Lula errou, manteve relações promíscuas com a burguesia e seus partidos e recebeu mimos e favores, mas quem deve julgar isso é o voto popular
Por: Henrique Carneiro*, colunista do Esquerda Online
A condenação de Lula, além da ausência de provas cabais sobre a titularidade do apartamento, tem duas enormes desproporções que ressaltam o caráter político dessa decisão de um único juiz. Os escândalos de corrupção revelados pela Lava Jato envolvem bilhões de reais desviados. As contas no exterior de Renato Duque, Eduardo Cunha, Sérgio Cabral são de dezenas, ou até centenas de milhões.
Renato Duque entregou contas no valor de mais de 20 milhões de euros. Cabral tinha 100 milhões de dólares em dez contas em cinco países. Cunha tinha mais de 2,5 milhões de francos suíços numa só das contas bloqueadas pela Suíça, além de outras duas que ele encerrou antes das investigações. No caso de Palocci, sua empresa Projeto Consultoria tinha 30 milhões em ativos financeiros. No caso de Lula, não há contas no exterior, não há propriedades de luxo, não há fazendas, nem ativos financeiros.
Há apenas reformas num sítio de amigos e reformas num apartamento que seria destinado a venda para Lula, mas o qual ele recusou. Os valores que envolvem essas reformas são da grandeza das centenas de milhares de dólares, não de milhões.
Desde que Lula começou a fazer palestras para a Odebrecht e outras grandes empresas, isso me pareceu algo indigno de um líder da classe trabalhadora e que isso envolvia uma relação de recebimento de dinheiro que era imoral, mesmo que não fosse ilegal. A lista das 41 empresas que pagaram para Lula palestrar é grande e inclui da Infoglobo a bancos.
A delação da JBS citou contas usadas para Lula e Dilma no montante de 150 milhões dólares. Caso houvesse uma evidência dessas contas, seria de fato justificável uma condenação contra os seus detentores. Mas, até o momento, não houve nenhuma evidência de enriquecimento ilícito de Lula. Os pedalinhos do sítio de Atibaia, assim como foram as pedaladas fiscais atribuídas a Dilma são um pretexto mequetrefe que não enfoca o núcleo do desvio de centenas de milhões.
O próprio Temer tem uma mala de dinheiro que vale meio apartamento e que seria apenas uma cota semanal da propina da JBS entregue para seu preposto e filmada. Aécio também teve dois milhões recebidos e flagrados. Alguns têm fazendas, aeroportos, helicópteros, até mesmo carregados de cocaína, contas no exterior declaradas ou não, ações de empresas, carros de luxo, consumo de luxo obsceno, e estão não só impunes, mas governando o país na cadeira presidencial e no Congresso Nacional.
Essa é a primeira desproporção. A segunda é política. No momento em que o Procurador da República denunciou Temer e em que este conseguiu aprovar uma Reforma Trabalhista que ataca direitos históricos, é anunciada a condenação de Lula. A escolha da oportunidade política em que se anuncia essa decisão não é acidental. O governo está numa crise aguda. Faltam apenas 15 meses para a eleição presidencial na qual as pesquisas indicam Lula como o primeiro colocado preferido por cerca de 30% do eleitorado.
Há um julgamento que só pode ser político. Não se pode cassar a candidatura do maior líder popular das últimas décadas por causa de algumas reformas de um apartamento cuja propriedade não se comprovou sequer ser dele.
A trajetória de Lula é uma demonstração de que sua política de conciliação e de alianças com setores da burguesia foi um erro tão grande que lhe saiu como um tiro pela culatra. Seus próprios ex-aliados agora buscam descartá-lo. Embora não todos. Alguns, como Renan, já se lançaram a defender Lula, o que mostra que na eventualidade de uma nova candidatura sua ele deverá repetir de forma piorada o que já fez antes. Não se pode descartar até mesmo que a aliança com o PMDB venha a continuar.
O PT precisa ser superado e Lula deve ser denunciado em tudo que fez de errado. Mas, isso só poderá ser feito pela vontade coletiva manifestada em eleições democráticas que foram violadas com o processo do impeachment e continuam a ser negadas ao povo brasileiro.
Foto: Reprodução Globo
*Henrique Carneiro é historiador e professor da USP
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