Por Renato Fernandes, Campinas, SP
Neste último sábado, 18/03, iniciou-se a campanha presidencial francesa. Vão disputar as eleições 11 candidatos que vão da extrema direita à extrema esquerda, dois a mais do que na última eleição em 2012.
Esta será uma eleição que poderá marcar o fim de um sistema bipartidário bem particular, já que, de acordo com as últimas pesquisas, nem a direita tradicional, representada por François Fillon dos Les Republicans (LR), nem Benoît Hamon do Partido Socialista (PS) são fortes candidatos a presidente, apesar de que é difícil desprezar o peso do aparato que ainda têm os dois principais partidos franceses.
O cenário francês é complexo: um imperialismo em decadência numa União Europeia em crise e dominada pelo imperialismo alemão; uma economia com crescimento lento nos últimos anos; uma alta do desemprego; fortes ataques sociais realizados pelo ex-presidente Nicolas Sarkozy (LR) e o atual François Hollande (PS); grandes mobilizações sociais contra as reformas neoliberais e também contra a violência policial; uma presença forte de uma direita nacionalista, representada por Marine Le Pen da Front National (FN).
Aparentemente, essa combinação entre decadência econômica e social, com fortes lutas contrárias aos projetos dos grandes partidos, é o que explica a ruptura do bipartidarismo – ruptura que é uma tendência internacional que se expressou nas eleições do Syriza na Grécia, no crescimento eleitoral do Podemos espanhol e que, parece, ter se expressado nas eleições holandesas com o crescimento da extrema direita e da esquerda anti-neoliberal.
No campo da extrema direita, a principal candidata é Marine Le Pen. Sua família é um verdadeiro clã tradicional da política francesa: seu pai, Jean-Marie Le Pen foi fundador e presidente da FN até 2011, quando passou o bastão para sua filha. Além disso, Marion Maréchal-Le Pen, também da família, é deputada nacional pela FN. Sua candidatura expressa a extrema direita nacionalista francesa: políticas anti-imigração e pelo Frexit (saída da França da UE), utilizando-se de um discurso racista e xenófobo. Um exemplo desse nacionalismo imperialista, autárquico, aconteceu no dia 19/03, dia da independência da Argélia, no qual diversos políticos da FN, incluindo Marine Le Pen, afirmaram em redes sociais que não tinham nada a comemorar e somente que homenagear os soldados franceses mortos na Argélia enquanto essa era ainda uma colônia francesa. Apesar de estar em primeiro lugar em todas as pesquisas, variando entre 25-28%, em nenhum dos cenários Le Pen ganharia no segundo turno.
Ainda no campo da direita, temos François Fillon que combina um conservadorismo político com uma política econômica neoliberal. Ele era o grande favorito, até que explodiu casos de corrupção e atualmente Fillon é réu num processo que envolve empregos fictícios e enriquecimento com dinheiro público. Está em terceiro na corrida presidencial, variando entre 18-20%.
A frente de Fillon, está Emmanuel Macron. Ex-ministro de François Hollande, Macron criou um “movimento-partido” intitulado En Marche e representa uma radicalização do programa social-liberal implementado nos últimos anos pelo governo do PS. Apesar dessa continuidade programática, ex-banqueiro, responsável por grandes negócios da burguesia imperialista francesa, Macron se apoia em um perfil de “homem de negócios”, “anti-político”, para se projetar. E, por causa da crise de corrupção com Fillon, sua estratégia está conquistando simpatia e já o coloca como principal alternativa a Le Pen. Nas principais pesquisas ele apareceu com 24-25%.
No campo da esquerda temos dois candidatos principais. O primeiro é do PS, Benoît Hamon que ganhou as primárias e representa um programa a esquerda do implementado pelo governo de Hollande. Sua campanha enfrenta uma imensa dificuldade: uma parte do PS, a ala social-liberal que perdeu as primárias, está apoiando, direta ou indiretamente, Macron, enfraquecendo sua campanha; além disso, apesar de apresentar um programa socialdemocrata, com grande ênfase em projetos ecológicos e em unidade com os Verdes, Hamon ainda é do PS, partido com o qual a maior parte da classe trabalhadora rompeu no último período, principalmente após a luta contra as mudanças da Lei do Trabalho. Hamon aparece nas pesquisas entre 13-15% das intenções de voto.
Na esquerda está também Jean Luc Mélenchon. Ex-trotskista, ex-ministro do governo de Lionel Jospin, nos anos 90, Mélenchon iniciou sua campanha na Place de la République em Paris com uma grande demonstração de força: de acordo com dados da própria campanha, cerca de 130 mil pessoas estiveram presentes em seu comício em defesa de uma Assembleia Constituinte e da fundação de uma VI República. O programa de Mélenchon é de um nacionalismo de esquerda, com medidas de soberania como saída da OTAN e desobediência aos tratados europeus, além da garantia de alguns direitos democráticos, como a inclusão do direito ao aborto na própria constituição. O programa de Mélenchon é o da revolução cidadã feita pela mobilização nas urnas. Pode-se dizer que Mélenchon, que é apoiado pelo Partido Comunista Francês, representa a “nova esquerda europeia”, por fora da socialdemocracia clássica, como Syriza, Bloco de esquerda e Podemos. Mélenchon tem entre 11-13% de intenções de voto.
A extrema esquerda estará representada por dois candidatos: a professora universitária Nathalie Artaud, de Lutte Ouvrière, e o operário da Ford Phillippe Poutou, do Nouveau Parti Anticapitaliste. Serão campanhas modestas, pois a intenção de votos dos dois está entre 0,5-1,5% para cada, porém serão as únicas que colocarão um programa anticapitalista para enfrentar a crise social e econômica francesa. Tanto Poutou, quanto Artaud defendem, entre outras medidas, a redução do tempo de trabalho sem redução salarial para que mais pessoas possam trabalhar, a proibição das demissões e da supressão de postos de trabalho, a defesa e a extensão dos serviços públicos e a apropriação social dos setores chaves da economia, entre outras medidas. Para nenhum dos dois as eleições são a alternativa para mudar a sociedade, mas sim parte do processo de ganhar a consciência dos trabalhadores para um projeto de uma nova sociedade.
Ainda é muito cedo para afirmar categoricamente que o primeiro turno está decidido. Pelas próprias pesquisas de intenção de voto, parece que a única certeza do primeiro turno é a presença de Le Pen entre as duas primeiras posições. Mesmo assim, a dinâmica à esquerda, que na presença nas ruas nesses primeiros dias foi grande, principalmente de Mélenchon, pode demonstrar que a tendência à esquerda dos partidos tradicionais também é forte. Os próximos dias demonstrarão quais dessas tendências se expressarão nas eleições francesas e, aparentemente, aprofundarão as incertezas sobre quem será o próximo presidente francês.
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