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MOVIMENTO

O movimento estudantil da Unicamp em 2022: pelo o que devemos lutar?

Ingrid Saraiva* e Ellen Alves**

O movimento estudantil da Unicamp tem um histórico de luta. Desde a resistência contra a ditadura civil-militar, os estudantes não vacilaram e lutaram bravamente contra o autoritarismo e em defesa da democracia. Nos anos 1980, frente à falta de uma política séria de permanência, os estudantes ocuparam o Ciclo Básico (CB) por dois anos e conquistaram a Moradia Estudantil. Em 2016, só depois de uma greve dos estudantes de três meses é que conseguimos conquistar as cotas étnico-raciais e o vestibular indígena, com um protagonismo crucial do movimento negro. Até 2019, a Unicamp ainda tinha no Regimento Geral os resquícios do Decreto-Lei 477 de 1968, o conhecido “AI-5 das universidades”, que vigorou durante a ditadura militar. Através dos artigos que proibiam manifestações político-partidárias ou ideológicas, “desacato” e “algazarra”, a Unicamp perseguiu e puniu dezenas de estudantes pela greve de 2016. A derrubada desses artigos do regimento foi mais uma vitória do movimento de estudantes, funcionários e professores em 2019. Você, estudante, que está entrando agora na universidade e descobrindo que aqui temos moradia, bolsas, políticas de permanência e bandejão: tudo isso foi fruto da luta e organização de décadas do movimento estudantil! 

Os últimos dois anos foram de crises de múltiplas dimensões, os anos mais difíceis de toda a história de nossa geração. Vivemos na incerteza sobre o futuro tentando sobreviver ao presente. Vírus, desemprego, violência, fome, desastres ecológicos. Somado a isso, temos um governo genocida e negacionista, que elegeu as universidades e o movimento estudantil como principais inimigos, atacando nossas entidades de “ninhos de rato”, impondo cortes orçamentários e uma política de sucateamento da educação. Para termos melhores condições de vida, trabalho e estudo, é urgente a derrota de Bolsonaro e do bolsonarismo, não só no terreno eleitoral mas também nas ruas e mobilizações. 

Dentro desse contexto, temos o desafio de defender o nosso projeto de universidade: diverso, público, gratuito, de qualidade e voltado para os interesses da população. Uma universidade viva, de combate às opressões, que seja ocupada por vivência, cultura e arte, com políticas sérias de ingresso e permanência. Que derrube seus muros e seja um pólo de resistência à ofensiva reacionária. Isso só é possível no cotidiano das lutas, a partir da nossa unidade com professores, funcionáries efetives e terceirizades, em defesa de uma universidade radicalmente pública e democrática. 

Para levar a cabo esse projeto, travamos uma luta para que a ciência que fazemos seja voltada para os interesses da maioria do povo, e não das empresas. Lutamos contra as parceiras público privadas e outras medidas privatizantes que tem se expandido cada vez mais. Um exemplo disso foi o acordo fechado da Unicamp com empresas como a Vale, responsável por alguns dos maiores desastres ambientais do Brasil e do mundo. Nessa mesma linha, com a suspensão das atividades presenciais, sentimos as pressões para a alteração no modelo de ensino, abrindo espaço para a precarização do trabalho docente, nos colocando a tarefa de ser linha de frente contra o ensino híbrido. 

Assim como toda a situação do país, é verdade que voltaremos em um cenário difícil. Queremos construir uma universidade verdadeiramente pública, gratuita e de qualidade, radicalmente democrática, valorizando os três pilares do ensino superior que é o ensino, a pesquisa e a extensão. Para isso, exigimos uma reivindicação fundamental: o aumento do repasse do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) imposto que sustenta nossa universidade, é uma pauta histórica das três categorias da universidade e é essencial para garantir o funcionamento da Unicamp sem arrocho salarial, com progressão de carreira e ampliação da permanência estudantil. 

