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Não é sobre ser, mas sobre para onde vai meu ser
Publicado em: 29 de janeiro de 2025
Mais um 29 de janeiro chega e em plena alegria nos posicionamos: dia da visibilidade trans no Brasil. Há 21 anos atrás um grupo de travestis e transexuais lançou no Congresso Nacional a campanha Travesti e Respeito. Era 2004 e eu completava treze anos de idade, estava no ensino fundamental e o país recém adentrava o segundo ano do governo Lula I.
Iniciando a terceira década dessa histórica luta de unir as forças legislativa, executiva e judiciária em prol das identidades humanas trans brasileiras. O reacionarismo, o dogmatismo, o fundamentalismo, o conservadorismo, o fascismo em si tem agitado o jogo no tabuleiro da existência humana e nesse momento a vida de pessoas trans tem sido a peça fundamental nessa disputa que alinhada internacionalmente conseguiu ecoar nas câmaras de vereança de todas as regiões do Brasil com criminosos projetos antitrans. Completo trinta e quatro anos em abril e dez sendo uma travesti. O governo é Lula III com profundas dificuldades de responder às crises políticas e a pergunta que faço é: para onde isso tudo vai me levar? Ou para onde eu vou levar isso tudo?!
Ser uma travesti no Brasil já me impõe uma realidade violenta e agressiva. Quando não somos mortas fisicamente pela transfobia, somos mortas socialmente. A família não compreende os processos de transição de gênero desde a escolha de um novo nome e pronome até a construção material de uma nova posição de corpo, vestes e estilo. Nem escola acolherá e nenhum espaço profissional facilitará a empregabilidade. A rua é o local onde mais acontecem os assassinatos de pessoas trans, segundo o Dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, a ANTRA. E a rua é o melhor medidor da força política humana.
E em minha particular vivência foram nas ruas de Porto Alegre que já fui violentada por uma pessoa que carregava correntes de ferro e outra vez agredida por um rapaz com dois socos e chutes até cair no chão e ser levada para o hospital por uma ambulância. É na rua que a realidade se expressa, tanto a rua física como a rua virtual. Se no início da minha transição de gênero a violência se expressava quase que diariamente quando ia cedo da manhã pegar ônibus para trabalhar no Call Center, hoje as ruas da virtualidade através das redes sociais fazem chegar até mim, as mais diversas agressões verbais, desmoralização intensa e ridicularização da minha existência. Mesmo sendo, atualmente, uma parlamentar.
É que estamos falando de ódio, de uma repulsa, de um sentimento de destruição. E esse sentir todo não é espontâneo, não. Pelo contrário, ele é intencional, dirigido, orquestrado como uma das mais sinistras sinfonias que chega aos nossos ouvidos. Há um projeto em curso. Há um projeto sendo executado debaixo dos nossos narizes e cheira muito mal. Se tantos ataques virtuais, direcionados por figuras políticas nacionais e internacionais é uma cortina de fumaça para algo além, e acredito que seja, não posso negar que esse programa antitrans é ao mesmo tempo estratégia e tática.
A realidade está se impondo sobre nós e um projeto tem sido implementado com um alvo que tem criado uma perigosa unidade: as pessoas trans. A palavra trans tem sido utilizada como um meio de provocar pânico, medo, pavor, nojo e repulsa, tal qual a extrema direita se utilizou e ainda se utiliza do termo comunista. Ambas as palavras, trans e comunista, são distorcidas e empregadas de forma jocosa e imprudente, desumanizando essas duas categorias no campo político e tornando-as inimigos de primeiro escalão para justificar as crises do país. Essa história já conhecemos com outros personagens.
Escrevo essa singela reflexão nesta data, 29 de janeiro, para trazer à tona dois pontos: a urgência do que Valério Arcary propõe no tema da segurança no campo da esquerda, prioritariamente quando executamos um programa político combativo com táticas verdadeiramente firmes diante da extrema direita. Imaginem quando as que estão no fronte são pessoas trans, exclusivamente mulheres trans e travestis – pois ainda não temos figuras transmasculinas em nosso campo político eleitos, o que não gerará o encontro do fascismo instrumentalizado pela transfobia, racismo e misoginia de encontro com nós parlamentares trans brasileiras.
Eu mesma temo por mim e pelas minhas, mas a escolha antes de minha própria identidade travesti se impõe enquanto identidade ideológica através do que acredito e esse é o segundo ponto: nossa luta é para além do que eu sou. Nossa luta é aquilo que faço do que sou. Temos registro de pessoas trans no campo da extrema direita e isso primeiro me entristece. Depois, me obriga a estudar cada vez mais entre livros, camaradas.
Decidi entrar na política em 2019 por perceber no golpe de uma presidenta legitimamente eleita, no assassinato de uma vereadora combativa e na vitória de um energúmeno na presidência do Brasil que se esses cenários me atingem o coração, ele me pertence. E tudo que minha existência acumulou, toda a resistência que vivi contra as violências que sofri enquanto travesti deveriam agora ser utilizadas na luta política para alterar a realidade ao meu redor.
É minha gente, ninguém disse que a luta seria fácil, mas coletivamente a luta tem sido bem menos difícil para mim que sempre lutei sozinha. Agora não mais.
Travesti é Resistência!
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