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Precisamos falar sobre o novo golpismo

Carlos Zacarias

Carlos Zacarias é doutor em História e pesquisador do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades (CRH) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde leciona desde 2010. Entre 1994 e 2010 foi professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), onde dirigiu a Associação Docente (ADUNEB) entre 2000 e 2002 e entre 2007 e 2009. Colunista do jornal A Tarde de Salvador, para o qual escreve artigos desde 2006, escreve às quintas-feiras, quinzenalmente, sobre temas de história e política para o Esquerda OnLine. É autor de Os impasses da estratégia: os comunistas, o antifascismo e a revolução burguesa no Brasil (1936-1948) (São Paulo, Annablume, 2009) e no ano passado publicou De tédio não morreremos: escritos pela esquerda (Salvador, Quarteto, 2016) e ainda organizou Capítulos de história dos comunistas no Brasil (Salvador, Edufba, 2016). É membro da Secretaria de Redação da Revista Outubro e do Conselho Editorial das revistas Crítica Marxista, História & Luta de Classes, Germinal, entre outras.

Por: Carlos Zacarias, colunista do Esquerda Online*
*Texto Publicado no Jornal A Tarde no dia 29/09/2017.

Na última semana, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, deu uma longa entrevista ao programa de Pedro Bial. No estilo talk show, o general falou descontraidamente de diversos assuntos. Mas o objetivo principal da entrevista, como logo se viu, foi repercutir a declaração do general Antonio Hamilton Mourão, que em palestra à Loja Maçônica de Brasília no dia 15, afirmou que uma intervenção militar no Brasil não estava descartada e que o comando do Exército estava atento à crise promovendo “aproximações sucessivas”, pois ou as instituições solucionam o problema político, ou “então nós teremos que impor isso”.

A polêmica fala de Mourão mereceu do comandante do Exército uma bem cuidada escolha de palavras. Villas Bôas evitou condenar o subordinado, a quem chamou de “bom soldado”, e embora tergiversasse sobre a possibilidade de uma “intervenção”, ou seja, de um novo golpe, reivindicou o artigo 142 da Constituição que, segundo seu raciocínio, estabelece a salvaguarda para uma intervenção das Forças Armadas caso as instituições estejam ameaçadas.

De fato, consta no artigo citado que as Forças Armadas “destinam-se à defesa da Pátria” e “à garantia dos poderes constitucionais”, entretanto se submetem à “autoridade suprema do Presidente da República” e dos poderes constituídos. Ou seja, embora o caput do artigo abrigue um dispositivo controverso que admite a atuação das Forças Armadas, estas não podem intervir ao arrepio dos poderes civis.

A entrevista do comandante do Exército dada a um apresentador e jornalista popular não deixou de passar a mensagem de que uma provável/possível/eventual intervenção militar “constitucional” não necessariamente levará o país a uma ditadura. Todavia, há apenas 50 anos do fatídico ano de 1964, não há quem possa alegar inocência diante dos riscos de um novo golpe que certamente nos conduzirá de uma vez por todas ao caos.

Ao final da entrevista com Bial, provocado pelo jornalista sobre os piores temores e as melhores esperanças para 2018, o general concordou que “o populismo” nos assombra, acrescentando que “o populismo tem sido a desgraça, principalmente na América do Sul”. De acordo com o general, não surgiu nenhuma alternativa que rompa com os “modelos e esquemas ultrapassados”, como “esquerda e direita”, “proletário e burguesia”.

Ninguém há de negar que vivemos uma crise de grandes proporções. Diante desse quadro que se arrasta por quase dois anos, soluções desesperadas são cogitadas por quem apoiou a aventura golpista e precisa sustentar o governo mais impopular da história. Nessa altura, é possível que os militares já não estejam mais tão isolados no seu afã de guardiões da lei e da ordem. Mas sendo impossível se prever o futuro, na medida em que a política orbita entre vários possíveis, só se pode prever a luta.