Por Waldo Mermelstein, São Paulo/SP
Na noite de quinta-feira, 6 de Abril, o governo Trump resolveu bombardear uma base aérea síria de onde teriam vindo os aviões que lançaram bombas químicas sobre Idlib e causado as cenas de horror que vimos nesta semana.
O ataque foi o primeiro realizado pelos americanos diretamente contra o regime sírio desde o começo da revolta e da guerra civil naquele país.
O significado e a extensão desta mudança ainda não estão totalmente desenhados. Mas alguns pontos podem ser elencados.
Do ponto de vista interno, representam uma aproximação à visão mais tradicional da política externa americana em relação à Rússia no último período, favorecendo um realinhamento com os Democratas e setores de seu próprio partido Republicano, como o senador John McCain, que declararam apoio à ação militar. Não é uma simples coincidência que o principal ideólogo de uma aliança ou aproximação com a Rússia, o representante da alt-right Steven Bannon, estrategista-chefe da Casa Branca, foi removido do Conselho de Segurança Nacional americano nesta semana.
No terreno da Síria, a ação significa uma clara afirmação de que os EUA não ficarão mais à relativamente margem dos acontecimentos e que poderão ampliar sua intervenção, sem que isso signifique necessariamente um choque frontal com a Rússia. Pode também ser o início de uma política de cantonização do país, com o estabelecimento de zonas-tampão sob controle americano mais ou menos permanente e/ou de seus aliados, como é também a possibilidade no Iraque.
Também é um cartão de visitas sobre a intenção do novo governo americano de exercer uma pressão ainda mais dura nos pontos de tensão em que veja seus interesses ameaçados. A primeira alteração é quanto à especulada aliança pelo menos tácita com a Rússia para pressionar a China, que perde força. Os reflexos ainda poderão ser vistos nas conclusões da cúpula Trump-Xi Jin Ping ainda em curso. Por outro lado, o recado para a Coreia do Norte é certeiro. O mesmo para o Irã.
A ação do governo dos EUA não é humanitária
Muitos, talvez no Oriente Médio, na Síria, vejam com bons olhos essa atitude americana, como uma forma de se verem livres de Assad. E certamente nos EUA e na Europa, há numerosas pessoas que apoiam a intervenção militar americana, na esperança de diminuir os atentados particularmente em solo europeu e acabar com a guerra civil na Síria.
A trajetória americana recente, para não falar de seu legado histórico de guerras e invasões pelo mundo, não autorizam uma interpretação benigna nem mesmo utilitária dessa intervenção. Mesmo que os EUA não fossem liderados por um racista, misógino e direitista ferrenho, o papel que o estado americano tem desempenhado no Oriente Médio no período recente vai em sentido contrário. Foram as duas guerras e a ocupação do Iraque que destruíram aquele país, depois sucedidas por regimes sectários, baseados na versão xiita do Islã, organizados pelos aliados iraquianos dos EUA e com apoio do regime do Irã. Foi esta combinação mortífera que gerou o caldo de cultivo que originou o crescimento das facções jihadistas e sua forma extrema, o autodenominado Estado Islâmico. Sem mencionar a invasão do Afeganistão e a sua redução a um estado de permanente luta entre senhores da guerra nas várias regiões do país.
Quanto às motivações humanitárias de Trump, sua curta administração realizou os mais mortíferos ataques aéreos ao autodenominado Estado Islâmico (EI) em Mossul, no Iraque, nos quais morreram cerca de 1.000 civis somente no mês de março. Os ataques contra Raqqa na Síria não ficaram para trás, matando civis inclusive em uma mesquita.
Sem falar que a comoção que expressou pelas crianças mortas em sua fala se contradiz com seus dois decretos (sustados provisoriamente pela justiça americana) para barrar a entrada no país dos poucos refugiados sírios que os EUA se aprestavam a acolher.
Resta analisar o entusiasmo daqueles que veem os ataques e uma possível maior intervenção americana como propiciadores da paz na Síria e mesmo para a queda de Assad.
Em primeiro lugar, a política americana nesses 6 anos foi a de tolerar Assad e não ter tomado nenhuma medida contra sua supremacia aérea total quando se utilizou dela para massacrar centenas de milhares, com “bombas de barril” e armas químicas como em Ghouta em 2013 (com centenas de mortos). Nem mesmo permitiu a entrada de mísseis anti-aéreos pessoais para a oposição, o que levou a derrotas sangrentas e à queda de Allepo. Nos últimos dois anos, momento decisivo da recuperação de Assad, os americanos deixaram aos russos a iniciativa, o que estes aproveitaram muito bem e garantiram a sobrevivência do tirano assassino.
Paz para o povo Sírio
O conflito na Síria já adquiriu claramente um caráter geopolítico. São as potencias imperialistas e regionais que estão a disputar o país, em particular pela sua importância para o escoamento do petróleo e do gás da região e mais em geral na geopolítica do Oriente Médio (a Rússia possui uma base militar permanente). Tudo isso à custa do martírio do povo Sírio.
A deposição do regime por tropas ou ataques externos ou milícias sectárias apenas colocará outro regime despótico ou anti-popular em seu lugar.
Os movimentos sociais, os movimentos anti-guerra, pacifistas, precisam se unir para exigir o fim da guerra, o fim da intervenção de todas as potências globais e regionais na Síria e na região. Devem lutar para que as portas de seus países, particularmente na Europa, sejam abertas para os refugiados sírios. Eles são 3-4 milhões fora do país (os dados são imprecisos), mais cerca de 6 milhões de deslocados internos. Barcelona mostrou para o mundo o caminho da solidariedade tão necessária entre os povos ao realizar em fevereiro uma gigantesca manifestação em solidariedade aos imigrantes.
Somente a pressão externa e a solidariedade internacional podem ajudar a que a oposição social e laica na Síria se recomponha ou se reorganize de forma independente das forças intervencionistas e/ou sectárias e consiga derrubar Assad e seu regime, sem o que não poderá haver qualquer esperança de colocar um fim ao sofrimento da povo do país.
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