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MOVIMENTO

Sobre a luta da Ocupação Nelson Mandela e o debate sobre a política pública habitacional (em Campinas)

Algumas reflexões “a quente” e a necessidade de mediações táticas, para nossos objetivos estratégicos

Por Alexandre Mandl*

Atuo diretamente junto ao movimento sociais de luta por moradia, sendo um dos advogados das famílias da Ocupação Nelson Mandela. Acompanho 14 áreas em algum conflito fundiário e a luta por moradia em Campinas.

Diante de tudo que foi falado nas últimas duas semanas, vale rápidas reflexões “a quente”, ou seja, no calor dos acontecimentos.

Tenho pensado muito, e avaliando aqui que a questão central é para além do Mandela. Lutar e cobrar política pública habitacional, moradia para famílias de baixa renda, etc.; e é fato que a Prefeitura não tem. Tem que cobrar mesmo. Os últimos anos e gestões da Prefeitura não realizaram política pública habitacional em si. É fato.

Agora, no caso do Mandela, a partir de todas as informações, também tem o que criticar, mas não como estava sendo feito. Sem ouvir as famílias e com inverdades. Tem que entender o movimento como um todo e cobrar próximos passos. A lógica da velocidade da informação e objetivos mais de lacrar do que compreender e propor, avançar na luta, foi tudo muito pesado. Penso que daqui para a frente será duas grandes frentes.

Uma é da Prefeitura, Juiz e as famílias. Evidente com toda a pressão da “sociedade civil/imprensa”. Seguiremos, como já vínhamos fazendo, apesar de não ser “divulgado” como hoje, há muita luta há 7 anos. Seguiremos, talvez com mais força, se toda a indignação expressa em geral, se concretize em apoio real, em especial com desdobramentos para ampliação da obra, garantindo a residência de 45m2 a 60m2 que discutimos no início desse ano.

Outra é a briga mais geral por política pública habitacional e moradia popular, permeado, evidentemente, pela preparação da disputa eleitoral, que, sem ingenuidades, está colocada e se expressou nas narrativas do caso Mandela. Isso é mais amplo e as famílias do Mandela possuem limitada atuação nesse aspecto mais amplo. Vejamos concretamente, a partir do Mandela. O maior resultado de “política pública habitacional” não é uma “programa habitacional”, mas um caso isolado, e que foi CONQUISTADO pelas famílias, em etapas parciais e acabou gerando tudo isso. O que dizer do resto das famílias e de tantas outras lutas que estão ocorrendo? O que dizer de situações em que famílias estão sendo notificadas a sair de suas casas? Enfim, pautas legítimas de luta existem e seguimos organizando as famílias, juntando movimentos sociais, trocando relatos e experiências, impulsionando a campanha Despejo Zero na cidade, mediando conflitos e chamando atenção das instituições públicas, demandando parlamentares, Ministério Público e Defensoria Pública.

Entretanto, quanto ao Mandela, não podemos fugir aos fatos concretos/objetivos, e isso, não para defender a Prefeitura, mas para mostrar o tamanho da conquista feita.

Prefeitura poderia ser explícita no que fez, mas não age assim também porque é uma prefeitura conservadora, e não quer que “a moda pegue” e “porque fez com Mandela e não com outras”, etc. Agora se preocupa em garantir a construção da residência completa sob pena de ser acusada que recuou, foi pautada, etc. Sendo que deveria mostrar que, desde o início, já assim faria, vendo somente com Juiz o prazo para cada etapa.

Veja, evidente que 15m2 é uma política pública habitacional indefensável. Mas não é isso. Não é uma política pública, vez que não institucionalizada. E não são 15m2. São casas de 45m2 a 60m2, como explicamos desde o início, sendo que a entrega de embrião sanitário foi o possível num prazo de 4 meses, prorrogado depois por mais 2, que o Juiz autorizou. Talvez uma boa pergunta é por que a Juiz não deu prazo maior? Por que não poderia esperar a mudança da casa completa? Vejamos que nem o embrião teria. As famílias mudariam só com o lote garantido, e construiriam barracos de madeira.

