Por: Victor Wolfgang Kemel Amal, de Florianópolis, SC
Entre os dias 13 e 18 de agosto, o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, fez um giro pelos países da América Latina. Foram visitados Colômbia, Argentina, Chile e Panamá. Entretanto, por mais que não tenha passado por Caracas, a crise venezuelana foi um dos temas centrais da viagem. Afinal, logo antes de ter partido dos EUA, Trump havia comentado que não descartaria uma intervenção militar na Venezuela; e Mike Pompeo, atual chefe da CIA, afirmou que a declaração de Trump foi no sentido de dar “esperanças” ao povo venezuelano e lembrar-lhes que “não estão sozinhos”. Essa evidente ameaça imperialista gerou tensões diplomáticas com os países do continente, redundando em uma nota de repúdio do Mercosul que se manifestou contrário à utilização da força contra Maduro.
A segunda questão que levou Pence à América Latina é o comércio internacional. A anulação do TPP (Parceria do Trans-Pacífico) assustou a Colômbia, Chile e Peru que assinavam o acordo. É compreensível que estejam temerosos de uma redução em seu fluxo comercial. Portanto, a crise venezuelana e os acordos comerciais foram os principais tópicos discutidos por Pence em nosso continente.
Quem é Mike Pence?
Pence é considerado o vice-presidente norte-americano mais conservador dos últimos 40 anos. Ele é membro do Tea-Party – setor fundamentalista religioso e nacionalista do Partido Republicano. É financiado pelos industriais bilionários irmãos Charles e David Koch, que investem em grupos conservadores pelo mundo todo, como é o caso do “Americanos pela prosperidade” nos EUA ou MBL e EPL no Brasil. Após alguns mandatos como deputado, foi eleito governador do estado de Indiana em 2013. Durante seus 4 anos de governo foi responsável por políticas de extrema-direita deploráveis como o Ato de Restauração da Liberdade Religiosa, que legalizava a discriminação sexual e de gênero caso tivesse “motivações religiosas”.
Durante as primárias republicanas de 2016, Pence apoiou o candidato oficial do Tea-Party, Ted Cruz. Porém, declarou apoio total à Trump após este ter-lhe indicado para a vice-presidência. A indicação de Pence se deveu à duas razões. Primeiro, aumentar a popularidade de Trump com a base fundamentalista cristã do Tea-Party. Segundo, colocar alguém que tivesse experiência e contatos no Congresso para fazer aprovar seus projetos de lei.
As posições de Pence sobre a política internacional seguem a mesma linha ultraconservadora. Durante os governos Bush (2001-08), como deputado, foi forte apoiador da chamada “guerra ao terror” e as invasões do Iraque e do Afeganistão. Trabalhou assiduamente para a aprovação do Ato Patriótico, uma lei lançada por Bush que autorizava a quebra de direitos democráticos dos cidadãos com o pretexto do “combate ao terror”. Defendeu também com unhas e dentes a manutenção da prisão de Guantánamo, cujo fechamento era promessa de campanha de Obama. E, por fim, é um defensor incondicional de Israel e contrário a qualquer tipo de estado Palestino.
É importante ressaltar, entretanto, que Pence não compartilhava das mesmas visões de Trump sobre algumas questões internacionais de importância. É preciso entender que Trump era um outsider no establishment republicano, ideologicamente mais próximo do site ultradireitista Breitbart News, dirigido por Steve Bannon, escolhido como estrategista-chefe da Casa Branca. Pence representa a ala ultraconservadora do partido. Assim, após a Primavera Árabe, Pence defendeu uma linha intervencionista, tanto na Líbia quanto na Síria, enquanto Trump se manifestava a favor de Assad. O mesmo ocorre em relação à Rússia.
Enquanto o presidente norte-americano tem ligações econômicas com os oligarcas deste país, o vice é favorável à continuidade das sanções contra a Rússia devido à anexação da Crimeia, em 2014. Finalmente, tratando-se do livre-comércio, Trump apresenta uma posição mais protecionista. Pence, por outro lado, apoiou o TPP (Parceria do Trans-Pacífico) que foi anulado pelo presidente; e negociou diretamente acordos comerciais com a Coréia do Sul, Colômbia e Panamá enquanto deputado.
De toda forma, no último dia 18, Bannon se afastou formalmente da Casa Branca. Isso consagra um maior enquadramento de Trump aos neoconservadores republicanos. Trata-se de um processo que já vinha de antes. Exemplo disso foi o abandono progressivo de sua política de aproximação de Putin (Rússia) e de Assad (Síria). A demissão de Michael Flynn, ex-Conselheiro de Segurança Nacional, em fevereiro desse ano, por suas ligações com a Rússia foi somente uma expressão disso.
Colômbia
Voltando ao giro de Pence sobre a América Latina, este começou justamente na Colômbia. Em sua conversa com o presidente Juan Manuel Santos, a crise venezuelana, o acordo de paz com as FARC e o comércio colombiano com os Estados Unidos foram os principais tópicos. Em relação à primeira questão, o certo é que o objetivo era afinar a política para a Venezuela depois da instalação Constituinte. Santos tem exercido um papel ativo no cerco ao país. Participou pessoalmente do boicote à Constituinte com direito à foto nas “guarimbas”. No país, Pence tentou amenizar os efeitos da declaração de Trump acerca da possibilidade de intervir militarmente no país. Apesar de não descartar essa possibilidade, disse que em Washington se espera solucionar o problema de forma pacífica. Contudo, foi categórico ao afirmar que os EUA não irão permitir que o “projeto de poder” de Nícolas Maduro persista, e que novas sanções econômicas poderiam ser adicionalmente aplicadas.
