Por Matheus Gomes, Colunista do Esquerda Online
Hoje vamos para mais uma audiência do julgamento do Bloco de Lutas. Resolvi refletir sobre o dia que vivemos há quatro anos.
Aquela quinta-feira foi o ápice de uma semana intensa. De quinta à quinta o Brasil acumulou uma energia política inovadora, as ruas pulsavam. Os protestos organizados por movimentos como o MPL (SP) e o Bloco de Lutas (POA) ganharam a solidariedade e a simpatia de milhões de pessoas. O editorial da Folha de São Paulo exigindo repressão impiedosa aos manifestantes no 13J foi dois dias antes do início da Copa das Confederações, já a manifestação nacional monstra do 20J ocorreu um dia depois da dupla Neymar e Jô guardar dois gols no México. É que ai a ação coletiva nas ruas já era o centro das atenções ao invés dos gramados. O pacto selado entre multinacionais e governantes foi para os ares quando irrompeu o povo jovem e trabalhador, maioria nas ruas durante as jornadas.
Eu acordei cedo. Fui fazer uma panfletagem para divulgar o ato das 17h no Paço Municipal. Chovia num frio de “renguear cusco”. Sai de casa as 7h e fiquei com a mesma roupa até o final do dia. A tensão começou muito antes do ato. No início da tarde recebemos a notícia da invasão na sede da Federação Anarquista Gaúcha. Homens que diziam ser da Polícia Federal entraram e vasculharam o Ateneu Libertário pra levar materiais políticos e livros. A escalada repressiva contra o Bloco de Lutas já tinha começado em abril, mas esse fato mostrou que a perseguição ficaria mais intensa com o crescimento dos atos. Naquela noite cerca de 850 homens da Brigada Militar foram pras ruas reprimir o ato, num mega aparato que se concentrou majoritariamente em três pontos: na frente da Zero Hora, nos arredores da Matriz e, no final do ato, entre o Glênio Peres e as principais paradas de ônibus do Centro.
Rapidamente convocamos uma coletiva de imprensa no DCE da UFRGS as 16h. Contatamos toda a imprensa local e decidimos um método pra fazer a coletiva que não focasse numa liderança específica nos microfones. Algumas pessoas se revezaram a cada parágrafo atrás de outras pessoas que seguravam faixas e cartazes. Falamos da perseguição política, mas tentamos puxar a atenção pras demandas do movimento, já que a Zero Hora divulgou pautas que não eram as nossas pra começar a operação de sequestro das manifestações, além de dizer que recebíamos treinamento de guerrilha através de movimentos internacionais (!).
Quando chegamos no protesto uma multidão já se aglomerava entre a Esquina Democrática e a prefeitura. Chovia bastante, mas descobri a incrível sensação de marchar encharcado ao lado de milhares de pessoas. A manifestação se dividiu em duas. De um lado o Bloco de Lutas querendo ir ao Piratini, do outro pessoas que não temos como saber quem eram coordenando uma manifestação em direção a Zero Hora. Calcular quantos éramos é uma tarefa pendente que em breve vou resolver, mas as duas marchas se encontraram na João Pessoa com a Salgado Filho. A pressão para descermos até a Ipiranga venceu porque vínhamos de uma rua menor, o que nos tirava a condição de influenciar no itinerário, mas também sugere que a manifestação que encontramos era ainda maior que a nossa.
A Brigada Militar fez subir uma cortina de gás nunca vista em Porto Alegre, foi mais de uma hora de enfrentamento na Ipiranga com a Azenha sobre uma manifestação que até então seguia pacífica e tranquila. Nessa altura do campeonato já não tínhamos domínio de fato algum, ao contrário do que pensa o Delegado. Queríamos apenas nos proteger e cuidar uns dos outros para seguir em luta. Nossos corpos eram as armas que tínhamos para batalhar pelas ideias que acreditávamos naquele Junho.
Foi um dia emblemático. Depois do 20J, o MPL disse que não chamaria mais protestos em São Paulo e a participação das organizações de esquerda nas manifestações começava a ficar difícil em todo o país. Em POA tivemos outro ato na segunda (24J) e na quinta (27J), numa dinâmica distinta das outras metrópoles, mais articulada em torno das manifestações que organizávamos devido à existência do ciclo anterior de março e abril. Já os Marinhos agiram rapidamente e em poucas horas fizeram um Globo Repórter criando o seu perfil de movimento (branco, de classe média e verde-amarelo), no sábado veio a Veja etc. Enquanto isso, Dilma fazia seu pronunciamento em rede nacional falando de democracia e liberdade de expressão, direitos sociais, amor dos brasileiros pelo futebol e combate a violência nos atos, na impossível tarefa de agradar gregos e troianos. Foi nesse dia que prenderam o Rafael Braga.
Quatro anos depois retomo essas lembranças tentando seguir o conselho de Walter Benjamim nas suas Teses Sobre História. Mesmo que olhando para o passado com sabor já insípido, prefiro usar da minha memória para tentar despertar “as centelhas da esperança”, por que sim, “nem os mortos estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer”. Seguimos em luta, olhando pra frente!
Fotos de POA: Ramiro Furquim e Bernardo Jardim; RJ: autor desconhecido.
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