Por isso, compreendemos como um avanço ter o embrião sanitário num bairro com TODA infraestrutura, que hoje não possui. Defendemos, assim, a “solução Mandela”, não com o embrião, em si, mas, como falamos: conquistamos o uso social de uma propriedade pública, depois de anos denunciando que não havia qualquer função social da propriedade particular atualmente ocupada, como a referida área adjacente, que é pública. Mostramos a necessidade de ter toda a infraestrutura, e compramos uma boa briga com a Prefeitura. Vencemos. Conseguimos a infraestrutura, com água, luz, saneamento, asfalto, etc., em tempo recorde. Isso é condição para moradia digna.

Conquistamos lotes, que são de 90m2, com 3 opções de plantas. Isso é um caminho para política pública habitacional. E esse é um caminho defendido pela equipe técnica da COHAB e SEHAB, servidores públicos valorosos e que se dedicaram muito para que tal caminho avançasse. Isso deve ser defendido. E defenderemos até o fim. Foi uma conquista. E queremos que a “moda pegue”. Que vire, realmente, uma política pública. Que a Prefeitura institucionalize tal modelo, com aperfeiçoamentos sempre necessários. Nos casos em que há despejo judicial e curtos prazos para construção, a solução parcial de embrião pode vir a justificar transitoriamente, como uma parcial alteração do local. Mas também reafirma a questão do tempo do judiciário, de “pressas seletivas”, além da absurda defesa de uma propriedade que não cumpra a legislação urbanística, como a área atualmente ocupada, que descumpre a função social. Não cumpria antes da ocupação. Não havia qualquer exercício legítimo da posse. Depois de ocupada, é que entram com reintegração de posse? Faz sentido? Assim é o sistema judicial, em regra. Caso do Mandela teve suas particularidades judiciais até aqui também, mas manteve-se o caráter indiscutível de que “é errado ocupar área particular”. Afinal, quem fiscaliza o uso social das propriedades? E o Judiciário, quando confrontado com uma ocupação que denuncia essa indevida condição, como reage? Ou qual uso social do terreno do Mandela 1, no Jardim Capivari, em que sofremos uma violenta reintegração de posse e a Prefeitura nada fez para ajudar? Ou qual uso social do terreno atualmente ocupado pelas famílias do Mandela, antes e, agora, depois, da desocupação? Ou seja, essas questões seguirão em debate, vendo o caso concreto do Mandela.

Então, pelo Mandela, seguiremos nosso combate, mas nos limites que conseguimos ir, e do que nos compete. Outras disputas são mais amplas que nós, e tudo isso que temos visto somente reforça nossa impossibilidade de “competir” com as disputas de narrativas sobre “nosso caso”, bem como há uma disputa da “politicagem eleitoral”, como alguns falaram, mas que sim, há também uma legítima disputa sobre efetiva preocupação em uma política habitacional para a população de baixa renda.

Neste caso, podemos e devemos intervir, mesmo que somos pequenos, mas temos o que contribuir. Por ora, defendendo o que realmente houve até aqui e contribuindo para a melhor solução nos próximos passos do Mandela. Portanto, acho que tem um diferencial importante em tudo isso. Se a construção dos embriões fosse uma “política pública de habitação”, claro que mereceria uma crítica severa dos movimentos de luta por moradia.

Porém, como as notas públicas da própria comunidade tem apontado, não dá para olhar essa situação apenas observando um fotograma. É preciso “assistir o filme” inteiro. E nesse roteiro tem organização popular, luta, conquistas parciais, análise da conjuntura, observação da correlação de forças etc.