É dentro disso que se dão nossos enfrentamentos à reitoria. Se de um lado, a atual reitoria de Tom Zé possui uma base de apoio mais à esquerda, o que amplia nossa possibilidade de diálogo se compararmos à reitoria anterior de Marcelo Knobel, apoiada por setores da direita reacionária, também é verdade que possui contradições. Tom Zé foi apoiado pelo antigo reitor, Tadeu Jorge, que durante a greve de 2016, que conquistou as cotas e o vestibular indígena, puniu estudantes e se recusou a negociar em diversos momentos. No que tange a defesa de financiamento público na Unicamp, essa reitoria durante sua campanha eleitoral reservava um tópico de 5 páginas para exaltar a Agência de Inovação da Unicamp (Inova) que, em suas próprias palavras, cumpre o papel de estimular o “empreendedorismo” através de parcerias com empresas privadas em uma lógica “ganha-ganha” – e sabemos muito bem quem realmente ganha no final. Uma de suas propostas para a pós-graduação era a institucionalização do “voluntariado” entre estudantes, e que, diante do desmonte da ciência, dos cortes de bolsa e da censura à pesquisas, não achamos aceitável uma reitoria defender que é preciso ainda mais trabalho voluntário de pós-graduandes. Além disso, defendemos a luta dos trabalhadores – que fazem nossa universidade funcionar! – por melhores condições de trabalho e pela efetivação sem necessidade de concurso para es terceirizades. Queremos uma reitoria que defenda reajuste das bolsas de pesquisa e condições dignas de trabalho! 

São essas as lutas que nos trouxeram até aqui, que marcaram a história do movimento estudantil e que seguimos até hoje travando em nosso cotidiano. Acreditamos que só podem vencer aquelus que sabem contra quem e contra o que lutam. Então, além de retomar um pouco a história das nossas conquistas na Unicamp, queremos também apontar quais são nossos maiores desafios em 2022. Em um ano eleitoral, nós do Afronte! compreendemos que nossas lutas girarão em torno de três eixos: (1) a derrota do bolsonarismo, (2) a permanência estudantil nos marcos do retorno presencial, (3) a defesa e ampliação da política de cotas. 

A conquista da cotas na Unicamp é uma vitória recente da mobilização estudantil e deve ser comemorada como tal, porém não queremos apenas entrar na universidade, também queremos permanecer! Para possuirmos uma universidade realmente plural, com a cara do povo pobre, preto, indígena, LGBTQIA+, se faz necessário investir cada vez mais em políticas de permanência. É por isso que acreditamos que a permanência, apesar de ser uma luta cotidiana, é um eixo que deve ser discutido centralmente no movimento estudantil. Devemos estar diariamente lutando pela ampliação e reforma da moradia, pelo aumento do número de bolsas para cobrir a demanda real des estudantes e pelo fim da contrapartida de trabalho da bolsa BAS. Há anos lutamos pela contratação de mais psicólogos e psiquiatras no SAPPE (Serviço de Assistência Psicológica e Psiquiátrica), afinal, os problemas de saúde mental também são um impeditivo na permanência de estudantes, que se deparam diariamente com um produtivismo acadêmico imposto pela universidade. A reitoria de Tom Zé ampliou o quadro de trabalhadores do SAPPE, mas cortou uma parte essencial do serviço: os atendimentos psiquiátricos emergenciais nos horários de almoço e janta. Queremos os plantões de volta! 

A implementação do vestibular indígena é recente, ocorreu a partir de 2019, com as primeiras turmas de ingressantes indígenas e trouxe enormes desafios. A locomoção des estudantes é feita com o dinheiro arrecadado a partir da mobilização de outres estudantes, como a Rede Ñandutí, que se organiza para receber e acolher aqueles que vêm de longe, papel que deveria ser desempenhado pela própria universidade. Ademais, nesse ano de revisão da implementação do vestibular indígena, devemos seguir lutando por essa política afirmativa e por sua ampliação, por mais vagas para os povos indígenas, especialmente nos cursos mais elitistas onde a disputa é difícil. 

A luta des estudantes indígenas não ocorre só na universidade: o governo Bolsonaro segue os ataques constantes aos povos indígenas. A tentativa da implementação do Marco Temporal no ano de 2021 é um grande exemplo desta série de ataques que visam retirar ainda mais o direito sobre a terra destas pessoas que são quem, de fato, cuidam delas. Após dois anos de pandemia, vivemos um cenário de crise política, econômica e social que apresenta enormes retrocessos na vida dos trabalhadores e estudantes: o Brasil voltou ao Mapa Mundial da Fome num cenário de pandemia agravada pelo (des)governo de Bolsonaro. E é nesse contexto que as universidades anunciam a volta do ensino presencial em um Brasil que, de fato, nunca parou. 

