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CULTURA

Bye bye Alemanha

Por Raquel Varela, historiadora e colunista do Esquerda Online

Este ano vi um dos grandes filmes da minha vida, mas curiosamente não vejo grandes referências a ele. Chama-se Adeus Alemanha, Bye Bye Alemanha, consoante as traduções. É um filme que me marcou profundamente e, apesar de ter visto há duas semanas, ainda sobre ele reflicto agora. Pensando estes dias creio que está fora das recomendações porque é um filme incomodo para muitos sectores. Realmente incomodo.

Ele é um filme sobre o Holocausto e a esquerda em geral está assustada com a evolução para a extrema direita do Estado de Israel – escusado será dizer que os crimes de Israel não apagam os crimes do nazismo. Da mesma forma que os crimes do nazismo não aliviam os de Israel. E o filme é sobre o nazismo e o Holocausto. A partir de uma ideia divertida: um grupo ecléctico de judeus quer ganhar dinheiro para sair de um campo de refugiados na Alemanha pós 45, rumo aos EUA. Resolve vender lençóis e roupa de cama charmosa.

A segunda razão porque, creio, o filme não ganhou o carinho de massas dos media é porque retrata os judeus sem idealismos, com muitos clichés bem humorados, entre eles a ganância, o espírito comercial, clichés em parte ancorados no facto, verdadeiro, de um sector dos judeus ser historicamente ligados às cidades e ao comércio. A mensagem é duríssima – por mais gananciosos que sejam estes judeus – os do filme são todos – a distância entre mentir no comércio e ser sujeito a trabalhos forçados e morto numa câmara de gás é a distância entre os defeitos dos seres humanos, historicamente conjunturais e condenáveis, e a barbárie. Ter poucos escrúpulos e gerir um campo de concentração são dois factos incomparáveis.

A consequência é que o filme legitima a violência da resistência – um pouco como a Batalha de Argel. É um apelo a que os nazis sejam queimados vivos quando o que têm a oferecer é uma câmara de gás. Portanto, distingue a violência do carrasco da resistência violenta da vitima. O ataque da defesa. Que não espera, no filme, por uma lenta justiça, sem meios para condenar tantos criminosos (como a narrativa demonstra) levada a cabo pelas tropas americanas. É assim um filme sobre moral. Sobre limites, é um filme para adultos, sem maniqueísmos.

Ainda um final magnífico, avesso ao romantismo – a vida não é bela depois de um campo de concentração, todos saíram feridos da II Guerra, mesmo os que a ela sobreviveram. Mas os que a ela sobreviveram têm que aprender a viver porque, cito de memória «Hitler está morto, nós estamos vivos».

Em tempos de domínio da ideia de que enfrentar um conflito é fugir dele; “todos os lados têm culpa”, ” dar a outra face”, no fundo a ideia de que se enfrentamos um problema ele torna-se maior, o que tem levado ao cacatonismo dos mais frágeis socialmente – isto é visível nos locais de trabalho mas também na geopolítica mundial -, em tempos , em resumo, de perigoso relativismo moral este é um filme enorme. Sobre como realmente somos. Magnífico. É – e isso é tão importante quando o que escrevi antes, aliás decorre do que escrevi – um filme sobre relações humanas, amor, ódio, raiva, paixão, dedicação. Da selecção especial do festival de cinema de Berlim, realizado por Sam Garbarski. Imperdível.