Nesse sentido, da maneira como a questão foi tratada parcela da esquerda institucional, percebemos que ignorou tudo isso, fazendo somente a crítica ao Prefeito, mesmo que justa, mas sem a análise mais profunda que se fazia necessária, e de pleno respeito ao movimento e às famílias que conquistaram tal passo, mesmo que ainda parcial. Ao mesmo tempo, Prefeito erroneamente tem atacado parlamentares que sempre estiveram nas lutas junto aos movimentos de moradia, fez “politicagem” criticando o Presidente da República, ao invés de propor juntos soluções dos diferentes entes federativos para resolução da situação, garantindo a finalização da obra, com as casas completas e não somente o embrião sanitário. Ficou uma disputa de “narrativas”, enquanto, concretamente, seguimos na luta e sabemos bem quem está do nosso lado, e não é de hoje.

Portanto, fazemos um chamado a todo mundo que se indignou com o caso:

1º) defesa das famílias da Ocupação Nelson Mandela, respeitando a trajetória feita, o histórico de luta e a solução conquistada, compreendendo que foi uma etapa de um processo mais amplo de garantia de moradia com dignidade, e que a solução completa, se torne uma referência para política pública habitacional e efetivo uso social das propriedades;

E, nesse sentido, governo estadual e federal podem suplementar orçamento e aportes, atuando de forma propositiva e real na solução do feito, de forma republicana e federativa.

2º) Sobre a luta nesta conjuntura, para avançar taticamente, construindo condições para nossos objetivos estratégicos, de uma cidade inclusiva e menos desigual, e construir uma sociedade, justa, livre e igualitária, devemos nos orientar com algumas pautas:

– Defesa das lutas de moradia na cidade, dos movimentos organizados e resistências contra despejos;

– Diagnóstico de mapeamento de áreas públicas subutilizadas e que devem ser destinadas para loteamento urbanizados;

– Fortalecimento da COHAB como produtora de residências para moradia popular com plantas de 45m2 a 60m2;

– Fortalecimento do setor de REURB da COHAB com mais contratações de funcionários e mais;

– Combate à especulação imobiliária e a seletividade da indução do desenvolvimento;

– Uso real do Fundap, financiando em condições efetivamente acessíveis às famílias de baixa renda;

– Fortalecimento do Conselho de Habitação Municipal;

– Fim das remoções administrativas;

– Fim da criminalização dos movimentos sociais de moradia;

– Triplicar, no mínimo, condições de contrapartida diante de empreendimentos aprovados com quantidade de moradias para faixa 1;

– Efetiva compatibilidade entre direito à moradia e preservação do meio ambiente;

– Aplicação do IPTU progressivo e efetivas medidas para garantir uso social das propriedades;

– Mudança do padrão de IPTU, fazendo com que ricos paguem mais, e classe média pague menos, e imóveis populares tenham isenções;

– Encampação e Adjudicação de imóveis abandonados ou subutilizados, especialmente no centro expandido, seja para fins de moradia, seja para acolhimento assistencial, médico e de violência doméstica;

– Parceria com governo federal para MCMV e Caixa Econômica Federal para novos empreendimentos, além de retrofit nos imóveis do centro expandido;

– Parceria com governo estadual para realização de novas unidades do CDHU na cidade, e ampliação de parcerias com Cidade Legal para Reurb;

– Incentivo à fábrica de tijolos, autoconstrução e mutirão com entidades dos movimentos de moradia;

– Duplicação de orçamento para a saneamento junto à Sanasa para áreas em processo de regularização fundiária;

– Controle democrático e fiscalização públicas dos casos de outorga onerosa;

– Articular medidas para mobilidade urbana e secretaria de desenvolvimento;

– Articulação regional (RMC) para efetivação do PDUI sob as diretrizes acima expostas, compreendendo a especificidade do caráter metropolitano da moradia, mobilidade e desenvolvimento urbano.

A luta continua!

* Alexandre Mandl é Advogado do Movimento das Fábricas Ocupadas. Membro do Conselho de Fábrica da Flaskô. Membro da RENAP (Rede Nacional de Advogadxs Populares) e do IPDMS (Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais)