Por: Clara Saraiva, do Rio de Janeiro e Diogo Xavier, de Recife
Há poucos dias, a presidenta da UNE, Carina Vitral, tirou uma foto com José Serra (PSDB) que, depois de publicada no facebook, causou um grande rebuliço. Vivemos na era da super informação, as imagens e os debates se viralizam rapidamente e multiplicam-se as polêmicas, mesmo que de forma efêmera. No caso da foto em questão, não demorou muito e a UJS recebeu uma enxurrada de críticas sobre a Carina “sorrindo e abraçada” com o golpista do Serra. Muitos de seus militantes rebateram, valorizando a “iniciativa democrática” e ridicularizando as “críticas infantis”. Diante desse cenário, vale a pena uma reflexão sobre o assunto que saia da reação espontânea e, muitas vezes, superficial, da rapidez da internet.
O contexto da foto é a filmagem de um documentário sobre a UNE, mais especificamente sobre a sede da UNE, incendiada um dia após o golpe militar de 1964, quando José Serra era o presidente da entidade. Esse fato, do ponto de vista documental, torna natural que o ex-ministro de Temer seja entrevistado. Não se pode apagar o passado, e concordamos que é muito importante que essas histórias sejam contadas para as novas gerações. Ainda mais do papel fundamental que a UNE teve na resistência à ditadura militar. A foto, por fim, aconteceu a pedido do Serra, para postar em suas redes, registrando a entrevista. Diante disso, Carina devia ter aceitado ou não o convite? Trata-se apenas de uma foto como um registro democrático da história da entidade?
É muito importante que a UNE tenha se posicionado contra o impeachment, apoioado os atos contra a retirada de direitos e as ocupações estudantis do fim de 2016. O problema é que a UJS, como conduz de forma burocrática e com uma política conciliatória, a impede de fazer isso impulsionando a organização democrática pela base dos estudantes e fomentando um processo de mobilização radical. Dessa forma, faz com que o potencial da UNE em ser uma entidade nacional que organiza milhares de entidades estudantis e quase a totalidade dos agrupamentos organizados de juventude se perca totalmente.
Não é novidade o papel traidor que cumpriu a UJS quando, por exemplo, negociou o direito dos estudantes à meia-entrada, aceitando sua restrição para 40% das bilheterias em troca da volta do monopólio das carteirinhas da UNE. Ou seu apoio irrestrito e acrítico a todas as políticas dos governos do PT, combinado ao silêncio diante dos sucessivos cortes para as áreas sociais. Fizeram da UNE um aparato institucional. Mesmo depois das grandiosas Jornadas de junho de 2013, que transformaram radicalmente o movimento estudantil, ou ainda depois do golpe parlamentar, quando se localizaram na oposição ao governo federal, não mudaram esse caráter da entidade. Fazem aparições midiáticas e chamados formais à mobilização, mas não fortalecem a organização democrática de base dos estudantes.
Carina é uma dirigente da UJS, juventude do PCdoB. Antes fosse só a fatídica foto que juntasse este partido e o PSDB. Nas últimas eleições para o governo do Maranhão, o PCdoB encabeçou com Flávio Dino uma chapa com uma ampla aliança, que incluía os golpistas do PSDB e DEM. Curiosamente, os partidos da direita tradicional têm ensaiado um distanciamento com o governo do PCdoB, buscando um alinhamento mais sintonizado com a conjuntura nacional, ou seja, com o PMDB de Temer. E é o governador do PCdoB que tem brigado para continuar a aliança. Há poucos dias, Flávio Dino deu a seguinte declaração:
“Podemos e devemos falar de futuro. É de minha vontade que o PSDB continue compondo chapa majoritária com o PCdoB. Estou muito feliz em estar aqui avaliando com vocês os avanços que este partido nos ajudou a construir no governo do Estado. O Brandão é um presidente eficiente. O PSDB continua em mãos eficientes e honradas. Espero que o PSDB continue crescendo em nosso estado – é um desejo sincero do meu coração – com toda minha gratidão e solidariedade”.
