternativo à direita e ao PS. A “Geringonça” foi apresentada como um acordo pontual com o PS, mas revelou-se permanente. A esquerda ficou sem estratégia própria. A esperança de muitos era que, neste processo, passo a passo, a esquerda pudesse ganhar força para voos mais altos mais adiante. Mas acontece o oposto: passo a passo, é o PS quem ganha força. E, com mais força, como tanto tem afirmado, Catarina Martins, o PS tende a fazer mais ataques.
Por isso temos proposto uma estratégia alternativa. Temos proposto que BE e PCP possam liderar um movimento mais amplo da esquerda, contra o PS e o PSD, para nas lutas e nas eleições derrotar estes partidos e reconquistar direitos. Antes das eleições autárquicas, propusemos que BE e PCP se candidatassem coligados. Hoje podemos ver que, caso isso tivesse sucedido, várias câmaras da CDU não teriam sido ganhas pelo PS, como é o caso de Almada ou até Beja. Uma unidade à esquerda poderia ter gerado um efeito multiplicador, que permitisse disputar Câmaras como Vila Franca de Xira ou o segundo lugar em Lisboa. Acima de tudo, um movimento unitário à esquerda teria acumulado forças maiores para lutar pelos temas centrais que a esquerda levantou: Transportes, Habitação, trabalho com direitos, etc.
O primeiro passo, na verdade, é refletir. É necessário um debate plural à esquerda, não só nas cúpulas dos partidos, mas aberto à sua base, ao movimento sindical e social, para fazer um balanço da experiência com este governo, da situação no país e no mundo e construir um plano de luta comum. Deixamos algumas ideias sobre os passos a dar.
Usar as posições conquistadas para lutar por direitos
Os resultados da esquerda padecem de todas as fragilidades que já assinalamos. A CDU teve uma importante derrota e o BE não deu o “salto” que pretendia. Mas as votações e os lugares conquistados ainda constituem uma força importante. No conjunto do país, a esquerda alcançou os 13%. A CDU mantém 24 Câmaras e 129 Freguesias, e entre BE e PCP foram eleitos 183 vereadores e 744 deputados municipais.
O direito a transportes, habitação, e serviços públicos, estiveram no centro da campanha de BE e CDU. Com os resultados obtidos, é certo estes problemas não serão resolvidos. Não só os Municípios dirigidos pelo PS e pela direita não vão dar resposta, mas sobretudo porque tal não é possível com a política restritiva do Governo.
Só a mobilização pode trazer soluções. Houve durante a campanha exemplos nesse sentido: a luta dos moradores da Rua dos Lagares, em Lisboa, contra os despejos, obteve uma vitória importante. Foi a mobilização dos moradores que derrotou o despejo, mas eleições e os eleitos mostraram ser um ponto de apoio. Mais do que todo o trabalho técnico e legislativo – muitas vezes essencial – é este tipo de ação que devemos exigir a um eleito de esquerda: estar ao serviço das lutas. A crise dos transportes e da habitação não podem agora cair no esquecimento, pelo contrário. Apesar de frágeis, os resultados eleitorais devem estar ao serviço de mobilizar as populações contra os despejos, contra a lei das rendas ou por mais investimentos nos transportes.
Nenhum apoio ao PS nas autarquias
Como o demonstra a experiência dos últimos dois anos, o PS, mesmo com o apoio da esquerda, não resolve o essencial. A esquerda, em aliança com o PS, tende a perder força. Será assim também nas autarquias. Eventuais coligações com o PS nos Municípios onde não obteve maioria, dificultam os avanços destas lutas. A esquerda já teve experiências nesse sentido. Recordamos a experiência negativa com o Vereador eleito pelo BE em Lisboa em 2008, José Sá Fernandes, quando o BE se coligou com António Costa e acabou por perder a representação na Câmara por muitos anos.
Por isso, preocupam-nos as declarações de Catarina Martins ou Ricardo Robles – por quem fizemos campanha nestas eleições – mostrando abertura para um acordo com o PS em Lisboa. Fernando Medina também já mostrou abertura nesse sentido. Apoiámos ativamente o BE em Lisboa, e em várias cidades para construir uma oposição ao PS e à direita também no terreno local. Os resultados demonstraram que essa é a melhor estratégia, pelo que apelamos a que nenhuma “Geringonça local” seja feita, em particular na capital.
Apoiar, estender e unir as lutas em curso
Depois de dois anos de acalmia social, começamos agora a ver lutas importantes. No privado os trabalhadores começam a lutar contra as administrações, que usam a legislação laboral herdada do Governo PSD/CDS para esmagar direitos – vimos isso na Autoeuropa e na PT. No público, os trabalhadores exigem uma verdadeira reposição de direitos – como é o caso de enfermeiros e médicos e outros funcionários públicos. Apoiar, estender e unir estas lutas é essencial. Por um lado, todas as forças e atenções da esquerda devem estar viradas para isso. Por outro, é necessário que elas se reflitam na política destes partidos: a exigência do descongelamento imediato das carreiras de todos os funcionários públicos, a revogação das leis laborais da Troika e o aumento real do salário mínimo devem ser linhas vermelhas em qualquer conversa com o PS.
Neste sentido, não faz sentido BE e PCP votarem favoravelmente a mais um Orçamento de Estado que troca salários e direitos pela meta do défice. Se o apoio a António Costa servia para afastar Passos Coelho do poder, esse problema já não se coloca. Se o BE e o PCP estão empenhados em lutar pelos serviços públicos, direitos laborais, transportes públicos e habitação para todos, como afirmaram durante a campanha, não podem ser favoráveis a um Orçamento que não avança em nada disso.
Pelo contrário: a esquerda tem a obrigação de apresentar um verdadeiro plano económico alternativo que contemple as 35 horas de trabalho no público e no privado, o investimento na saúde e na educação, a renacionalização de empresas como a PT, os CTT, a EDP e a TAP, o fim das PPP’s e a suspensão e auditoria do pagamento da dívida pública. Nada disso impede que BE e PCP possam exigir e aprovar medidas que tragam a recuperação de rendimentos e direitos, sem para isso terem de aprovar todos os Orçamentos.
100% à esquerda, contra a direita e o PS!
Nem BE nem PCP conseguem, cada um para seu lado, mobilizar a maioria dos trabalhadores e do povo de esquerda para confrontar os grandes interesses económicos que impedem verdadeiras mudanças no país. Mas unidos poderiam, se quisessem, começar esse movimento. Um movimento amplo, com um plano alternativo, que coloque a vida de quem trabalha antes das exigências dos bancos e de Bruxelas, pode ser posto em marcha. Desta forma, despertariam as forças daqueles que já desistiram de lutar e dariam uma perspetiva de vitória aqueles que estão nas lutas. Se a esquerda se tem queixado de não ter a relação de forças para conseguir mais direitos, é hora de se unir para construir essa força. Ao lado dos trabalhadores, da juventude, das mulheres, dos negros e imigrantes e das LGBT’s. Porque ao lado do PS, a esquerda não ganha forças. Se há coisa que as eleições autárquicas provaram é que o caminho não é por aí.
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