Por: Clara Saraiva, do Rio de Janeiro, RJ
Como um verdadeiro pesadelo, a agenda do Congresso Nacional já está a todo vapor para encaminhar dois projetos que pretendem destruir o direito à aposentadoria e os direitos trabalhistas, conquistados com muita luta por gerações passadas. Muito além de afetar os trabalhadores que já estão no mercado formal, a votação dessas medidas significa impor pras novas gerações níveis de exploração e precarização das condições de vida muito altos.
Nesta quarta-feira, dia 15 de março, haverá um forte Dia Nacional de Paralisação e Luta, convocado inicialmente pela CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação), e abraçado pelas Centrais Sindicais, Frentes Nacionais, organizações políticas e movimentos sociais de todo o país. A cada dia que passa mais categorias prometem paralisar, e a juventude se organiza nas escolas, universidades e bairros para se somar aos protestos.
Juventude sem direito ao futuro
Quando avaliamos os impactos de projetos tão nefastos para os direitos dos trabalhadores, tais quais as reformas da previdência e trabalhista, precisamos ter um olhar mais apurado quando se trata das novas gerações e setores oprimidos. É verdade que esse pacote de medidas de austeridade quer jogar a conta da crise nas costas do conjunto da classe trabalhadora, porém segmentos mais afetados serão as mulheres negras, pobres, LGBTs, em especial os mais jovens.
Já ocupamos os piores postos de trabalho, com contratos precários e alta rotatividade. Há uma concentração de jovens gays e lésbicas em trabalhos de call center, de jovens negras como empregadas domésticas, trabalhadoras da limpeza ou cozinha, especialmente em empresas terceirizadas. São jovens mulheres a maioria das vendedoras, secretárias, babás, professoras da rede básica, etc. Mulheres trans e travestis, que dificilmente conseguem qualquer emprego formal, acabam muitas vezes recorrendo à prostituição.
A falta de trabalhos formais e o aumento do número desemprego também atinge especialmente os mais jovens e oprimidos. No ano passado, a taxa de desemprego entre a população de 18 a 24 anos já era de 24,1% e mais do que o dobro da média geral de 10,9%. O índice de desemprego já atinge mais de 13 milhões de brasileiros, sendo a maioria mulheres. No último trimestre do ano passado, de acordo com os dados mais recentes, o índice de desocupação havia chegado a 12% no Brasil. Para os homens, era de 10,7% e para as mulheres, de 13,8%. Isso sem contar os escandalosos índices de violência, que nos marcos da situação social de barbárie só tende a se agravar, fazendo do Brasil o quinto país em feminicídio do mundo, o campeão em assassinatos LGBTfóbicos e onde a juventude negra morre todos os dias nas favelas e periferias pela polícia ou lota as cadeias nas condições mais desumanas possíveis.
Querem nos impedir de aposentar
Um jovem brasileiro, a depender da condição social, pode demorar mais ou menos para ingressar no mercado de trabalho e na chamada (e temida) vida adulta. A grande maioria precisa abandonar cedo os estudos, sequer sonha com o ingresso numa universidade (muito menos pública) e precisa endossar as fileiras da classe trabalhadora para ajudar em casa e sobreviver. Essa juventude tem cor.
Para uma parcela menor, que depois do ensino médio conseguem passar no ENEM com uma bolsa do PROUNI, FIES ou para a tão sonhada universidade pública, a realidade é um pouco mais favorável. Ainda assim, cada vez mais os recém-formados endossam os índices de desemprego, ou acabam em trabalhos não vinculados à sua formação profissional, simplesmente porque não há vagas disponíveis no mercado. Por todos os lados, uma triste realidade.
O direito à aposentadoria e previdência social foi conquistado após inúmeras greves, passeatas, organização dos trabalhadores (período da formação da CUT, MST, PT), formulação de propostas e disputa institucional por categorias profissionais ligadas à saúde e aos direitos sociais. Em 1988, se cristalizou na Constituição Federal a garantia do Sistema de Seguridade Social (proteção social), composto pelo tripé saúde, assistência (até então não era considerado como política social) e previdência social. Uma das maiores conquistas para viabilizar tais direitos foi a criação de impostos específicos para a seguridade, que taxavam o capital através de uma estrutura de financiamento própria. São, portanto, impostos e contribuições (COFINS e CSLL) com a chamada “identidade”, ou seja, só podem ser gastos pelo Estado vinculado às políticas sociais dessas áreas.