No que toca aos dois outros tópicos, Pence ofereceu ajuda norte-americana na condução da paz com as FARC e afirmou que esse processo incentiva o comércio entre os países, apesar de alertar quanto ao crescimento da produção de cocaína na Colômbia nos últimos dois anos conforme relatório da ONU em junho. Apesar de Trump ter anulado o TPP, que incluía a Colômbia, os EUA continuam a ser um dos principais parceiros econômicos deste país.
Argentina
Em seguida, Pence se dirigiu a Buenos Aires, Argentina. Lá, declarou que o país é o modelo para a América Latina, dado o giro neoliberal do presidente Maurício Macri. Segundo ele, as “reformas” levadas a cabo por seu governo – como o corte de impostos sobre a importação de produtos norte-americanos – estimula o “livre comércio” entre os países. Desde maio, a empresa petrolífera Exxon do secretário de estado norte-americano, Rex Tylerson, expandiu a extração de gás da terceira maior jazida de hidrocarbonetos do mundo, “Vaca Muerta”, descoberta pela empresa espanhola YPF em 2012. Todavia, a YPF foi parcialmente expropriada pelo governo de Cristina Kirchner naquele mesmo ano. Agora com Macri, a participação norte-americana na “Vaca Muerta” aumenta em relação ao ex-governo peronista. Os EUA são o terceiro maior parceiro comercial argentino, tendo as exportações para o país aumentado em 11% em relação a 2016 e chegando ao número de 2,5 bilhões.
Em relação à questão venezuelana, Macri concordou com Pence quanto à gravidade da situação. Em conformidade com a posição do conselho do Mercosul, endossou ser contrário à “opção militar”, mas a favor de ampliar as sanções, a começar pelo próprio Mercosul.
Chile
A terceira visita de Pence foi em Santiago, capital do Chile. Em suas declarações, fez questão de endossar a continuidade dos vínculos econômicos entre os países apesar da anulação do TPP por Trump. Nesse sentido, afirmou que o Acordo de Livre Comércio Estados Unidos-Chile assinado em 2003 é um modelo para o continente. Assim como nos outros países, Pence insistiu em emitir a mensagem que a política de “América Primeiro” não significa “América Sozinha”.
Pence ainda pressionou para que a atual presidente chilena, Michelle Bachelet, rompesse as relações diplomáticas e comerciais com a Coréia do Norte. Este mesmo movimento de pressão está sendo aplicado ao Brasil, México e Peru, que ainda mantém relações com o governo de Kim Jong. Em relação à Venezuela, mais uma vez, se esquivou de perguntas acerca do comentário de Trump sobre uma possível intervenção militar.
Panamá
A última visita de Trump na América Latina foi no Panamá, onde se encontrou com Juan Carlos Varela. O Panamá, na prática, é uma colônia dos Estados Unidos desde a guerra contra a Espanha no final do século XIX e início do XX. A construção do canal do Panamá possibilitou aos EUA a maior vantagem geopolítica da história da humanidade: controla a passagem marítima entre dois oceanos, o Atlântico e o Pacífico. Recentemente, o canal foi expandido, tornando-se também tema do encontro. Nesse sentido, a discussão sobre a Venezuela ficou em segundo plano, dando lugar mais uma vez à questão comercial e o combate ao tráfico de drogas na região.
Importante ressaltar que a visita de Pence ao Panamá não passou imune a protestos. Organizações de esquerda e operários da construção civil fizeram um ato sob o slogan “Venezuela: o coração da América. Basta à interferência dos EUA na América Latina”. A manifestação se deu em frente do monumento aos estudantes que morreram em protestos anti-imperialistas em 1964.
Consolidando o projeto dos EUA para a América Latina
A passagem de Pence teve como objetivo consolidar a ofensiva recolonizadora dos EUA sob o governo Trump na América Latina. Ela busca consolidar as relações com os novos governos neoliberais como o de Macri e seguir removendo os governos nacionalistas-burgueses (populistas de esquerda) e frente populistas (colaboração de classes) que assumiram o poder na esteira do ascenso que derrubou os governos neoliberais nos anos 90, como foi o caso do impeachment de Dilma.
Neste momento, uma de suas preocupações centrais é como estrangular o processo revolucionário venezuelano pela via da derrocada do governo Maduro, ainda que por ora tenha descartado a intervenção militar direta. Além da dominação política, o giro de Pence objetivava também avançar na dominação econômica. Por isso tentou consolidar os acordos comerciais bilaterais em substituição ao TPP. O mesmo em relação ao canal do Panamá, aliás, sob a ameaça do projeto chinês de construção de um novo canal na Nicarágua. Mesmo em relação a governos que elogiou como “modelo” a ser seguido, como o de Macri, os EUA acabam de impor, preliminarmente, tarifas alfandegárias de mais de 50% aos cerca de 1,2 bilhões de dólares que importa de biodiesel argentino.
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