Queremos a volta do ensino presencial, mas ele deve ocorrer de forma segura para todes. Neste sentido, é muito importante que a reitoria garanta o monitoramento dos casos de covid-19, não só dos discentes, docentes e funcionáries, mas também des terceirizades e das crianças que estudam nas creches da Unicamp, assim como é dever da Unicamp garantir a vacinação para aquelus que ainda não tomaram sua dose de reforço. O retorno também é a retomada das bibliotecas, das áreas de lazer e do próprio restaurante universitário: para além da sala de aula, o processo de retorno representa o início de uma vivência universitária para três turmas de ingressantes que não tiveram contato com o presencial. Para o retorno que tanto desejamos, é necessário considerar todos estes aspectos e garantir a segurança de todes que compõem a comunidade universitária. 

A forma mais essencial de assegurar a volta des estudantes é através das políticas de permanência. A Unicamp é uma das universidades que apresenta uma das melhores políticas de permanência do país, mas com algumas contradições. Hoje existe uma grande defasagem no número de casas na Moradia Estudantil (que também possui problemas estruturais), as bolsas de auxílio moradia possuem um valor pequeno considerando a especulação imobiliária e os caros aluguéis da região, e o número de bolsas-auxílio teve um aumento inexpressivo, não suprindo o total da demanda. 

Mas isso não pode nos parar, precisamos continuar lutando contra os desafios impostos, a favor da permanência estudantil, por um retorno seguro, a favor da continuidade das políticas de cotas étnico-raciais e do vestibular indígena e pela implementação das cotas trans e PcDs em todos os cursos. E também devemos continuar com a luta fora da universidade: 2022 é um ano de eleições. 

Após 4 anos do (des)governo de Jair Bolsonaro, responsável por aprofundar o genocídio negro e indígena, atacando suas terras e vidas, e que se recusou a comprar vacinas contra a covid-19, nada nos deixa dúvidas: a tarefa prioritária para 2022 é tirar este negacionista do poder. Sabemos que, com as anulações das condenações de Lula e a importante derrota política da Lava Jato, há uma grande esperança depositada nas eleições. Queremos e devemos dialogar com esse sentimento, mas não podemos perder de vista que a nossa saída é construída nas ruas, com a mobilização da nossa classe. Devemos combinar nossa luta nas ruas e nas eleições e seguir apostando na unidade da classe trabalhadora e da esquerda, que deu exemplo na organização dos atos pelo Fora Bolsonaro em 2021. Hoje, o

principal nome capaz de derrotar o atual governo nas eleições é o de Lula e defendemos um movimento estudantil que esteja conectado com esse processo. 

Porém, discordamos veementemente da busca de alianças com setores da burguesia que foram responsáveis pelo golpe ocorrido com a ex-presidenta Dilma em 2016. Não podemos cometer os mesmos erros do passado! Ao sugerir que Geraldo Alckmin seja o seu vice-presidente, Lula desconsidera as contrarreformas trabalhistas realizadas pelo ex-governador de São Paulo, o escândalo do roubo de merendas e que o suposto “vice-presidente” ordenou que a polícia lidasse com as reivindicações dos professores do estado. Para a unidade daquelus que estão verdadeiramente do nosso lado, a vice-presidência de Lula deve representar os movimentos sociais que lutam, de fato, pelo nosso país. 

Queremos Lula sim e Alckmin não! Acreditamos que o governo de Lula deve ser pensado a partir de uma frente unificada de esquerda composta por diversos movimentos sociais e partidos de esquerda. Mas para além das eleições, o bolsonarismo se derrota nas ruas, e, por isso, apostamos nas mobilizações. Uma palavra pode representar esse ano que virá: esperança. Queremos construir, como 2018, grandes comitês de vira-voto pois sabemos que o bolsonarismo ainda não está derrotado e que existem grandes chances da recusa em aceitar o resultado caso seja derrotado eleitoralmente: não devemos esquecer que trata-se de uma extrema-direita golpista! E é apenas com a união da esquerda, dos movimentos sociais, em suma, dos nossos, que será possível tirar este genocida do poder. Queremos construir uma política com e para a classe trabalhadora, vamos juntes?

 

*Ingrid Saraiva é estudante de Ciências Sociais na Unicamp e faz parte do Diretório Central dos Estudantes (DCE), do Centro Acadêmico de Ciências Humanas (CACH), da bancada discente na Congregação do IFCH e é militante do Afronte! Campinas.
**Ellen Alves é estudante de Pedagogia na Unicamp e faz parte do Diretório Central dos Estudantes (DCE), da representação discente no Conselho Universitário da Unicamp e é militante do Afronte! Campinas.