Por detrás dessa postura, está a concepção e a estratégia do PCdoB. Nem depois do golpe, se furtam a construir projetos e governos junto com os golpistas. São um partido completamente adaptado ao Estado e à gerência do capitalismo, ainda que estejam atualmente no campo de oposição ao governo Temer. Outro exemplo recente é o apoio da bancada do PCdoB à eleição de Rodrigo Maia, deputado do DEM que votou a favor do impeachment de Dilma, para presidente da Câmara dos Deputados. A declaração do líder da bancada, Daniel Almeida, não deixa dúvidas da política conciliatória e pragmática: “Não se trata de uma disputa entre direita e esquerda. Não há hipótese de um candidato de oposição ganhar. Queremos o compromisso com o funcionamento regular da Casa (…)”. Casa, essa, que funcionando regularmente tem votados projetos como a lei da terceirização e a reforma trabalhista. Exemplos como esses, que infelizmente não são casos isolados, expressam que o PCdoB não aprendeu com o golpe e mantém uma conduta absorvida à institucionalidade e à velha forma de fazer política.
Em um vídeo divulgado em abril, a UNE coloca que seria uma entidade “nem de direita, nem de esquerda”. Tentando dar um ar de “neutralidade”, busca abraçar uma parcela da juventude distante da UNE e legitimar a entrada de setores de direita que se organizam com mais força pra disputar a entidade através do MEIO – Movimento Estudantil Independente Organizado. No entanto, essa suposta neutralidade joga a favor dos nossos adversários, num contexto em que precisamos disputar a juventude para se organizar e resistir com força. Enfraquecem o caráter combativo da UNE, já tão apagado pela condução da UJS.
Vivemos em um contexto em que é muito importante a disputa ideológica. Figuras abertamente da direita reacionária, como Dória e Bolsonaro, levam jovens a apoiar ideias preconceituosas e conservadoras. A “neutralidade” nunca foi o lugar das entidades que estão ao lado do interesse dos estudantes. A foto pode, em si, parecer pouco. Mas esconde uma concepção que tem levado a UNE para o caminho da institucionalidade e da defesa de um projeto de mediação com os interesses do capital.
Infelizmente, é difícil construir qualquer expectativa que seja diferente disso, já que a direção majoritária da UNE trilha há muito tempo essa aproximação com os inimigos da juventude. Foi assim com Sarney, Cunha, Collor, Kátia Abreu e outras figuras bizarras da velha política brasileira. A foto é lamentável simplesmente porque reforça essa conduta. Carina, em sua página no facebook, responde as acusações afirmando: “o diálogo entre pessoas de posições divergentes ou mesmo opostas faz parte da democracia e, na verdade, é a sua essência para a construção de uma sociedade que saiba respeitar todos os seus membros”. E o que fazer diante de uma sociedade ditada por um sistema que não respeita as vidas dos trabalhadores e da juventude? Talvez nossa maior diferença esteja aí. Não respeitamos golpistas, banqueiros, grandes capitalistas e quem governa para massacrar greves, retirar direitos e tirar a vida da juventude negra nas favelas. Não há democracia para todos na sociedade em que vivemos. Por isso, precisamos escolher bem nossos aliados e identificar bem os inimigos. Resta saber se estão dispostos a entrar nessa briga.
As reformas do governo Temer mobilizaram os trabalhadores e a juventude para resistir. Infelizmente, a participação da UNE nesse processo tem sido extremamente limitada. Até agora, por exemplo, não se posicionaram sobre a necessidade de construir uma nova Greve Geral, não impulsionam Comitês de Base nas universidades, não constróem um calendário próprio de luta do movimento estudantil.
Junto com a Oposição de Esquerda, apostamos na intervenção no CONUNE para fazer esse debate e ganhar mais jovens para a ideia de que é preciso mudanças profundas na entidade. Não é apostando tudo nas eleições de 2018, ainda mais pra repetir experiências do passado de pacto entre as classes, que vamos resolver os problemas do país. Já passou da hora da UJS rever suas escolhas passadas. Foi um erro tirar foto com Serra? É evidente que sim; na atual conjuntura brasileira é impossível que uma imagem dessa não cause repulsa entre a juventude. O problema, porém, é bem mais de fundo… Antes fosse só uma foto.
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