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Quem quer a paz na Guerra da Ucrânia?

Reprodução/TV Globo

Conselho de Segurança da ONU discute situação na Ucrânia

Gabriel Santos

Garbriel Santos é alagoano, estudante da UFRGS, militante da Resistência-PSOL (RS), vascaíno e filho de Oxóssi.

Meu voto é no PT porque cansei de governos
que falam fino com os Estados Unidos e grosso com a Bolívia –
Chico Buarque

 

 

A Guerra na Ucrânia completou um ano. Nos grandes conflitos, depois de um tempo, ninguém se lembra mas pelo que está lutando ou como eles iniciaram. Algo tão destruidor como uma guerra perde suas primeiras justificativas, e passa a ganhar outras novas.

O discurso do Ocidente de “derrota completa da Rússia e de Putin” se modificou. Com o tempo, uma derrota desse nível se tornou inviável. Agora o Secretário de Defesa Norte Americano fala em “fazer a Rússia sangrar e ter sérios danos”.

O um ano da guerra é marcada pela tentativa da União Europeia e Estados Unidos de enviar armamento pesado para a Ucrânia. O que faz com que se observar a paz seja uma experiência cada vez mais abstrata.

Nos primeiros dias do conflito, a presidenta Dilma em uma entrevista afirmou: “a solução para a crise não vai se dar no terreno militar, mas sim na diplomacia”.

No marco de 1 ano do conflito, a ONU aprovou uma resolução em que se pedia a retirada imediata das tropas russas da Ucrânia. Um dos principais fatos ligados a essa resolução, foi a posição dos países sul-americanos, principalmente do Brasil, que antes, se colocavam neutros diante do conflito. Na prática, essa resolução não tem nenhuma efetividade para buscar a promoção da paz. A resolução acaba por servir a um interesse político dos EUA e União Europeia de ver quais países estão com eles, e quais são contrários.

A verdade é que quem quer paz busca uma conferência e realiza uma mesa de negociações. Impor condições ou sanções como medidas, não soam como ações propositivas que podem efetivamente contribuir. São, na verdade, hipocrisias.

 

A guerra um ano depois

A Guerra da Ucrânia, nunca foi somente um conflito entre o Estado Ucraniano e o Estado Russo. Ela é uma guerra por procuração. Foi planejada e instigada pelos Estados Unidos através da expansão militar da OTAN. A Ucrânia é o campo de batalha.

Os Estados Unidos conseguiu fazer com que a OTAN financie, incentive e participe da guerra através do envio de armamento. Assim, o principal país imperialista do mundo reafirmou seu papel de liderança sobre a Europa, distanciou Alemanha da Rússia, e se tornou o principal fornecedor de gás para a União Europeia.

Uma das dificuldades para se analisar o início do conflito foi justamente seu lado histórico, multiétnico e suas múltiplas faces.

A ação militar russa, ao mesmo tempo que foi defensiva, pois buscava a defesa do país contra a expansão da OTAN, e a defesa de cidadãos de origem russos que estavam sendo massacrados pelo governo nacionalista ucraniano, foi também uma ação expansionista da Rússia, já que o direito da Ucrânia existir como um Estado Nação independente é algo que o governo russo desconhece.

No campo militar, desde setembro a situação é de um equilíbrio de forças. A Ucrânia deteve parte da ofensiva russa, e a Rússia mantém domínio sobre a Criméia e as repúblicas independentes do Donbass. Do lado ucraniano, se aguarda o armamento pesado prometido pela OTAN; do lado russo, o governo promete uma nova ofensiva.

 

O papel do Brasil na busca pela paz e o voto na ONU

 

O governo Lula desde que assumiu foi pressionado por países como Alemanha e Estados Unidos, dois dos nossos principais parceiros comerciais, a enviar armas para a Ucrânia e realizar sanções econômicas contra a Rússia. Lula vetou essas duas medidas. O Presidente tem falado constantemente de buscar criar um grupo neutro para trabalhar pela paz na região, proposta vista com bons olhos tanto pelo governo ucraniano, quanto pelo governo russo.

O voto do Brasil na ONU, sendo nominalmente contra a ação militar russa, era esperado. Ser esperado, não significa que é certa ou errada, mas, que ela já era indicada previamente por funcionários do Itamaraty, e manteve-se a posição de votações anteriores.

A questão aqui é que surge uma contradição. O Presidente Lula afirma que busca a paz, mas na prática, nosso País se alinha ao G-7. Lula afirma que se teria uma mudança nas relações internacionais do País, e o que se vê é nominalmente a mesma posição do governo anterior.

Primeiro, é preciso apontar que o Itamaraty é uma das instituições mais conservadoras de nosso País, perdendo apenas para as Forças Armadas. Entre seu núcleo predomina uma visão de mundo pró-Ocidente, atlantista e subordinada aos Estados Unidos.

Segundo, por mais que o voto na ONU tenha sido um erro de cálculo, afinal o Brasil foi o único país do BRICS que votou com o G-7. E hoje, o BRICS é a nossa principal área de atuação no cenário mundial. Isso não tira o fato de que a posição de Lula e sua proposta estejam corretas.

Terceiro, o Brasil não tomou nenhuma medida objetiva contra a Rússia, e provavelmente não tomará. Seja por questões estratégicas no campo internacional, seja pela dependência de nosso agronegócio dos fertilizantes importados.

E por último,  o G-7 se nega a escutar medidas propositivas de países que não votam em sua resolução na ONU. Como por exemplo é o caso da China, que elaborou uma carta de doze pontos para o fim da guerra, mas se abstém nas votações. A construção de medidas que realmente buscam a paz precisam confrontar a OTAN e seu expansionismo para o leste, o envio de armas, as sanções unilaterais contra a Rússia. Levantar essas posições por si só, é ir contra ao próprio G-7.

