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CULTURA

Mateluna e os ecos da luta política no Chile: Passado e presente da esquerda chilena é colocado em cena em peça com dramaturgia e direção de Guillermo Calderón

Por Mariana Mayor*

No último sábado, dia 18/03, estreou a peça “Mateluna” dentro da programação da 4ª Mostra Internacional de Teatro de São Paulo. Com elenco de 6 atores e direção e dramaturgia de Guillermo Calderón, a peça chilena coloca em cena a relação do grupo de teatro com o ex-guerrilheiro Jorge Mateluna, militante da Frente Patriótica Manuel Rodríguez, organizada pelo Partido Comunista Chileno, em 1983, em plena ditadura militar. Mateluna foi preso no passado por 12 anos pelo seu envolvimento com a guerrilha e, em 2014, foi novamente preso pelo crime de roubo de banco na cidade chilena de Pudahuel.

Calderón e seus atores conheceram Jorge Mateluna através do processo de criação do espetáculo Escuela, de 2013, apresentado inclusive na 1ª MIT-SP. Essa peça tratava da formação de guerrilheiros na ditadura militar chilena e Mateluna, formado por essas escolas de guerrilha, foi convidado por um dos atores a participar do processo de criação para contar sua história pessoal. A partir de então se inicia a relação entre os artistas e o ex-guerrilheiro.

No espetáculo “Mateluna”, acompanhamos através da perspectiva do grupo, o desenvolvimento dessa relação. A peça começa com uma atriz explicando para o público quem é Mateluna e o por quê de se fazer uma peça sobre o ex-guerrilheiro. Sua fala inicial está longe de ser um informe objetivo: em suas palavras nos é revelada as angústias, dúvidas, admiração e medos dos artistas em relação à Mateluna.

Ao longo das cenas os atores, vestidos como guerrilheiros, apresentam os capítulos dessa relação pessoal e política e também de como transformaram essa matéria viva e cheia de contradições em cena. O fazer teatral aqui é colocado como uma forma de entendimento sobre a questão Mateluna: o ex-guerrilheiro é ou não culpado por sua segunda prisão? Por que um homem comunista que lutou toda sua vida contra um regime autoritário depois de casado e com filhos tentaria roubar um banco? Qual seria a justificativa plausível para suas ações que parecem mesquinhas diante de um passado e talvez presente de utopia revolucionária?

A peça torna-se então a investigação dos artistas para descobrir alguma verdade sobre a segunda prisão de Jorge Mateluna. O espetáculo também é uma denúncia, uma espécie de agit-prop em forma de épico-documentário, onde os atores nos revelam detalhes da investigação. Mateluna pode ter sido vítima de um sistema judiciário que se diz democrático, mas que defende interesses de classe. Há fortes evidências de que tenha ocorrido um erro judicial, que Jorge Mateluna não se envolveu com o roubo, que apenas estava próximo do local de fuga dos assaltantes – por mera coincidência ou azar. Por fim nos é sugerido sutilmente que talvez Mateluna tenha sido condenado por seu passado na guerrilha.

Ao mesmo tempo, as discussões feitas pelos atores em cena ultrapassam o possível crime de roubo do banco. O espetáculo é uma investigação sobre a figura de Jorge Mateluna guerrilheiro e revolucionário. A todo instante aparece no palco a discussão sobre a guerrilha urbana, as estratégias utilizadas pelos movimentos da esquerda revolucionária latino-americana, e os resultados e limites de suas ações. Antes de qualquer juízo de valor, há sempre as perguntas de subtexto: por que a esquerda falhou? Como poderia ter sido diferente? O que pode ser feito a partir de agora?

Nesse sentido, a peça constrói inúmeras conexões históricas entre o passado recente da ditadura militar chilena e o presente democrático neo-liberal. Ao mesmo tempo, a peça ressalta como ainda é viva a memória da guerrilha urbana e como a realidade histórica se modificou. Em uma das cenas, uma atriz narra um trecho de uma carta que Mateluna enviou para os atores. Ele escreve que em sua primeira prisão sempre se ouvia o músico cubano Sílvio Rodríguez, e que agora terá que aturar por 16 anos (tempo da sua condenação), o estilo musical “Reggaeton”. As imagens são simples, mas simbólicas: algo se perdeu nesses 20 anos de redemocratização.

Não há solução fácil no palco. Através de denúncia, de reflexão histórica e de provocação política, a peça nos leva a pensar sobre o lado de fora do teatro.

Mateluna está em cartaz no Teatro João Caetano, Vila Mariana, São Paulo, em mais duas sessões nos dias 20/03 e 21/03 às 21h dentro da programação da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo.

Ingressos: 20 reais inteira/ 10 reais meia-entrada.

Mais informações: http://mitsp.org/2017/mateluna/

Foto: http://www.escenasdocambio.org/en/eventos/gal-mateluna/

*Mariana Mayor é dramaturga, atriz e professora de história do teatro brasileiro. Foi professora substituta de História do Teatro Brasileiro no IA/UNESP nos anos de 2015 e 2016. Foi prefessora conferencista de História do Teatro Mundial II na ECA/USP. Integrou os grupos pH2: estado de teatro, UnaLuna e Os Fofos Encenam nas funções de atriz, dramaturgista e assistente de direção. Ganhou, em 2014, o prêmio IBERESCENA de dramaturgia. Atualmente é doutoranda em Teoria e Prática do Teatro pelo PPGAC/USP e é integrante do LITS – Laboratório de Teatro e Sociedade, coordenado pelo prof. Dr. Sérgio de Carvalho. É diretora do espetáculo musical DE CARA NO ASFALTO, do cantor e compositor paulista, Paulinho Tó. Dirigiu no final de 2016, a leitura dramática e musical da peça “Arena conta Zumbi”, de Boal e Guarnieri no projeto “Sankofa”, do Sesc Vila Mariana.