Por Chico Cancela, de Porto Seguro-BA*
*Professor da UNEB, doutor em História Social e dirigente do PSOL de Porto Seguro
“UMA NOVA MUDANÇA EM BREVE VAI ACONTECER…”(Belchior)
A Greve Geral de 28 de abril de 2017 entrou para história. O Brasil parou: fábricas, escolas, lojas e empresas passaram o dia com as portas fechadas. Nas grandes ou nas pequenas cidades, piquetes, paralisações e atos públicos ganharam as ruas. Além do funcionalismo público e dos setores mais organizados dos movimentos sociais, a greve ganhou forte adesão de trabalhadores e trabalhadoras da iniciativa privada, com rodoviários, aeroviários, metroviários, bancários e comerciários engajados no movimento paredista. Trabalhadores do campo e da cidade se uniram. Juventude e aposentados se mobilizaram. Estimativas ainda imprecisas apontam para quase 40 milhões de pessoas de braços cruzados. No ano em que se completou 100 anos da primeira greve geral no país, a classe trabalhadora realizou a maior greve da história brasileira.
A imprensa nacional fez de tudo para deslegitimar a greve geral. Investiu numa narrativa que se limitou a falar dos “transtornos” e do “vandalismo” dos “protestos dos sindicalistas”. Alinhada aos interesses da grande burguesia e atenta ao projeto golpista, a grande mídia televisiva e impressa distorceu a verdade e tentou impor uma interpretação negativa do movimento. Mas, paradoxalmente, ao falar das inúmeras paralisações das categorias do transporte, da indústria e dos serviços públicos, a mídia acabou deixando escapar o sentido pedagógico da greve geral. A verdade é que greve não é um simples ato de protesto. A greve não se reduz a uma passeata. A greve não é um encontro de descontentes. A greve é, historicamente, um ato de rebeldia. É uma tomada de posição da classe trabalhadora que busca inviabilizar o elemento básico do sistema capitalista: a produção de mercadoria, serviços e riquezas. Numa greve geral, portanto, a vitória do movimento não é medida pelo número de pessoas presentes numa barricada, numa caminhada ou num comício, mas sim na quantidade de locais de trabalhos esvaziados e na capacidade de inviabilizar a reprodução direta do capital. E nisso, evidentemente, o movimento de 28 de abril foi vitorioso.
A greve geral também desenhou um novo cenário da luta de classes no Brasil. A necessidade de somar forças no enfrentamento das reformas neoliberais e antipopulares do governo ilegítimo de Temer tem exigido a reinvenção da luta social depois de mais de uma década de desarticulação, burocratização e domesticação dos movimentos e das organizações políticas populares. No ano passado, com as ocupações de escolas, universidade e prédios públicos, a juventude estava nos ensinando a reaprender a lutar com ousadia, radicalidade e sonhos. Nesse 28 de abril, o êxito do movimento grevista foi resultado da retomada da unidade na luta, realizada na base do diálogo, da perspectiva classista e da valorização do protagonismo da classe que vive do trabalho. O clima de envolvimento da sociedade civil foi tão positivo que vimos mais de 30% dos bispos católicos manifestarem apoio à greve, igrejas evangélicas mobilizadas nas ruas e diversas entidades (como MPT e OAB) manifestando apoio ao movimento. Assim, a realização da greve geral sensibilizou, informou e mobilizou a classe trabalhadora, podendo se transformar num ponto de partida da retomada da ampla e combativa organização do povo contra a retirada de direitos.
Pela primeira vez, Porto Seguro também participou de forma organizada de uma greve geral. Na última sexta feira, as escolas públicas, os postos de saúde, os bancos, as agências dos Correios, as garagens de ônibus e algumas lojas do comércio ficaram fechadas. Nas ruas da cidade, o que se viu foi o maior ato público da sua história, com cerca de duas mil pessoas, entre professores, estudantes, comerciários, bancários, aeroviários, rodoviários, ecetistas, indígenas, sem terra, agentes de saúde, mototaxistas, trabalhadores do transporte alternativo e vários autônomos e aposentados. Inspirados na longa tradição de resistência do nosso povo, os grevistas demonstraram que é possível transformar a cidade num palco da luta por direitos. Na terra que é o marco da conquista e da colonização do Brasil, os excluídos, os oprimidos e todos os que vivem do trabalho se levantaram contra as reformas da previdência e trabalhista, defendendo os direitos historicamente conquistados com muita luta, suor e sangue. Talvez, esse seja um sinal dos novos tempos que iremos construir.
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