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Colunas

Minhas memórias do dia 20 de junho de 2013

Matheus Gomes

Deputado estadual pelo PSOL no Rio Grande do Sul, Matheus Gomes é historiador, servidor do IBGE e ativista do movimento social há mais de 10 anos. Sua coluna mostra a visão de um jovem negro e marxista sobre temas da política nacional e internacional, especialmente dos povos da diáspora africana.

Por Matheus Gomes, Colunista do Esquerda Online

Hoje vamos para mais uma audiência do julgamento do Bloco de Lutas. Resolvi refletir sobre o dia que vivemos há quatro anos.

Aquela quinta-feira foi o ápice de uma semana intensa. De quinta à quinta o Brasil acumulou uma energia política inovadora, as ruas pulsavam. Os protestos organizados por movimentos como o MPL (SP) e o Bloco de Lutas (POA) ganharam a solidariedade e a simpatia de milhões de pessoas. O editorial da Folha de São Paulo exigindo repressão impiedosa aos manifestantes no 13J foi dois dias antes do início da Copa das Confederações, já a manifestação nacional monstra do 20J ocorreu um dia depois da dupla Neymar e Jô guardar dois gols no México. É que ai a ação coletiva nas ruas já era o centro das atenções ao invés dos gramados. O pacto selado entre multinacionais e governantes foi para os ares quando irrompeu o povo jovem e trabalhador, maioria nas ruas durante as jornadas.

Repressão na Ipiranga
Repressão na Ipiranga

Eu acordei cedo. Fui fazer uma panfletagem para divulgar o ato das 17h no Paço Municipal. Chovia num frio de “renguear cusco”. Sai de casa as 7h e fiquei com a mesma roupa até o final do dia. A tensão começou muito antes do ato. No início da tarde recebemos a notícia da invasão na sede da Federação Anarquista Gaúcha. Homens que diziam ser da Polícia Federal entraram e vasculharam o Ateneu Libertário pra levar materiais políticos e livros. A escalada repressiva contra o Bloco de Lutas já tinha começado em abril, mas esse fato mostrou que a perseguição ficaria mais intensa com o crescimento dos atos. Naquela noite cerca de 850 homens da Brigada Militar foram pras ruas reprimir o ato, num mega aparato que se concentrou majoritariamente em três pontos: na frente da Zero Hora, nos arredores da Matriz e, no final do ato, entre o Glênio Peres e as principais paradas de ônibus do Centro.

Rapidamente convocamos uma coletiva de imprensa no DCE da UFRGS as 16h. Contatamos toda a imprensa local e decidimos um método pra fazer a coletiva que não focasse numa liderança específica nos microfones. Algumas pessoas se revezaram a cada parágrafo atrás de outras pessoas que seguravam faixas e cartazes. Falamos da perseguição política, mas tentamos puxar a atenção pras demandas do movimento, já que a Zero Hora divulgou pautas que não eram as nossas pra começar a operação de sequestro das manifestações, além de dizer que recebíamos treinamento de guerrilha através de movimentos internacionais (!).

Coletiva de imprensa do bloco de lutas
Coletiva de imprensa do bloco de lutas

Quando chegamos no protesto uma multidão já se aglomerava entre a Esquina Democrática e a prefeitura. Chovia bastante, mas descobri a incrível sensação de marchar encharcado ao lado de milhares de pessoas. A manifestação se dividiu em duas. De um lado o Bloco de Lutas querendo ir ao Piratini, do outro pessoas que não temos como saber quem eram coordenando uma manifestação em direção a Zero Hora. Calcular quantos éramos é uma tarefa pendente que em breve vou resolver, mas as duas marchas se encontraram na João Pessoa com a Salgado Filho. A pressão para descermos até a Ipiranga venceu porque vínhamos de uma rua menor, o que nos tirava a condição de influenciar no itinerário, mas também sugere que a manifestação que encontramos era ainda maior que a nossa.
A Brigada Militar fez subir uma cortina de gás nunca vista em Porto Alegre, foi mais de uma hora de enfrentamento na Ipiranga com a Azenha sobre uma manifestação que até então seguia pacífica e tranquila. Nessa altura do campeonato já não tínhamos domínio de fato algum, ao contrário do que pensa o Delegado. Queríamos apenas nos proteger e cuidar uns dos outros para seguir em luta. Nossos corpos eram as armas que tínhamos para batalhar pelas ideias que acreditávamos naquele Junho.

Foi um dia emblemático. Depois do 20J, o MPL disse que não chamaria mais protestos em São Paulo e a participação das organizações de esquerda nas manifestações começava a ficar difícil em todo o país. Em POA tivemos outro ato na segunda (24J) e na quinta (27J), numa dinâmica distinta das outras metrópoles, mais articulada em torno das manifestações que organizávamos devido à existência do ciclo anterior de março e abril. Já os Marinhos agiram rapidamente e em poucas horas fizeram um Globo Repórter criando o seu perfil de movimento (branco, de classe média e verde-amarelo), no sábado veio a Veja etc. Enquanto isso, Dilma fazia seu pronunciamento em rede nacional falando de democracia e liberdade de expressão, direitos sociais, amor dos brasileiros pelo futebol e combate a violência nos atos, na impossível tarefa de agradar gregos e troianos. Foi nesse dia que prenderam o Rafael Braga.

Quatro anos depois retomo essas lembranças tentando seguir o conselho de Walter Benjamim nas suas Teses Sobre História. Mesmo que olhando para o passado com sabor já insípido, prefiro usar da minha memória para tentar despertar “as centelhas da esperança”, por que sim, “nem os mortos estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer”. Seguimos em luta, olhando pra frente!

Fotos de POA: Ramiro Furquim e Bernardo Jardim; RJ: autor desconhecido.