No início, a garantia ao direito previdenciário se fazia apenas pelo tempo de trabalho, onde eram precisos 3 provas testemunhais que comprovassem. Não estava relacionado ao tempo de contribuição nem de registro na carteira de trabalho – mudança realizada por FHC na primeira grande reforma da previdência, através da Emenda Constitucional 20 de 1998. O governo estabeleceu um período mínimo de contribuição para se aposentar: 35 anos para os homens e 30 para as mulheres.
Além de outras mudanças, FHC introduziu o fator previdenciário, cálculo super complexo (quase impede que um trabalhador faça sozinho) que na prática estabelece uma idade mínima combinada com o tempo de contribuição. Significou um aumento, em média, de 7 anos a mais de contribuição. FHC tentou fixar uma idade mínima para todos os trabalhadores, mas foi derrotado.
A segunda grande reforma da previdência foi realizada por Lula, através da Emenda Constitucional 41 de 2003. Atingiu especialmente o regime próprio de previdência social, ou seja, atacou diretamente o direito à aposentadoria dos servidores públicos, ampliando a criação dos fundos de pensão (previdência privada). Acabou com a integralidade do salário na ativa para o servidor aposentado, passou a cobrar 11% de contribuição previdenciária dos já aposentados e levou ao fim a paridade no reajuste entre ativos e inativos.
Orientadas pelo Banco Mundial, o objetivo por detrás dessas reformas era ir, aos poucos, destruindo esse direito histórico de caráter público abrindo caminho para o desenvolvimento dos fundos de pensão e do regime complementar de previdência, vulgo privado. Um negócio altamente lucrativo ao capital, que contou com o apoio do Estado como seu primeiro sócio para ampliar sua rede de consumidores.
A verdade é que o texto aprovado na Constituição de 1988 sobre a previdência social já foi drasticamente alterado. Ainda assim, a maior reforma da previdência está por vir, orquestrada pelas mãos do presidente ilegítimo e seu Congresso golpista, com a primeira data de votação para 28 de março.
O que muda com a Reforma da Previdência de Temer?
- Idade mínima fixa para aposentadoria: outros governos já tentaram, mas pela resistência dos trabalhadores não conseguiram. Temer quer fixar em 65 anos a idade mínima para se aposentar, igualando trabalhadores do regime próprio (funcionários públicos) e regime geral (celetistas). Isso sem falar que a expectativa de vida de muitos brasileiros, especialmente nas regiões mais pobres, é abaixo de 65 anos. Na prática, é nos tirar o direito à aposentadoria, nos obrigando a trabalhar até morrer! Engraçado que a proposta vem de um tal Michel Temer que se aposentou com 55 anos ganhando cerca de 30 mil reais.
- Ataque especial às mulheres: Ao estabelecer a idade mínima, Temer quer igualar a condição de aposentadoria entre homens e mulheres. Trata-se de uma medida escandalosa que ignora a dupla ou tripla jornada de trabalho feminina e o ganho salarial consideravelmente inferior aos homens, muitas vezes cumprindo uma mesma função laboral. Isto significa que as mulheres, em empregos urbanos, trabalharão mais cinco anos (hoje a idade mínima é de 60 anos); se forem servidoras públicas ou trabalhadoras rurais, trabalharão mais dez anos; se forem professoras da educação básica, trabalharão mais quinze anos!
- Ao menos 25 anos de contribuição: a reforma prevê um aumento de 10 anos, passando de 15 para 25, o tempo mínimo de contribuição para se aposentar recebendo 76% do salário na ativa. Há uma regra de transição para mulheres acima de 45 anos e homens acima de 50 anos, que devem contribuir 50% a mais do que o tempo restante para se aposentar.
- 49 de contribuição para aposentadoria integral: atualmente, a exigência é de 25 anos, quase a metade do que está sendo proposto. E reparem que não são 49 de trabalho, mas de contribuição da folha salarial! Trabalhadores sem registro na carteira ou desempregados, não contam. Para essa conta ser possível, um jovem de 16 anos precisa trabalhar ininterruptamente até os 65 sem parar, sequer um dia, de contribuir. Em tempos de crise, desemprego e precarização da vida, é simplesmente impossível!
- Redução da pensão por morte: será reduzido para 50% do valor, mais um adicional de 10% por dependente. Medida que também ataca principalmente as mulheres, que são as principais beneficiadas e, muitas vezes, dependem disso pra sustentar suas famílias.