Assim podemos perceber que a quebra da unidade entre o BRICS foi um cálculo errado, e que deveria ser por meio dele que a própria proposta de paz deveria ser construída. No teatro das relações internacionais, um país periférico e dependente como o Brasil, tem credibilidade para ser proponente em um grupo de negociadores justamente a neutralidade.

 

A paz é possível?

 

A curto prazo é difícil enxergar alguma possibilidade de solução. A Rússia se considera ameaçada com a expansão da OTAN, e se antes olhava torto para ações militares que a OTAN fazia com a Ucrânia em sua fronteira, agora é inimaginável acreditar que essas ações seriam aceitáveis. Os Estados Unidos, por sua vez, enxergam que sua hegemonia está ameaçada, e que a ação militar russa ocupando o território ucraniano foi uma afronta a seu domínio global.

Hoje é possível dizer que nem Biden, nem Putin, nem Zelensky, querem a paz. A OTAN e a Ucrânia querem derrotar militarmente a Rússia, coisa que só seria possível se esses países aliados se envolvessem em outro patamar no conflito, correndo o risco de termos uma guerra em proporções incalculáveis. A Rússia quer derrotar militarmente a Ucrânia. Retirar o exército russo do país vizinho, e fazer os soldados voltarem para casa sem uma rendição do governo ucraniano, seria uma humilhação.

Lembrando novamente da entrevista da presidenta Dilma. Ela falou que a solução diplomática seria buscar um acordo no qual ambos os lados pudessem cantar vitória. Pensar isso é algo difícil, mas não impossível.

Uma elaboração em que a Rússia abandone seu suposto projeto expansionista, retire suas tropas e ajude na reconstrução da Ucrânia, podendo fazer com que assim o Ocidente se declare vitorioso. E, ao mesmo tempo, permita que a Rússia se declare vitoriosa com medidas como: a não entrada da Ucrânia na OTAN e autonomia das populações russófonas no Leste da Ucrânia.

Acredito que o governo brasileiro, apesar de sua posição da ONU (um verdadeiro gol contra), ainda tem poder para negociar uma solução pacífica. Hoje, no cenário mundial, Lula é a única liderança com capacidade de diálogo entre os campos envolvidos no conflito. Sendo assim, o Brasil precisa assumir responsabilidade histórica diante do cenário mundial e agir de forma estratégica.

Um bloco de países neutros que possam fazer parte de uma mesa de negociação é possível. Brasil, Turquia, Estado de Israel, Indonésia, África do Sul, são algumas das possibilidades.

Um verdadeiro acordo de paz deveria tratar: 1) Retirada das tropas russas da Ucrânia 2) A OTAN assumiria o compromisso de não buscar a admissão da Ucrânia e não se expandir rumo à fronteira russa. 3) Uma reforma constitucional na Ucrânia refletindo a diversidade do país, deixando de ser uma República Unitária, se tornando uma República Federativa. 4) Essa reforma constitucional deve restabelecer o caráter multiétnico do país, a língua russa ser uma das línguas nacionais, com liberdade de ensino e comunicação para o russo e outras línguas. 5) Além disso, se deve dar às províncias ucranianas autonomia, para terem seus parlamentos locais, suas constituições e eleger seus governadores. Coisa feita até hoje pelo governo central. 6) A Rússia abandonaria o reconhecimento das repúblicas separatistas de Lugansk e Donetsk (regiões de maioria russa), e por sua vez a incorporação da Crimeia pela Rússia, feita por referendo popular em 2014, com mais de 93% dos votos, seria reconhecido por Kiev e pela comunidade internacional. 7) Suspensão das sanções contra a Rússia e liberação das reservas internacionais russas que foram congeladas 8) Por fim, é importante que o Ocidente e o governo ucraniano se comprometam na desnazificação da Ucrânia.

Essas medidas são necessárias para que a guerra não cesse somente quando e se um dos lados forem derrotados. A tendência é que a escalada do conflito leve outras nações a se envolverem. As medidas acima, hoje, são impensáveis, não porque são irrealizáveis, mas sim, por não se ter vontade política para implementá-las.

A Paz é possível. É preciso ter coragem de ir buscá-la. O Ocidente já mostrou que não está interessado em acordos. É preciso que países do Sul global se empenhem nesse objetivo. Por meio de articulações, negociações, blocos e medidas, é possível que se mude a correlação de forças internacionais, forçando Ucrânia, Rússia, EUA e UE  a sentarem para negociar.

O Brasil é central nessa busca pela paz. Nossa diplomacia é um assunto sério demais pra ficar na mão de diplomatas. Nossa política externa precisa ser retirada da mão do núcleo duro do Itamaraty e ficar submetida a planejamentos de estrategistas ligados à posição e visão global do governo.

Ao assumir centralidade no cenário internacional, ao trabalhar pela Paz, o Brasil aumenta em importância, podendo ser proponente de outras medidas e outras ações nas mais diversas áreas. A luta pela paz é também lutar pela inserção do Brasil como ator político no cenário mundial. Um novo mundo surge neste momento. Não sabemos como será. Mas ele será diferente do que era antes. O Brasil precisa enxergar, escolher e buscar seu lugar nele.

Dentro de nossas fronteiras, a esquerda brasileira precisa ser um porta voz da bandeira por uma Paz na guerra da Ucrânia. Uma paz difícil, porém, cada vez mais necessária.

 

*O artigo acima representa a opinião do autor e não necessariamente corresponde às opiniões do EOL. Somos um portal aberto às polêmicas e debates da esquerda socialista