Por: Ana Lucia Marchiori, de São Paulo, SP
No dia 21 de fevereiro último, o Ministro Presidente do TST Ives Granda Filho publicou um artigo 1 defendendo as reformas Trabalhista e Previdenciária propostas pelo governo Temer. Na mesma data, os professores e Juízes do Trabalho Jorge Luiz Souto Maior (TRT15) e Valdete Souto Severo (TRT4), publicaram artigo2 publicado no site jurídico Justificando, expressando suas opiniões contrárias às do eminente Ministro Ives Granda. As polêmicas no campo jurídico e acadêmico são normais. Juristas discordarem e apresentarem ideias opostas seria algo normal e salutar em uma Democracia.
Entretanto, para surpresa de advogadas e advogados, juízes, promotores e meio acadêmico, pois, o Ministro Ives Granda Filho representou os professores e Juízes Jorge Luiz Souto Maior e Valdete Souto Severo, junto ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ, para que seja aplicada a pena de CENSURA aos magistrados. A ameaça de Censura é uma ameaça que atinge todos.
Censura é coisa da Ditadura
Os famosos Atos Institucionais foram medidas jurídicas tomadas pelo governo militar que deram as condições necessárias para tornar o Brasil uma Ditadura. O regime ditatorial, marcado por sua característica despótica, foi capaz de vetar os direitos que eram garantidos pela Constituição brasileira, impondo, assim, por meio da opressão militar e policial, o silêncio dos opositores. O AI5 foi, sem dúvida, a fase pior da repressão. Antes o regime militar já se utilizava da Lei de Segurança Nacional para “enquadrar” os ditos subversivos. Com o advento do AI5, foi criado um Conselho Superior de Censura, seguido por tribunais de censura, para julgar os órgãos de comunicação que burlassem as regras, fechando-os imediatamente.
Os censores do Estado acompanhavam de perto tudo que seria publicado, com o objetivo de garantir a imagem de estabilidade política e prosperidade da nação. A CONTEL (Conselho Nacional de Telecomunicações) era a responsável pela censura dos meios de comunicação. Sendo comandada pelo Serviço Nacional de Informações SNI e pelo DOPS. A CONTEL vetava qualquer notícia de manifestação comandada por estudantes; mesmo as músicas, programas televisivos, programas de rádio, cinema, livros e jornais eram todos avaliados antes da publicação. Em muitas ocasiões eram vetadas matérias em jornais, que publicavam em seu lugar matérias em branco ou receitas culinárias que nunca resultavam no que se propunha inicialmente, tudo como tentativa de despertar a população para o que estava acontecendo.
Os dirigentes do SNI, caso achassem oportuno, expediam ordens de vigilância, quebra de sigilo postal e telefônico daqueles suspeitos que eram considerados perigosos à Segurança Nacional. O SNI substituiu o DNI (Departamento Nacional de Propaganda), que por sua vez havia substituído o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Órgão responsável pela censura de produções artísticas durante o regime militar, a Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), tem sua gênese em um decreto de 1934, com o qual Getúlio Vargas criou o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural. Em 1939, surge outro braço de sua inspiração: o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).
Entre 1968 e 1978 mais de 600 filmes, 500 peças teatrais, vários livros e assuntos escolares foram proibidos pela censura. Também foram criados tribunais de censura, com a finalidade de julgar rapidamente órgãos de comunicações que burlassem a ordem estabelecida, com seu fechamento e lacramento imediato em caso de necessidade institucional. Em 1978 o AI-5 foi revogado e a ditadura começou a perder força, tinha início um lento processo de redemocratização que só iria se concluir com a campanha Diretas Já.
Em defesa da liberdade de expressão
Quando se pensa em liberdade de expressão (art. 5º, IV da Constituição Federal), se faz recordar deste projeto democrático inacabado, fundado em um liberalismo de superfície, como nos fala Sérgio Buarque de Holanda3, que resultou no lamentável mal-entendido de nossa democracia. A Constituição Federal é, em última análise, uma lei. A mais importante delas, todas as normas constitucionais passaram a ser dotadas de supremacia jurídica, providas, que são, de eficácia jurídica; notadamente, as normas definidoras de direito, dotadas de aplicação imediata, como se pode depreender do artigo 5º, § 1º da Constituição Federal4.
Dessa forma, a Constituição Federal, ao dedilhar-se suas páginas ou examinar-lhes os artigos5, vê-se um conjunto de temas que foram lá inseridos de modo a se poder concluir, sem sombra de dúvida tratar-se, a liberdade de expressão, de um direito fundamental. Não obstante tenham de observar as disposições infraconstitucionais do Estatuto da Magistratura, da Lei Orgânica da Magistratura, e da legislação ordinária em vigor, em especial a Resolução 135, artigo 3º, II, que dispõe como uma das penas disciplinares a censura. Todavia, dar imperatividade ao seu comando, implica no acionamento de um mecanismo de coação.
Na verdade, o que pretende o eminente Ministro Ives Granda Filho é calar a voz às contrarreformas trabalhista e previdenciária. Não é de hoje, pois, sempre os professores e juízes Jorge Luiz Souto Maior e Valdete Souto Severo, estiveram a frente na defesa dos direitos das trabalhadoras e trabalhadores. Lembramos o ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal Ministro Carlos Ayres Britto: “A liberdade de imprensa não é uma bolha normativa ou uma fórmula prescritiva oca. Tem conteúdo, e esse conteúdo é formado pelo rol de liberdades que se lê a partir da cabeça do art. 220 da Constituição Federal: liberdade de “manifestação do pensamento”, liberdade de “criação”, liberdade de “expressão”, liberdade de “informação”.6
Toda solidariedade a Jorge Luiz Souto Maior e Valdete Souto Severo
Tanto o meio jurídico e acadêmico, como também os movimentos sociais, estudantis, sindicais, e a classe trabalhadora em geral, devem tomar a luta democrática como uma luta de todos. A CENSURA ao artigo do Professor e Juiz Jorge Luiz Souto Maior e da Professora e Juíza Valdete Souto Severo, é uma censura ao conjunto da classe trabalhadora. Portanto, merecem toda a solidariedade e apoio do conjunto dos movimentos sociais.
O artigo que levantou a ira de Ministro Ives Granda Filho, foi republicado, agora assinado por mais de 1300 pessoas entre os mais conceituados juristas do país, em uma clara demonstração de apoio e resistência, em alto e bom som, não vão nós calar.
1 http://www.poder360.com.br/opiniao/opiniao/tribunais-refratarios-a-negociacao-justificam-eixo-da-reforma-trabalhista/
2 http://justificando.cartacapital.com.br/2017/02/21/mais-uma-vez-ives-gandra-filho-rifa-direitos-fundamentais-alheios-e-justica-do-trabalho/
3 Holanda. Sérgio Buarque de. Raizes do Brasil. 26ed. 1995, pág 153 “As origens
da democracia no Brasil: um mal-entendido”
4 Art. 5º. […] § 1º – As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata
5 Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; […] V – é livre a expressão da atividade intelectual, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; […] XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdade fundamentais.
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º – Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º – É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
§ 3º – Compete à lei federal:
I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;
II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
§ 4º – A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.
§ 5º – Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.
§ 6º – A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade
6 ADPF 130, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 30/04/2009, DJe-208 DIVULG 05-11-2009 PUBLIC 06-11-2009 EMENT VOL-02381-01 PP-00001 RTJ VOL-00213- PP-00020
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