Mentira repetida pra se tornar verdade
Um dos grandes – e falsos – argumentos que sustentam a proposta da reforma da previdência é o suposto déficit das contas. É uma das maiores mentiras institucionais propagadas por governos e grande mídia em nosso país, e é fundamental que tenhamos a desmistificação desse argumento na ponta da língua pra convencer a população que, na realidade, a previdência, como parte do sistema da Seguridade Social, é superavitária. Hoje, o povo já é roubado pelo Estado, que transfere este dinheiro sobrante para o pagamento de juros da dívida pública.
A conta é simples: além do que se arrecada com a contribuição ao INSS dos empregados e dos empregadores, há impostos e contribuições que arrecadam para financiar as políticas de proteção social, tais como COFINS e CSLL. A Desvinculação de Receitas da União já retira automaticamente 20% desse valor arrecadado, um verdadeiro roubo descarado e ilegal, já que esses impostos possuem “identidade”, ou seja, não poderiam ser gastos para outros fins. Portanto, o que entra de recursos (já descontado a DRU!) é um valor mais alto que o gasto com a previdência.
Ao invés de impor uma reforma que acaba com nossos direitos, o justo seria utilizar esse recurso sobrante – que em 2014 foi de 53.892 bilhões de reais – para aumentar os benefícios aos trabalhadores, investindo pesado em saúde pública, assistência social e previdência. Dos mais de 200 milhões de brasileiros, 82 milhões sobrevivem graças a 35 milhões de benefícios previdenciários. Destes, 82% são de valores entre 1 a 3 salários mínimos. É realmente dessa gente que o governo quer tirar para pagar a conta de uma crise que os grandes banqueiros e empresários criaram? Que façam uma auditoria da dívida pública e parem de escoar – ilegalmente! – os recursos da Seguridade Social para o pagamento dos juros da dívida.
As ocupações estudantis de 2016 foram só o começo
Se nos tiram o direito ao futuro, também nos deixam sem medo para enfrentar os gigantescos ataques que estão por vir. No ano passado, estudantes do país inteiro demonstraram a força do movimento estudantil, e ocupamos mais 1000 escolas e universidades em todo o país. Infelizmente, mesmo com esse gigantesco processo de resistência, não conseguimos barrar a PEC 241/55 que congela investimentos em saúde, educação e áreas sociais por 20 anos. Fomos à Brasília no dia da votação, mas a única resposta que tivemos foi a repressão. Do lado de dentro do Congresso Nacional, votavam sem remorso contra o futuro do país e da nossa juventude.
Hoje, olhando pra trás, é possível perceber quais foram as principais razões para que a grande onda de ocupações estudantis não terminasse em uma vitória. O movimento, por mais forte que tenha sido, não conseguiu ultrapassar os muros das escolas e universidades e chegar até o conjunto da classe trabalhadora. Além disso, não conseguiu construir ferramentas que unificassem nossas bandeiras, fazendo com que Centrais Sindicais, Frentes Nacionais, organizações e movimentos intervissem em conjunto, numa grande Frente Única pra lutar. A oportunidade com o dia 15 é, exatamente, superar essas barreiras.
As associações sindicais docentes e dos técnico-administrativos estão convocando paralisação das aulas em escolas e universidades. É fundamental que o movimento estudantil entre com força, que a UNE, ANEL, DCEs, Centro e Diretórios Acadêmicos, Grêmios e coletivos estudantis mobilizem cursos e escolas para promover atividades e engrossar as manifestações de rua.
No dia 8 de março, com as mulheres à frente, tivemos o primeiro grande enfrentamento contra a Reforma da Previdência em atos massivos de norte a sul do país. É fundamental que o dia 15 aprofunde ainda mais essa resistência, e que a partir daí, transformemos a luta numa grande campanha unitária que dialogue com os trabalhadores e a juventude, nos locais de trabalho, estudo e moradia, sobre a imensa necessidade de resistir.
Há uma iniciativa nacional, impulsionada pela Auditoria Cidadã da Dívida, de realização de um Plebiscito Popular contra as reformas da previdência e trabalhista que deve ser impulsionado em todos os estados. Podemos criar comitês contra a reforma da previdência onde for possível, e transformar essa em nossa grande batalha contra Temer e seus aliados golpistas. Com muita unidade, reacendo a força dos trabalhadores e explorando o potencial de uma juventude destemida que não tem nada a perder, e já demonstrou isso com as ocupações de 2016, é possível acreditar em nossa vitória.
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