Por Pedro Aquino e Euclides de Agrela, de Fortaleza
Por volta do meio da quarta-feira, 19 de abril, começava uma série de ataques incendiários a ônibus municipais e metropolitanos de Fortaleza. Até à noite de quinta, haviam sido atacados 23 ônibus (19 linhas coletivas, três fretados e um escolar), veículos de órgãos públicos, duas agências bancárias e três delegacias. Os trabalhadores e o povo da cidade, particularmente aqueles que moram nos bairros de periferia, ficaram em pânico às vésperas do feriado de Tiradentes.
Os ataques culminaram com o recolhimento da frota de ônibus por volta das 15:00 do dia 19, deixando centenas de milhares de usuários sem transporte coletivo. A inciativa do recolhimento partiu do sindicato patronal SINDIONIBUS e não contou com nenhum posicionamento da prefeitura e do governo do Estado. Muitos trabalhadores e trabalhadoras procuraram transporte alternativo como táxi, moto-táxi, Uber, entre outros, pagando preços abusivos, entorno de 50 a 80 reais, para chegar às suas casas na periferia de Fortaleza.
Já não bastasse pagar uma passagem de 3,20 reais, caríssima para o custo de vida da cidade, no momento de maior insegurança pública, os trabalhadores e o povo de Fortaleza se viram abandonados nas ruas e reféns do cartel privado que controla os ônibus da cidade. Muitos, por não terem condições de pagar um táxi, moto-táxi ou Uber chegaram a caminhar horas para chegarem às suas casas depois de um dia exaustivo de trabalho.
A normalização do transporte coletivo, só começou depois das 20:00 da quarta-feira, com alguns ônibus em comboio e escoltados pela PM. Na quinta-feira foram registrados ainda alguns poucos ataques, no entanto, os ônibus continuaram circulando normalmente durante todo o dia.
Ataques do crime organizado?
As causas dos ataques incendiários estão sendo investigadas. Enquanto isso, vários boatos se espalharam, causando muita confusão. Isso seria obvio para uma das cidades mais violentas do mundo. Somado o caos da segurança pública à crise social, ao desemprego, aos baixos salários, a sensação de insegurança só tende a aumentar.
A imprensa não perdeu tempo em associar os ataques às facções criminosas vinculadas ao tráfico que atuam no Ceará. As mídias locais e nacionais reproduziram, sem nenhuma investigação jornalística séria, simplesmente o que os órgãos de segurança pública informaram:
“Os ataques começaram após transferência de 360 presos na Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Clodoaldo Pinto (CPPL II), em Itaitinga, e na Unidade Prisional Adalberto Barros de Oliveira Leal, conhecida como Carrapicho, em Caucaia. Segundo a secretária da Justiça e Cidadania, Socorro França, elas ocorreram a pedido dos próprios presos”. (Jornal o Povo, 20 de abril).
Em alguns ônibus foram deixados bilhetes supostamente informando o motivo dos ataques, acusando o governo Camilo Santana de corrupto e exigindo ações do Estado em relação ao sistema prisional. É, no mínimo, estranho que facções criminosas acusem em seus supostos comunicados o governo estadual de corrupto, na medida em que o próprio crime organizado, representado pelos grandes narcotraficantes, mantém relações promíscuas com setores corruptos do alto escalão do Estado, corrompem policiais, deputados e até membros do executivo para garantirem a segurança dos seus lucrativos negócios ilegais. As relações do narcotráfico chegam também até aos ditos homens de bem, que lavam dinheiro e se associam à criminalidade como forma de diversificar seus negócios legais e ganhar dinheiro rápido. Como nos ensinou o escritor Honoré de Balzac: “por detrás de uma grande fortuna há um crime”.
Para coroar a estranheza da versão oficial sobre a responsabilidade dos ataques, um dos principais gerentes do tráfico da facção criminosa Família do Norte (FDN), Vainer de Matos Magalhães, 34, conhecido como “Pepê”, foi executado na última quinta-feira (20), em plena luz do dia, numa das mais movimentadas avenidas da região nobre de Fortaleza. Ele estava em uma Hilux, na av. Santos Dumont, quando foi surpreendido por homens que saíram de um carro atirando.
Crime organizado na polícia
Representantes da categoria da Polícia Civil do Estado do Ceará se pronunciaram sobre os ataques com uma declaração intrigante:
“Segundo Ana Paula Cavalcante, vice-presidente do Sinpol, ‘a situação na qual os policiais civis se encontram possibilitou a entrada das facções criminosas no Estado, tendo elas se aproximado por meio de núcleos compostos por bandidos. O crime organizado no Estado é resultado de uma Polícia Civil desmotivada e desestruturada. Diariamente sofremos duros golpes. Escrivães e inspetores, que investigam e combatem o crime organizado, estão esquecidos’, avalia Ana Paula, que destaca: “O crime organizado encontra aqui um terreno fértil”, diz. (Jornal o Povo, 20 de abril).
A vice-presidente do Sinpol, mais do que denunciar o descaso do governo do Estado com a investigação e combate ao crime organizado, deixa nítido o fato de que há um peso cada vez maior de facções criminosas dentro da polícia, em particular da PM, que organizam “núcleos compostos por bandidos”, base das milícias e grupos de extermínio.
A declaração da vice-presidente do Sinpol ocorreu pouco depois de um fato de grande relevância, até agora ignorado pela imprensa como algo passível de vínculo com os ataques. No dia 18, um dia antes dos incêndios criminosos, foram soltos pela Justiça oito dos 44 policiais militares acusados de envolvimento na chacina da Messejana que irão a júri popular. Mesmo com a revogação da prisão, os policiais têm restrições de liberdade e não podem se aproximar das testemunhas envolvidas no caso.
A chacina da Messejana, ocorrida em Fortaleza, foi a maior chacina já registrada no estado do Ceará. Ocorrida em novembro de 2015, nela foram executados, pelo menos, 11 jovens sem nenhuma passagem pela polícia. Em agosto do ano passado, a Justiça decretou a prisão preventiva de 44 policiais militares, que foram denunciados pelo Ministério Público do Ceará (MP-CE) por participação na chacina.
Vale destacar que, os oito que responderão o processo agora em liberdade, possuem acusações mais brandas, ou seja, serão julgados pelos crimes de homicídio por omissão imprópria (em relação a 11 vítimas fatais) e tentativa de homicídio por omissão imprópria (em relação às três vítimas sobreviventes). De acordo com o Código Penal, a omissão imprópria ocorre quando um agente que tem por lei a obrigação de cuidado, proteção ou vigilância deixa de agir para evitar o crime.
A decisão relativa aos outros 36 policiais aguarda as etapas de apresentação da defesa dos acusados, que continuam presos. No total, o processo contra os 44 policiais acusados de participação na chacina foi dividido em três partes para acelerar o andamento do caso, conforme o Fórum Clóvis Beviláqua.
Apesar de comemorada a soltura desses oito policiais para responder ao processo em liberdade, é inaceitável para as milícias e grupos de extermínio infiltrados na PM do Ceará que tanto esses, com acusações mais leves, como os outros 36 que seguem presos, sejam julgados por um júri popular.
Segurança pública e crise social
Ninguém pode ainda afirmar com certeza quem seriam os responsáveis pelos ataques incendiários. No entanto, os políticos mais reacionários da direita cearense estão se aproveitando da situação para disseminar a ideia criminosa de que “bandido bom é bandido morto”. Já sabemos aonde essa solução mágica leva: à criminalização da pobreza, à morte de jovens negros da periferia, muitos sem uma única passagem pela polícia, como demonstrou a chacina da Messejana.
Mas, desgraçadamente, o aumento da insegurança pública, agravada pela crise social, a miséria e o desemprego faz com que esse slogan criminoso seja assimilado por uma parte significativa da população, particularmente dos bairros de periferia, que são os mais atingidos pelos conflitos entre facções do narcotráfico e pelas ações irresponsáveis da polícia que comprometem a vida de pessoas inocentes.
Para combater essa ideologia que criminaliza os pobres e busca transformar as ações irresponsáveis da PM em exemplos de combate ao crime, é preciso fazer com que a população trabalhadora enxergue que dentro da polícia há também o crime organizado, sob a forma de milícias e grupos de extermínio. E que é preciso lutar pelo fim da PM, essa excrecência herdada da ditadura militar, e substituí-la por uma polícia civil única, preventiva, investigativa e submetida ao controle da população, que elegeria inclusive os delegados desta nova polícia.
Por outro lado, para combater o narcotráfico será preciso descriminalizar o uso de drogas ilegais. Usuário de drogas não é criminoso, quando muito, se se trata de um usuário crônico, é um dependente químico, um doente, como qualquer alcoólatra. Além disso, só será possível diminuir sensivelmente a base social do tráfico com a oferta pelo Estado de uma educação pública, gratuita e de qualidade e de projetos de geração de empregos dignos para a juventude. Por isso, somos contra o slogan “bandido bom é bandido morto” que só serve para justificar o extermínio da juventude pobre e negra das periferias.
Não se intimidar: construir a greve geral em Fortaleza
No dia 19, um motorista ficou preso ao cinto em um dos ônibus e acabou tendo partes do corpo queimadas. No dia 20, um cobrador cadeirante não conseguiu sair de um ônibus incendiando e ficou gravemente ferido. Diante da ameaça à vida dos trabalhadores rodoviários e do povo que anda de ônibus, o Sindicato dos motoristas e cobradores de Fortaleza (SINTRO) exigiu, corretamente, da prefeitura e do governo do Estado o recolhimento dos ônibus por tempo indeterminado, até que o controle da segurança pública fosse minimamente retomado e garantido na capital cearense.
O povo de Fortaleza não pode ficar refém nem do crime organizado nem do cartel privado que controla as empresas de ônibus. Não pode ser que os ônibus sejam recolhidos a qualquer momento, sem aviso prévio, pelo SINDONIBUS deixando milhares de trabalhadores nas ruas sem ter como voltar para suas casas depois de um dia de trabalho.
Por fim, os movimentos sindical e popular de Fortaleza não podem se deixar intimidar pela crise da segurança pública. Será preciso construir um grande dia de greve geral na capital cearense no 28 de abril. Sobretudo, será uma tarefa de todos os movimentos sociais auxiliar o SINTRO a parar o transporte público municipal e metropolitano. Não será nem a PM nem o crime organizado que vão impedir o povo de se organizar e seguir lutando em defesa da vida, da aposentadoria e das conquistas trabalhistas ameaçadas pelo governo Temer. No dia 28, quem vai parar o transporte público de Fortaleza é o povo trabalhador.
Foto: TV Verdes Mares/Reprodução
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